“Se você já estiver preparado, uma força maior o levará ao Pró-Vida”
Poucas vezes o segredo funcionou tão bem como a alma de um negócio. O Pró-Vida cerca sua atuação de mistério. Apresenta-se como uma escola filosófica de desenvolvimento mental, mas não divulga métodos e conteúdo dos cursos. Quem quiser saber mais deve literalmente pagar para ver. Ou melhor, ingressar no quadro de alunos. É o que constato no primeiro telefonema, após receber de Marie Claire a missão de desvendar os bastidores desse enigmático grupo. Quando começo a frequentar o curso Básico, descubro que não se trata apenas de uma escola filosófica às voltas com as velhas interrogações do espírito humano — quem somos, por que vivemos, para onde iremos. Em muitos pontos, as aulas se assemelham aos cultos da Igreja Universal do Reino de Deus e afins. De maneira mais sutil, o Pró-Vida também envolve, incute ideias, desperta culpas, cobra dízimos. Não falta nem mesmo a revelação da existência de um paraíso na Terra.
Alguma vez na vida você ouviu falar que “um mundo melhor” existe aqui e agora? Para desfrutá-lo, basta entrar para o Pró-Vida e conviver com os “irmãos” do grupo. E não são poucos os que fazem essa opção. Chegam a abandonar outras atividades para marcar presença constante nos cursos, prestar trabalho voluntário e integrar definitivamente o rebanho de eleitos. A comparação é quase inevitável: o Pró-Vida atua como uma versão mais elaborada da igreja do bispo Edir Macedo. Dirige-se à classe média alta e, portanto, utiliza meios mais complexos de persuasão. O discurso dos monitores é articulado. No lugar de trechos bíblicos, supostas referências científicas. De Einstein a Freud e Jung, proliferam citações que procuram emprestar credibilidade aos ensinamentos.
Antes de descobrir esses e outros detalhes, tive de passar por uma entrevista para ser aceita no seleto rebanho. Durante a conversa não revelei, claro, minhas intenções jornalísticas. Criei uma pequena mentira. Disse ser uma publicitária em busca de sucesso profissional. Admito que estava um pouco amedrontada. Se soubessem ler pensamentos, como de fato sugerem, descobririam a farsa. Mas a história convenceu e fui aprovada com a garantia de que, ao final do curso, teria mudanças radicais na minha vida. Que tipo de mudanças? “Você verá os resultados”, desconversou uma educada monitora na faixa dos 50 anos.
A manutenção do suspense tem finalidade. O Pró-Vida funciona como um grupo “iniciático”, segundo a classificação do antropólogo José Guilherme Magnani, professor da Universidade de São Paulo. “É a mesma estrutura de sociedades como a maçonaria e a rosa-cruz”, ele compara. “Nessas organizações, há sempre um segredo mantido pela lealdade dos adeptos. É preciso passar por etapas para ter acesso a certas dimensões do grupo”. Quer dizer, para conhecer o referido “segredo”, é necessário prosseguir na iniciação — o que no Pró-Vida significa pagar mais e mais cursos. Como a meta é conquistar adeptos selecionados, de preferência os financeiramente saudáveis, a propaganda é dirigida. O Pró-Vida mantém uma página na Internet e promove divulgação boca-a-boca — alunos de cursos avançados levam parentes, amigos e conhecidos. Outra ferramenta publicitária é um adesivo para ser colado no vidro do carro. O anúncio traz uma frase que confirma o teor enigmático utilizado pelo grupo: “Se você já estiver preparado, uma força maior o levará ao Pró-Vida”. Quem ler — e não conseguir segurar a curiosidade — irá telefonar.
Logo no primeiro dia, percebo que o marketing do mistério funciona. Cerca de 60 pessoas desembolsaram R$ 350,00 para “aprender a utilizar melhor o cérebro”. A procura é tamanha que a organização promove de dois a quatro cursos iguais a este por mês — não só em São Paulo, mas também em várias cidades do país e em Buenos Aires, na Argentina. Faço uma conta rápida, considerando a presença mínima de 50 alunos em cada um deles, e constato que o Pró-Vida deve faturar pelo menos de R$ 35 mil a R$ 70 mil reais por mês só com essa fonte. E os cursos não são a única forma de ganhar dinheiro. O clube de Campo, situado em Araiçoiaba da Serra, no interior de São Paulo, é outro negócio bastante rentável.
