Um Dragão na Minha Garagem

Carl Sagan

[A] mágica, devemos lembrar, é uma arte que requer colaboração entre o artista e seu público.
E. M. Butler, The myth of the magus (1948)

— Um dragão que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem.

Suponhamos (estou seguindo uma abordagem de terapia de grupo proposta pelo psicólogo Richard Franklin) que eu lhe faça seriamente essa afirmação. Com certeza você iria querer verificá-la, ver por si mesmo. São inumeráveis as histórias de dragões no decorrer dos séculos, mas não há evidências reais. Que oportunidade!

— Mostre-me — você diz. Eu o levo até a minha garagem. Você olha para dentro e vê uma escada de mão, latas de tinta vazias, um velho triciclo, mas nada de dragão.

— Onde está o dragão? – você pergunta.

— Oh, está ali — respondo, acenando vagamente. — Esqueci de lhe dizer que é um dragão invisível.

Você propõe espalhar farinha no chão da garagem para tornar visíveis as pegadas do dragão.

— Boa ideia — digo eu —, mas esse dragão flutua no ar.

Então você quer usar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisível.

— Boa ideia, mas o fogo invisível é também desprovido de calor.

Você quer borrifar o dragão com tinta para tomá-lo visível.

— Boa ideia, só que é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.

E assim por diante. Eu me oponho a todo teste físico que você propõe com uma explicação especial de por que não vai funcionar.

Ora, qual é a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe? A sua incapacidade de invalidar a minha hipótese não é absolutamente a mesma coisa que provar a veracidade dela. Alegações que não podem ser testadas, afirmações imunes a refutações não possuem caráter verídico, seja qual for o valor que possam ter por nos inspirar ou estimular nosso sentimento de admiração. O que estou pedindo a você é tão-somente que, em face da ausência de evidências, acredite na minha palavra.

A única coisa que você realmente descobriu com a minha insistência de que há um dragão na minha garagem é que algo estranho está se passando na minha mente. Você se perguntaria, já que nenhum teste físico se aplica, o que me fez acreditar nisso. A possibilidade de que foi sonho ou alucinação passaria certamente pela sua cabeça. Mas, nesse caso, por que eu levo a história tão a sério? Talvez eu precise de ajuda. Pelo menos, talvez eu tenha subestimado seriamente a falibilidade humana.

Apesar de nenhum dos testes ter funcionado, imagine que você queira ser escrupulosamente liberal. Você não rejeita de imediato a noção de que há um dragão que cospe fogo na minha garagem. Apenas deixa a ideia cozinhando em banho-maria. As evidências presentes são fortemente contrárias a ela, mas, se surgirem novos dados, você está pronto a examiná-los para ver se são convincentes. Decerto não é correto de minha parte ficar ofendido por não acreditarem em mim; ou criticá-lo por ser chato e sem imaginação — só porque você apresentou o veredicto escocês de “não comprovado”.

Imagine que as coisas tivessem acontecido de outra maneira. O dragão é invisível, certo, mas aparecem pegadas na farinha enquanto você observa. O seu detector infravermelho lê dados fora da escala. A tinta borrifada revela um espinhaço denteado oscilando à sua frente. Por mais cético que você pudesse ser a respeito da existência dos dragões — ainda mais dragões invisíveis —, teria de reconhecer que existe alguma coisa no ar, e que de forma preliminar ela é compatível com um dragão invisível que cospe fogo pelas ventas.

Agora outro roteiro: vamos supor que não seja apenas eu. Vamos supor que vários conhecidos seus, inclusive pessoas que você tem certeza de que não se conhecem, lhe dizem que há dragões nas suas garagens — mas, em todos os casos, a evidência é enlouquecedoramente impalpável. Todos nós admitimos nossa perturbação quando ficamos tomados por uma convicção tão estranha e tão mal sustentada pela evidência física. Nenhum de nós é lunático. Especulamos sobre o que isso significaria, caso dragões invisíveis estivessem realmente se escondendo nas garagens em todo o mundo, e nós, humanos, só agora estivéssemos percebendo. Eu gostaria que não fosse verdade, acredite. Mas talvez todos aqueles antigos mitos europeus e chineses sobre dragões não fossem mitos afinal…