É Proibido Anotar
Uma nova sede do Pró-Vida em São Paulo está funcionando desde agosto. Erguido nas imediações da Marginal Pinheiros, o prédio ostenta uma vistosa pirâmide em sua fachada e abriga os cursos ministrados na capital paulista. Substituiu outras duas sedes, situadas nos bairros de Moema e Vila Olímpia. Fiz o Básico na casa da Alameda dos Nhambiquaras, em Moema, pouco tempo antes da inauguração do prédio da Marginal. No primeiro dia, uma segunda-feira, chego 30 minutos antes do horário estipulado. A aula estava marcada para começar às 20:30. Procuro um lugar vago entre as cadeiras enfileiradas, que acomodam homens e mulheres com idades e profissões variadas. Há médicos, engenheiros, professores, estudantes, publicitários, empresários, donas de casa. E também crianças e adolescentes (maiores de 9 anos podem frequentar o curso).
Enquanto espero, converso com uma colega. Ela namora um “avançado” do Pró-Vida e está lá por insistência dele. Tem 24 anos e é muito falante. A aula começa com atraso — o que se repete todos os dias. A monitora fala longamente sobre as agruras do mundo moderno, as guerras, as doenças, as drogas. Fico olhando os rostos atentos e percebo que três alunos avançados estão sentados em posição estratégica para assistir a plateia. Sinto-me vigiada. Tento decifrar o que estariam observando. Nessa primeira aula, a monitora garante que aquela semana mudará a nossa vida e promete algo do tipo: satisfação “garantida ou seu dinheiro de volta”.
Durante a minha maratona de “desenvolvimento mental”, ouvi ensinamentos sobre o funcionamento do cérebro, sono, poderes das pirâmides, energia, aura e fenômenos de levitação e materialização. Participei de sessões de relaxamento e pratiquei exercícios comandados pela monitora. Mas, nesses tempos de farta literatura esotérica, cursos de autoajuda aos borbotões e familiaridade com anjos, achei que nada poderia ser visto como novidade.
O entusiasmo dos meus colegas, no entanto, confirmou não ser essa a opinião da maioria. Boa parte parecia estarrecida. Mas será o conteúdo que conquista os alunos ou a forma como ele é transmitido? Para se ter uma ideia, somos instruídos a “sentir” o que está sendo falado. Não temos autorização de fazer qualquer anotação. O professor do Departamento de Psicologia Social da Universidade de São Paulo, Esdras Guerreiro Vasconcellos, explica por que esse detalhe é tão importante, “O ensinamento da primeira noite é internalizado no nível da consciência, mas uma parte se perde. Na noite seguinte, outra leva de conhecimentos é internalizada da mesma forma e só uma parte fica — e assim sucessivamente”, afirma. Como nossa memória possui capacidade limitada, segundo o professor, a internalização torna-se um processo inconsciente. Com um agravante: o curso compacto não oferece tempo para elaborar o aprendizado. Conclusão: “A pessoa guarda essencialmente aquilo que tem valor emocional”. Em conversas durante os intervalos, percebo que muitos chegam ao Pró-Vida em busca do genérico “algo mais”. Ou estão embalados por crises conjugais, dificuldades profissionais, estresse acumulado.
A aula de terça-feira trata do sono e sonhos. Freud e Jung, os mais badalados estudiosos do tema, não são esquecidos. O bê-a-bá das teorias de ambos faz parte do menu de ensinamentos do dia. Depois, aprendemos a programar nosso cérebro para acordar no horário desejado, lembrar dos sonhos ou ter um sono revitalizante. Basta, antes de adormecer, em estado de relaxamento, emitir uma ordem objetiva para ele. Assim, se eu ordenar que “quero acordar às 7 horas”, despertarei. Se só possuo quatro horas disponíveis para dormir, devo apenas dizer com firmeza a meu cérebro que acordarei disposta e descansada. E ponto final.
Contrabando de Einstein
A aula de quarta-feira é anunciada como especial e ansiosamente aguardada por todos. No encerramento da noite anterior, somos avisados de que teremos um grande dia. Receberemos um ensinamento, cunhado de “chave de prata”, que nos ajudará a abrir portas da felicidade. Durante a explicação, descobrimos que a “chave” em questão leva o nome pomposo de “Verdade Suprema e Absoluta ao nível da Consciência Humana”. Mas rapidamente verifico que o resumo da ópera é menos sofisticado e equivale à difundida ideia de que a energia do pensamento tem poderosa força. Todos são instruídos a fazer “tela mental” para o que quiserem. Em outras palavras, quem almeja um carro novo precisa, em primeiro lugar, determinar marca, cor e detalhes. Depois, imaginar-se desfrutando da supermáquina, no velho estilo Lair Ribeiro. Se conseguir “eliminar conflitos” — do tipo “será que mereço?”—, vai obter o que pretende. Para convencer sobre a veracidade dessa sabedoria, a aula inclui exemplos de pessoas que alcançaram o desejado. Até mesmo a equação de Einstein — E=mc² — entra na dança, numa tentativa de provar que a energia do pensamento é capaz de materializar desejos.
Naquele momento, suspeito que a teoria de Einstein foi retirada de seu contexto. O professor do Instituto de Física da USP Luiz Carlos de Menezes confirma minhas suspeitas. “É uma interpretação rastaquera da ciência”, critica o físico. Ele explica que é possível transformar matéria em energia e vice-versa, desde que sejam observadas “determinadas leis de conservação”. E conclui: “Não desprezo outras formas de conhecimento que não sejam a dos cientistas. Mas tenho grande desconfiança desse contrabando de conceitos. Você pode usar a fórmula de Einstein até para vender pasta de dentes”.
A noite da grande apoteose é marcada para sexta-feira. Teremos demonstrações de cura. Alunos avançados promovem uma sessão rápida de imposição de mãos. No melhor estilo Doril, a dor de cabeça de um colega simplesmente sumiu. Outro garante que se livrou do incômodo no estômago e uma terceira sente a inflamação na garganta aliviada. Lembro novamente dos cultos da Universal com suas curas, mas o pior ainda está por vir. Chegou a hora e a vez de despertar culpas e induzir todos a fazerem uma autoavaliação. “Classifique-se”, ordena a monitora. Ela sugere que cada um faça uma autoavaliação do seu estágio de evolução. A “evolução” pregada pelo Pró-Vida, grosso modo, significa migrar do reino “mineral”, formado pelas pessoas menos evoluídas, passar pelo intermediário mundo “vegetal” e atingir o grupo dos “animais superiores”. Esses últimos, segundo eles, são aqueles que praticam “a ajuda verdadeira” e tratam os outros como “irmãos”.
Os últimos momentos da aula reservam mais surpresas. Faremos um exercício para sentir a chamada “harmonia universal”. Estamos relaxados quando a monitora começa a ler um texto escrito pelo fundador do Pró-Vida, o médico Celso Charuri. O texto descreve o ser evoluído como aquele que “conhece-se a si mesmo, tal qual é, e conhece a Deus”. Enquanto isso, uma fita mal gravada, com chiados de fundo, embala a catarse com a versão instrumental do tema da Disneylândia — “Para ser feliz é preciso ver / Este céu azul na imensidão… / Há um mundo bem melhor” etc. Muitos não seguram as lágrimas.
O sábado promove mais catarse. A monitora nos conduz a um castelo imaginário, onde encontraremos o chamado “guardião” ou o “eu maior”. Cada um pode enxergar a imagem que bem quiser. Durante o “encontro”, alguns choram e posso ouvir os soluços. No final, todos os alunos contam o que viram. O campeão absoluto das citações é Jesus Cristo. houve até quem mantivesse contatos imediatos com “um monge”, “um oriental” ou “um hindu”. Da minha parte, confesso que não vi nada.
Na manhã de domingo, estou esgotada. Na reta final da maratona, somos orientados a praticar tudo o que aprendemos nas aulas. Fazemos exercícios “parapsicológicos” em duplas. Imaginem, por exemplo, que meu companheiro fará minha mão levitar. Depois, eu repetirei a dose com a mão dele. Na hora, abro discretamente um dos olhos para conferir se meu colega já eliminou a força gravitacional. Vejo que sim e vou suspendendo vagarosamente minha mão para que ele se sinta feliz e satisfeito.
O destaque da manhã é a sessão de clarividência. Funciona mais ou menos assim: uma das partes da dupla entra em alfa (pratica o relaxamento) e a outra cochicha o nome de alguém de seu rol de amigos, acompanhado de idade e endereço. Quem ouviu não conhece a pessoa, mas deve visitá-la mentalmente e descrevê-la — e, quem sabe, falar algo sobre sua personalidade. Torci para que, pelo menos isso, desse certo. Tive uma clarividência? Claro que não. Quase todos, entretanto, garantem que obtiveram êxito. E quem errou a descrição contou com o apoio do companheiro e da monitora para arriscar uma adaptação convincente do que “viu”. Exemplo: se a “clarividente” enxergou uma morena, e ela é loira, chutavam: mas será que ela não pintou o cabelo? Pior: mas será que não pensa em mudar a cor? E assim por diante. Cada um relata sua história, os outros batem palmas e dão nota dez.