Motivo de satisfação, algumas pegadas compatíveis com o tamanho de um dragão são agora noticiadas. Mas elas nunca surgem quando um cético está observando. Outra explicação se apresenta: sob exame cuidadoso, parece claro que podem ter sido simuladas. Outro crente nos dragões aparece com um dedo queimado e atribui a queimadura a uma rara manifestação física do sopro ardente do animal. Porém, mais uma vez, existem outras possibilidades. Sabemos que há várias maneiras de queimar os dedos além do sopro de dragões invisíveis. Essa “evidência” — por mais importante que seja para os defensores da existência do dragão — está longe de ser convincente. De novo, a única abordagem sensata é rejeitar em princípio a hipótese do dragão, manter-se receptivo a futuros dados físicos e perguntar-se qual poderia ser a razão para tantas pessoas aparentemente normais e sensatas partilharem a mesma delusão estranha.

A mágica requer cooperação tácita entre o público e o mágico um abandono do ceticismo, ou o que é às vezes descrito como a suspensão voluntária da descrença. Segue-se imediatamente que, para compreender a mágica, para expor o truque, devemos parar de colaborar.

Como se pode fazer algum progresso nesse assunto aflitivo, controverso e carregado de emoções? Os pacientes poderiam se acautelar contra terapeutas prontos a deduzir ou confirmar raptos por alienígenas. Os que tratam de sequestrados poderiam explicar a seus pacientes que as alucinações são normais, e que o abuso sexual na infância é desconcertantemente comum. Poderiam lembrar que nenhum cliente deixa de ser contaminado pelos alienígenas na cultura popular. Poderiam tomar um cuidado escrupuloso para não influenciar sutilmente a testemunha. Poderiam ensinar ceticismo a seus clientes. Poderiam recarregar os seus próprios estoques escassos dessa mercadoria.

Os supostos raptos por alienígenas perturbam muitas pessoas e em mais de uma forma. O tema é uma janela para a vida interior de nossos companheiros. Se muitos informam falsamente terem sido raptados, isso é causa para preocupação. Mas muito mais preocupante é o fato de que muitos terapeutas aceitam esses relatos ao pé da letra sem dar a devida atenção à sugestionabilidade dos clientes e às deixas inconscientes de seus interlocutores.

Surpreende-me que psiquiatras e outros profissionais que têm pelo menos algum treinamento científico, que conhecem as imperfeições da mente humana, descartem a ideia de que essas histórias poderiam ser uma espécie de alucinação, ou um tipo de memória mascarada. Fico ainda mais surpreso com as afirmações de que a história de rapto por alienígenas representa a verdadeira magia, é um desafio à nossa ligação com a realidade ou constitui o fundamento para uma visão mística do mundo. Ou, como a questão é proposta por John Mack: “Há fenômenos importantes o suficiente para justificar uma pesquisa séria, e a metafísica do paradigma científico dominante no Ocidente talvez seja inadequada para fundamentar plenamente essa pesquisa”. Numa entrevista para a revista Time, ele continua: “Não sei por que há tanto entusiasmo pela procura de uma explicação física convencional. Não sei por que as pessoas têm tanta dificuldade em simplesmente aceitar o fato de que alguma coisa inusitada está se passando […]. Perdemos todos aquela capacidade de conhecer um mundo além do físico *1”.

Mas sabemos que as alucinações nascem da privação sensorial, das drogas, da doença e da febre alta, da falta de sono do tipo REM, de mudanças na química do cérebro, e assim por diante. E, ainda que, junto com Mack, tomemos os casos ao pé da letra, os seus aspectos extraordinários (passar através das paredes e coisas afins) são mais facilmente atribuíveis a algo bem inserido no reino do “físico” tecnologia alienígena avançada — do que à bruxaria.

Um amigo meu afirma que a única pergunta interessante sobre o paradigma do rapto por alienígenas é: “Quem está enganando quem?”. O cliente está enganando o terapeuta, ou vice-versa? Eu não concordo. Primeiro, há muitas outras perguntas interessantes sobre as histórias de rapto por alienígenas. Segundo, essas duas alternativas não são mutuamente exclusivas.

Alguma coisa sobre casos de sequestro por alienígenas instigava a minha memória há anos. Por fim, lembrei. Era um livro de 1954 que eu tinha lido na universidade, Thefifty-minute hour. O autor, um psicanalista chamado Robert Lindner, fora convocado pelo Laboratório Nacional de Los Alamos para tratar um jovem e brilhante físico nuclear, cuja pesquisa secreta para o governo estava começando a sofrer interferências de seu sistema delusório. Como se veio a saber, o físico (a quem foi dado o pseudônimo de Kirk Allen) levava uma outra vida além de construir armas nucleares: segundo suas confidências, no futuro distante ele pilotava (ou ia pilotar — os tempos verbais ficam um pouco confusos) espaçonaves interestelares. Ele gostava de aventuras estimulantes e jactanciosas em planetas de outras estrelas. Era o “senhor” de muitos mundos. Talvez o chamassem de capitão Kirk. Ele não conseguia apenas se “lembrar” dessa outra vida; podia também entrar nela sempre que quisesse. Pela forma correta de pensar, por desejar, ele se transportava pelos anos-luz e pelos séculos.

“De certa maneira, eu não conseguia entender que, simplesmente por desejar que assim fosse, eu tivesse atravessado as imensidões do espaço, vencido as barreiras do tempo e me incorporado — literalmente me transformado — nesse eu distante e futuro… Não me peça explicações. Não sei, embora Deus saiba que tentei”.

Lindner achou-o inteligente, sensível, agradável, cortês e perfeitamente capaz de lidar com os problemas do cotidiano humano. Mas — ao refletir sobre as emoções de sua vida entre as estrelas — Allen começou a se sentir um pouco entediado com a sua existência na Terra, mesmo que ela envolvesse a construção de armas de destruição em massa. Quando admoestado pelos seus supervisores no laboratório por andar distraído e imerso em devaneios, ele pediu desculpas; tentaria, assegurou-lhes, passar mais tempo neste planeta. Foi quando eles entraram em contato com Lindner.

Allen escreveu 12 mil páginas sobre as suas experiências no futuro e dezenas de tratados técnicos sobre a geografia, a política, a arquitetura, a astronomia, a geologia, as formas de vida, a genealogia e a ecologia dos planetas de outras estrelas. Os títulos das seguintes monografias nos dão uma ideia do material: “O original desenvolvimento do cérebro dos crisópodes de Srom Norba X”, “O culto e os sacrifícios ao fogo em Srom Sodrat II”, “A história do Instituto Científico Intergalático” e “A aplicação da teoria do campo unificado e a mecânica do impulso estelar para a viagem espacial”. (Este último é o que eu gostaria de examinar; afinal, Allen gozava da reputação de ter sido um físico de primeira categoria.) Fascinado, Lindner leu os textos com atenção.

Allen não hesitou em apresentar seus textos a Lindner ou em discuti-los de forma detalhada. Imperturbável e intelectualmente formidável, ele parecia não estar aceitando nem um centímetro do auxílio psiquiátrico de Lindner. Quando tudo o mais falhou, o psiquiatra tentou algo diferente:

“Tentei […] evitar que ele tivesse de algum modo a impressão de que eu estava competindo com ele para lhe provar que era psicótico, de que se tratava de uma luta decisiva sobre a questão de sua sanidade mental. Em vez disso, como era óbvio que tanto o seu temperamento como a sua educação eram científicos, decidi tirar partido da única qualidade que ele tinha demonstrado durante toda a sua vida […] a qualidade que o impelia para a carreira científica: a sua curiosidade […]. Isso significava […] que, pelo menos por enquanto, eu ‘aceitava’ a validade de suas experiências […]. Num repentino lampejo de inspiração, ocorreu-me que, para afastar Kirk de sua loucura, era necessário que eu entrasse na sua fantasia a fim de poder, nessa posição, liberá-lo da psicose”.