Um mês mais tarde, tenho a oportunidade de repetir o Básico. Os interessados em prosseguir na “iniciação” necessitam cumprir esse procedimento. Precisam assistir de novo às sete aulas e registrar oficialmente a presença. Desta vez, contabilizo mais de cem novatos, além de cerca de 200 “repetentes”. Desde o primeiro momento, percebo que o discurso é igualzinho. Mudou o monitor, mas as aulas continuam as mesmas. Como no primeiro Básico, muitas perguntas ficam sem resposta porque são assunto de cursos mais avançados. Um colega pergunta por que a pirâmide azul é mais indicada para auxiliar curas. A resposta: “Isso você vai saber no Avançado 1”. Nem todos, porém, chegarão lá. No terceiro dia de repetição, constato a desistência da jovem publicitária, que foi minha colega na primeira vez e era uma das mais entusiasmadas. Ao mesmo tempo, outro colega, um empresário de 33 anos, confidencia que não tem certeza se prosseguirá. Passou a fase da empolgação. Um dia, até brincou comigo que estava se sentindo “na igreja do Edir Macedo”.
Dízimos Para Treinar o Cérebro
Aqueles que resistem à provação de assistir a todas as aulas novamente — e permanecem entusiasmados — estão fisgados e prontos para se matricular no Avançado 1. E, aí, o céu pode não ser o limite. “Desde o Básico, o aluno vai sendo envolvido aula após aula. Colocam em sua cabeça que harmonia e amigos só se encontram ali. Você acaba se convencendo de que é mais do que os outros”, explica a ex-integrante Elza Aparecida de Castro. Conforme informações de ex-adeptos do grupo, depois do Avançado 1, vem o curso Introdução. Ambos custam igualmente R$ 350 e são seguidos dos Avançados 2 ao 7. Para ser promovido, é preciso passar por uma espécie de comissão julgadora, que escolhe os “eleitos”. Por isso, muitos adeptos permanecem anos no mesmo curso e não são autorizados a seguir adiante. Os que atingem os três últimos níveis são identificados por um crachá com o símbolo “4/”, que significa “avançados quatro e meio”. Do seleto grupo fazem parte basicamente diretores, conselheiros e monitores.
A exemplo de diversas seitas evangélicas, o Pró-Vida também recolhe dízimo. Não existe uma pressão escancarada para doar dinheiro como nos cultos da Igreja Universal, onde pastores aos berros lembram aos fiéis que “Deus quer dar, mas o demônio segura a carteira”. O convencimento é sutil. Quem colocar os pés na escola será contemplado por uma frase de pretenso efeito sugestivo: “O privilégio de ser nas mãos de quem dá”. Essa mensagem, assinada pela Central Geral do Dízimo e seguida pelo número de uma conta bancária está estampada nos crachás recebidos pelos alunos, nas paredes e até na página da Internet. O lucro, em última análise, é o sabor predominante nesse caldeirão que mistura psicanálise com neurolinguística, princípios de física com jargões de autoajuda, retórica evangélica com estrutura de maçonaria, parapsicologia com ficção científica.
Uma Escola de Repetentes
“Fiquei dez anos barrada no mesmo curso. Diziam que faltava pouco para passar para a próxima etapa” Júlia P. Oswald, 56 anos
“Entrei para o Pró-Vida em 1981. Fui para inscrever meu filho que tinha 15 anos e se interessava por esses assuntos. Acabei me inscrevendo também e fiz o Básico, o Avançado 1 e a Introdução. Fiquei lá durante 11 anos. Por dez, permaneci barrada no mesmo curso. Passava por avaliações e falavam que ainda não estava preparada para seguir adiante. Diziam ‘faltou só um pouquinho’. E eu me culpava: ‘O que será que ainda não enxerguei?’ Meu filho não continuou. Ele dizia: ‘Mãe, este é um esquema para manipular as pessoas’.