Lindner apontava certas contradições aparentes nos documentos e pedia que Allen as resolvesse. Isso exigia que o físico voltasse a entrar no futuro para encontrar as respostas. Obedientemente, Allen aparecia na sessão seguinte com um documento esclarecedor, escrito com a sua letra clara. Lindner se viu esperando ansiosamente por cada entrevista, para ser mais uma vez seduzido pela visão de abundância de vida e inteligência na galáxia. Entre si, os dois foram capazes de resolver muitos problemas de incoerência.

Foi então que aconteceu uma coisa estranha: “Os materiais da psicose de Kirk e o calcanhar-de-aquiles da minha personalidade se encontraram e se engrenaram como o mecanismo de um relógio”. O psicanalista tomou-se um conspirador a favor da delusão de seu paciente. Começou a rejeitar as explicações psicológicas da história de Allen. Até que ponto temos certeza de que não podia ser verdade? Ele se viu defendendo a noção de que era possível entrar em outra vida, a de um viajante espacial no futuro distante, por um simples esforço de vontade.

“Num ritmo surpreendentemente rápido […] áreas cada vez maiores da minha mente foram invadidas pela fantasia […]. Com o auxílio intrigado de Kirk, eu estava participando de aventuras cósmicas, partilhando a alegria da arrebatadora história fantástica que ele tinha tramado”.

Mas, finalmente, aconteceu algo ainda mais estranho: preocupado com o bem-estar de seu terapeuta, e reunindo admiráveis reservas de integridade e coragem, Kirk Allen confessou: ele inventara toda a história. O problema tinha raízes na sua infância solitária e em suas relações fracassadas com as mulheres. Ele apagara parcialmente e depois esquecera a fronteira entre a realidade e a imaginação. Inserir os detalhes plausíveis e tecer uma rica tapeçaria sobre outros mundos era desafiador e inebriante. Mas ele lamentava ter induzido Lindner a trilhar esse caminho de prazeres.

— Por quê — perguntou o psiquiatra —, por que você fingiu? Por que continuou a me dizer…?

— Porque sentia que tinha de agir assim — replicou o físico. — Porque sentia que era isso o que você queria que eu fizesse.

Lindner explicou que ele e Kirk haviam trocado de papéis

e, num desses desenlaces surpreendentes que transformam o meu trabalho na atividade imprevisível, maravilhosa e compensadora que é, a loucura que partilhamos entrou em colapso […]. Empreguei a racionalização do altruísmo clínico para fins pessoais, e assim caí na armadilha que aguarda todos os psicoterapeutas incautos […]. Até Kirk Allen entrar na minha vida, nunca duvidara de minha própria estabilidade. Sempre pensara que as aberrações mentais eram para os outros […]. Essa presunção me cobre de vergonha. Mas agora, quando escuto o paciente na minha cadeira atrás do divã, sou mais sábio. Sei que minha cadeira e o divã são separados apenas por uma linha tênue. Sei que não passa afinal de uma combinação mais feliz de acasos o que determina, em última análise, quem deve deitar no divã e quem deve sentar atrás dele.

Por esse relato, não sei ao certo se Kirk Allen verdadeiramente enganava as pessoas. Talvez apenas sofresse de alguma desordem de caráter que o fazia sentir prazer em inventar charadas à custa dos outros. Não sei até que ponto Lindner pode ter embelezado ou inventado parte da história. Embora ele tenha escrito sobre “participar” e “entrar” na fantasia de Allen, não há nenhuma sugestão de que imaginava ter viajado para o futuro distante e tomado parte em grandes aventuras interestelares. Da mesma forma, John Mack e os outros terapeutas de raptos por alienígenas não sugerem ter sido sequestrados; apenas seus pacientes o foram.

E se o físico não tivesse confessado? Lindner teria se convencido, sem nenhuma dúvida, de que era realmente possível passar para uma era mais romântica? Teria declarado que começou o trabalho como cético, mas acabou sendo convencido pelo mero peso das evidências? Teria feito propaganda de si mesmo como um especialista em ajudar viajantes espaciais do futuro que ficam encalhados no século XX? A existência dessa especialidade psiquiátrica encorajaria os outros a levar a sério fantasias ou delusões dessa espécie? Depois de alguns casos semelhantes, Lindner teria resistido impacientemente a todos os argumentos do tipo “Seja razoável, Bob” e deduzido que estava penetrando num novo nível de realidade?

Seu treinamento científico ajudou a salvar Kirk Allen da loucura. Houve um momento em que terapeuta e paciente trocaram de papéis. Gosto de pensar que, nesse caso, o paciente salvou o terapeuta. Talvez John Mack não tenha sido tão felizardo.

Consideremos um meio bem diferente de encontrar alienígenas — a busca de inteligência extraterrestre por meio do rádio. Em que isso difere da fantasia e da pseudociência? Em Moscou, no início dos anos 60, alguns astrônomos soviéticos deram uma entrevista coletiva à imprensa para anunciar que a intensa emissão de rádio de um misterioso objeto distante chamado CTA-102 estava variando regularmente, como uma onda sinusoidal, com um período de mais ou menos cem dias. Nenhuma fonte periódica distante fora encontrada até então. Por que eles convocaram uma entrevista coletiva à imprensa para anunciar uma descoberta tão misteriosa? Porque achavam que tinham detectado uma civilização extraterrestre de imensos poderes. Sem dúvida, por uma razão dessas vale a pena convocar uma coletiva. A notícia tornou-se logo uma sensação nos meios de comunicação, e o grupo de rock The Byrds chegou até a compor e gravar uma canção a respeito. [“CTA-102, estamos aqui captando você./ Os sinais nos dizem que você está aí./ Podemos ouvi-los em alto e bom som…”.]

Emissão de rádio proveniente de CTA-102? Certamente. Mas o que é CTA-102? Hoje sabemos que é um quasar distante. Na época, a palavra “quasar” nem sequer fora cunhada. Ainda não sabíamos muito bem o que eram quasares; e há mais de uma explicação mutuamente exclusiva para eles na literatura científica. Ainda assim, nenhum astrônomo hoje em dia — inclusive os envolvidos naquela entrevista coletiva à imprensa de Moscou — afirma seriamente que um quasar como o CTA-102 seja uma civilização extraterrestre a bilhões de anos luz com acesso a níveis imensos de poder. Por que não? Porque temos explicações alternativas das propriedades dos quasares que são coerentes com as leis físicas conhecidas e que não invocam a vida alienígena. Os extraterrestres representam uma hipótese de última instância. Só a empregamos quando tudo o mais falha.

Em 1967, cientistas britânicos encontraram uma fonte intensa de rádio muito mais próxima, acendendo e apagando-se com precisão espantosa, com um período constante de dez ou mais números significativos. O que era isso? O primeiro pensamento foi que se tratava de uma mensagem endereçada a nós, ou talvez algum sinal de regulagem e navegação para as naves espaciais que atravessam o espaço entre as estrelas. Os cientistas até lhe deram, entre si, na Universidade de Cambridge, a designação desvirtuada de LGM-1 — sendo LGM a sigla inglesa para homenzinhos verdes.

Entretanto, foram mais sábios que seus colegas soviéticos. Não deram uma entrevista coletiva. Logo ficou claro que aquilo que estavam observando era o que agora se chama pulsar, o primeiro pulsar, o pulsar da nebulosa do Caranguejo. E o que é um pulsar? Um pulsar é o estado final de uma estrela maciça, um sol encolhido até o tamanho de uma cidade, que não é mantido, como as outras estrelas, pela pressão de gás, nem pela degeneração dos elétrons, mas por forças nucleares. É, em certo sentido, um núcleo atômico de mais ou menos dezesseis quilômetros de extensão. Ora, eu sustento que essa noção é pelo menos tão bizarra quanto a de um sinal de navegação interestelar. A resposta para o que é um pulsar tem de ser algo muitíssimo estranho. Não é uma civilização extraterrestre. É outra coisa: mas algo que nos abre os olhos e as mentes e indica possibilidades não imaginadas na natureza. Anthony Hewish ganhou o prêmio Nobel de física pela descoberta dos pulsares.