Em 1987, adquiri um chalé no Clube de Campo Pró-Vida. Algumas pessoas vendiam casa, carro, joias, tudo para comprar aquele módulo. Só com o tempo fui percebendo que estava dentro de uma empresa. Em 1992, passei a frequentar uma escola de uma ex-discípula. Eles descobriram e me expulsaram por isso. Pagaram cerca US$ 5 mil para eu devolver o módulo. Mais tarde, soube que ele já estava vendido para outra pessoa por US$ 25 mil.
No Pró-Vida, os alunos se sentem presos. Não tem gente que vai para umbanda ou para a Igreja Universal do Reino de Deus? Ali, o fanatismo é o mesmo. Os monitores passam a ideia de que, se você se desligar do grupo, você se desliga da ‘força’. Conheci mulheres que deixaram de cuidar dos maridos e dos filhos para viver enfiadas lá dentro. Tive de fazer terapia durante um ano e meio. Foi o que me salvou.”
O Processo de uma Dissidente
“Não queria mais fazer parte de uma organização que não usa com seus semelhantes os princípios que prega” Elza Aparecida de Castro, 58 anos
Madrugada de 10 de outubro de 1992. Elza Aparecida de Castro, hoje com 58 anos, dormia em seu chalé do Clube de Campo Pró-Vida em Araçoiaba da Serra, interior de São Paulo, onde morava desde novembro de 1998. Acordada por volta das 2h30 com vigorosas batidas na porta, levantou-se assustada. Deparou com três membros do Pró-Vida — uma conselheira, uma secretária e um segurança. A comitiva queria argui-la sobre seu contato com uma dissidente do grupo, que montou outra escola em moldes semelhantes. O irmão de Elza, também integrante do Pró-Vida, era o autor da denúncia. Naquela época, Elza já havia descoberto que “o mundo melhor não era ali”.
Desde que se matriculou no Básico, em janeiro de 1982, Elza envolveu-se totalmente com a organização. Afastou-se de amigos que não pertenciam ao Pró-Vida. Depositou mensalmente 10% de tudo que ganhava, como guia de turismo, na conta da Central do Dízimo. Em 1985, adquiriu o título de ‘sócio patrimonial’ do Clube de Campo. Estava realizando o sonho de morar mais perto dos “irmãos” do grupo. O custo final do chalé, concluído em 1987, foi CZ$ 220 mil, “o equivalente a um Monza zero-km”. Ela recebeu as chaves em uma cerimônia na qual outros 53 “quase” proprietários também tomaram posse de seus respectivos chalés. “Quase” porque quando recebiam as chaves assinavam um “documento comum de doação”, com o qual ganhavam apenas o direito de uso. Quem saísse do Pró-Vida deveria devolver o chalé. Em novembro do mesmo ano, Elza foi morar em seu pedacinho de paraíso, já que um filho estava casado e o outro pensava em casar logo.
Naquela madrugada de 1992, quando foi subitamente acordada, seu paraíso ruiu. Elza disse à representante do Pró-Vida que não queria mais fazer parte “de uma organização que não usa com seus semelhantes os princípios que prega”. Ela conta, por exemplo, que precisou descarregar a sua mudança sozinha porque não deixaram o filho entrar no clube. O motivo: ela não podia receber ajuda de quem não fosse sócio. Elza devolveu o crachá, mas recusou-se a assinar um documento de devolução da casa. Procurou um advogado e desde então vem brigando na Justiça para receber, em valores atuais, o correspondente ao chalé e à quantia gasta com a aquisição do título, em torno de US$ 50 mil, segundo o recurso da apelação. Seu advogado alega no processo que o “documento comum de doação” não tem valor legal porque não foi lavrado em cartório. Mesmo de posse de uma medida liminar garantindo o direito de ir e vir a seu chalé. Elza foi impedida de entrar no clube em setembro do ano passado.
Se ganhar na Justiça, Elza estará provando que o clube, criado em 1979 como associação sem fins lucrativos, transformou-se em uma galinha dos ovos de ouro. Com suas atuais 622 unidades, ele funciona como uma fonte de rendimentos em progressão geométrica, conforme as denúncias: a diretoria se dá poderes para realizar expulsões aleatórias e revender os chalés por um preço até três vezes superior.
A repórter telefonou seis vezes para ser atendida por uma secretária do Pró-Vida, que se apresentou como “Bia”. Na última tentativa, a secretária afirmou que o grupo não iria responder às acusações. A reportagem ainda localizou, pela lista, o telefone da casa de um dos diretores da organização, José Antonio Demargos. “Podem publicar o que quiserem, não damos entrevista”, encerrou Demargos.