O experimento original Ozma (a primeira busca deliberada de inteligência extraterrestre por sinais de rádio), o Programa Meta (Pesquisa de Sinais Extraterrestres em Megacanal) da Universidade de Harvard/Sociedade Planetária, a investigação da Universidade Estadual de Ohio, o Projeto Serendip da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e muitos outros grupos têm detectado sinais anômalos no espaço que fazem o coração do observador palpitar um pouco. Pensamos por um momento que captamos um sinal genuíno de origem inteligente, vindo de muito além de nosso sistema solar. Na realidade, não temos a mais pálida ideia do que se trata, porque o sinal não se repete. Alguns minutos mais tarde, ou no dia seguinte, ou anos depois, vira-se o mesmo telescópio para o mesmo lugar no céu, com a mesma frequência, banda, polarização e tudo o mais, e não se ouve nada. Não se deduz, nem muito menos se anuncia, a existência de alienígenas. Pode ter sido uma onda eletrônica repentina estatisticamente inevitável, uma anomalia no sistema de detecção, uma espaçonave (da Terra), ou uma aeronave militar passando por aquele espaço e transmitindo em canais supostamente reservados para a radioastronomia. Talvez tenha sido até o mecanismo que abre a porta da garagem no final da rua, ou uma estação de rádio a cem quilômetros de distância. Há muitas possibilidades. Devem-se checar sistematicamente todas as alternativas, verificar quais as que podem ser eliminadas. Não se deve declarar que foram encontrados alienígenas, quando a única evidência é um sinal enigmático que não se repete.

E, se o sinal se repetisse, divulgaríamos a notícia para a imprensa e o público? Não faríamos tal coisa. Talvez seja uma brincadeira de alguém. Talvez seja algo em nosso sistema de detecção que não conseguimos compreender. Talvez seja alguma fonte astrofísica até então desconhecida. Em vez disso, chamaríamos os cientistas de outros radiobservatórios e os informaríamos de que nesse lugar específico do céu, com essa frequência, banda e tudo o mais, estamos captando algo estranho. Eles fariam o favor de verificar se podem confirmar os dados? Somente quando vários observadores independentes — todos plenamente cientes da complexidade da Natureza e da falibilidade de si mesmos — captam o mesmo tipo de informação, no mesmo lugar do céu, é que consideramos seriamente ter detectado um sinal genuíno de seres alienígenas.

Deve haver certa disciplina. Não podemos simplesmente sair gritando “homenzinhos verdes” toda vez que detectamos algo que a princípio não compreendemos, porque ficaríamos com cara de tolos como aconteceu com os radioastrônomos soviéticos no caso do CTA-102 — quando se revelasse que o sinal era algo diferente. São necessárias cautelas especiais quando há grandes interesses em jogo. Não somos obrigados a decidir coisa alguma antes de ter as evidências. É permitido não ter certeza.

Frequentemente me perguntam: “Você acredita que existe inteligência extraterrestre?”. Respondo com os argumentos padrões — há muitos lugares no espaço, as moléculas da vida estão por toda parte, emprego a palavra bilhões, e assim por diante. Depois digo que ficaria espantado se não houvesse inteligência extraterrestre, mas que ainda não há absolutamente nenhuma evidência convincente de que ela existe.

Muitas vezes me perguntam a seguir:

— O que você realmente acha?

Respondo:

— Acabei de lhe dizer o que realmente acho.

— Sim, mas qual é a sua opinião visceral?

Mas eu tento não pensar com as minhas vísceras. Se levo a sério minha tentativa de compreender o mundo, pensar com algum órgão que não seja o meu cérebro, por mais tentador que possa ser, provavelmente complicará a minha vida. Na verdade, é correto guardar a opinião para quando houver evidências.

Eu ficaria muito feliz se os advogados dos discos voadores e os defensores dos raptos por alienígenas tivessem razão e houvesse evidências reais de vida extraterrestre para examinarmos. No entanto, eles não nos pedem que acreditemos na fé, mas na força de suas evidências. Sem dúvida, é nosso dever examinar as supostas evidências pelo menos tão cuidadosa e ceticamente quanto os radioastrônomos que estão procurando sinais de rádio alienígenas.

Nenhuma afirmação assombrosa — por mais sincera, por mais sensível, por mais exemplar que seja a vida das testemunhas — tem grande relevância para uma questão de tamanha importância. Como nos antigos casos de UFO, os relatos fantásticos estão sujeitos a erros irremediáveis. Essa não é uma crítica pessoal àqueles que dizem ter sido sequestrados, nem aos que os interrogam. Não equivale a desrespeitar supostas testemunhas *2. Não é — ou não deveria ser — uma rejeição arrogante de testemunhos sinceros e comoventes. É simplesmente uma reação relutante à falibilidade humana.

Se é possível atribuir todo e qualquer poder aos alienígenas pelo fato de sua tecnologia ser tão avançada —, podemos explicar qualquer discrepância, incoerência ou implausibilidade. Por exemplo, um ufologista acadêmico sugere que tanto os alienígenas como os sequestrados se tornam invisíveis durante o rapto (embora não fiquem invisíveis uns para os outros); é por isso que tantos vizinhos nada perceberam. Essas “explicações” podem explicar qualquer coisa e, por isso, não explicam realmente nada.

O procedimento da polícia norte-americana não se baseia em assombros, mas em evidências. Como nos lembram os julgamentos das bruxas na Europa, os suspeitos podem ser intimidados durante o interrogatório; as pessoas confessam crimes que nunca cometeram; testemunhas oculares podem estar enganadas. Esse é também o elemento que estrutura muitos romances policiais. Mas provas reais e autênticas — marcas de pólvora, impressões digitais, testes de DNA, pegadas, cabelos sob as unhas da vítima que se debate — têm muita importância. Os criminalistas empregam algo bastante parecido com o método científico, e pelas mesmas razões. Assim, no mundo dos UFOs e dos raptos por alienígenas, é lícito perguntar: onde está a evidência — a prova concreta real e inequívoca, os dados que convenceriam um júri que ainda não decidiu o seu veredicto?

Alguns entusiastas afirmam que há “milhares” de casos de solo “alterado” onde os UFOs supostamente pousaram, e por que essa evidência não é suficiente? Não é suficiente porque há outras maneiras de alterar o solo além de alienígenas em UFOs — seres humanos empregando pás é uma possibilidade que logo vem à mente. Um ufologista me repreende por ignorar “4400 casos de vestígios concretos em 65 países”. Mas, que eu saiba, nenhum desses casos foi analisado, nem revistas de física ou química, metalurgia ou geologia, cujos artigos passam pelo crivo de colegas cientistas, publicaram resultados indicando que os “vestígios” não poderiam ter sido gerados por seres humanos. É uma fraude bastante modesta — comparada, por exemplo, aos círculos das plantações de Wiltshire.

Da mesma forma, as fotografias não só podem ser facilmente falsificadas, como um enorme número de supostas fotografias de UFOs sem dúvida o foram. Alguns entusiastas saem para o descampado noite após noite, procurando luzes no céu. Quando veem uma luz, acionam seus flashes. Às vezes, dizem, aparece um lampejo no céu em resposta. Bem, pode ser. Mas aeronaves de baixa altitude produzem luzes no céu, e os pilotos são capazes de fazê-las piscar em resposta, se assim o desejarem. Nada disso constitui algo que chegue perto de uma evidência séria.

Onde está a evidência física? Como nas denúncias de abuso em rituais satânicos (e lembrando as “marcas do diabo” nos julgamentos das bruxas), a mais comum das evidências físicas apontadas são as cicatrizes e as “marcas fundas” nos corpos dos sequestrados — que dizem não saber de onde elas vêm. Mas esse ponto é crucial: se os seres humanos têm a capacidade de produzir cicatrizes, elas não podem ser evidência física convincente de abusos cometidos por alienígenas. Na verdade, há desordens psiquiátricas bem conhecidas em que as pessoas se raspam, se marcam, se rasgam, se cortam e se mutilam (ou aos outros). E alguns de nós, com grande resistência à dor e memória fraca, podemos nos machucar acidentalmente sem nos lembrar do que aconteceu.

Uma das pacientes de John Mack afirma ter, por todo o corpo, cicatrizes que são totalmente desconcertantes para seus médicos. Como é que elas são? Oh, não podem ser mostradas; como na caça às bruxas, estão em partes íntimas. Mack considera essa afirmação uma evidência convincente. Ele viu as cicatrizes? Podemos ver fotografias delas tiradas por um médico cético? Mack diz conhecer um quadriplégico com marcas fundas, e considera esse fato uma reductio ad absurdum da posição cética; como ele pode produzir cicatrizes em si mesmo? O argumento só tem valor se o quadriplégico estiver hermeticamente trancado num quarto em que nenhum outro ser humano pode entrar. Podemos ver as suas cicatrizes? Um médico independente pode examiná-lo? Outra paciente de Mack diz que os alienígenas têm extraído óvulos seus desde que ela amadureceu sexualmente, e que seu sistema reprodutivo desconcerta o ginecologista. Será suficientemente desconcertante para se escrever sobre o caso e submeter o artigo de pesquisa ao The New England Journal of Medicine? Aparentemente não é tão desconcertante assim.

E ainda temos o fato de que um de seus pacientes inventou toda a história, sem que Mack desconfiasse, como foi noticiado pela revista Time. Ele caiu como um patinho. Quais são os seus padrões de escrutínio crítico? Se ele se deixou enganar por um paciente, como podemos saber se isso não acontece com todos?

Mack fala sobre esses casos, os “fenômenos”, como se fizesse um desafio fundamental ao pensamento ocidental, à ciência, à própria lógica. Provavelmente, diz ele, as entidades que raptam não são seres alienígenas de nosso próprio Universo, mas visitantes de “outra dimensão”. Eis uma passagem típica e reveladora de seu livro:

“Quando os sequestrados chamam a sua experiência de “sonhos”, o que acontece com frequência, um interrogatório minucioso pode revelar que isso talvez seja um eufemismo para encobrir o que eles têm certeza de que não pode ser sonho, isto é, um acontecimento em outra dimensão do qual não há como despertar”.

Ora, a ideia de outras dimensões não surgiu do intelecto da ufologia, nem da Nova Era. Ao contrário, é parte integrante da física do século xx. Desde a relatividade geral de Einstein, um truísmo da cosmologia é que o espaço-tempo se dobra ou curva através de outra dimensão física. A teoria de Kaluza-Klein postula um universo de onze dimensões. Mack apresenta uma ideia inteiramente científica como a chave para “fenômenos” que estão fora do alcance da ciência.

Temos uma noção do que aconteceria a um objeto de outra dimensão que encontrasse o nosso universo tridimensional. Por motivos de clareza, vamos diminuir uma dimensão: ao passar por um plano, uma maçã deve mudar a forma como será percebida pelos seres bidimensionais confinados no plano. Primeiro, parece ser um ponto, depois aparecem cortes transversais maiores da maçã, em seguida cortes transversais menores, um ponto mais uma vez — e finalmente, puf!, desaparece. De modo análogo, um objeto de quarta dimensão ou de uma dimensão ainda superior — desde que não seja uma figura muito simples, como um hipercilindro passando pelas três dimensões ao longo de seu eixo — terá sua geometria tremendamente alterada, à medida que o virmos passar pelo nosso universo. Se fosse sistematicamente relatado que os alienígenas mudam de forma, eu poderia pelo menos entender por que Mack persegue a noção da origem em outras dimensões. (Outro problema é tentar compreender o que significa o cruzamento genético entre um ser tridimensional e um quadridimensional. Os filhos pertencerão à 3, 5ª dimensão?)

Quando fala sobre seres de outras dimensões, o que Mack realmente quer dizer é que — apesar de seus pacientes às vezes descreverem as suas experiências como sonhos e alucinações — não tem a menor ideia do que eles sejam. Mas, reveladoramente, quando tenta descrevê-los, ele procura a física e a matemática. Ele quer as duas coisas — a linguagem e a credibilidade da ciência, mas sem ficar limitado pelo seu método e suas regras. Parece não compreender que a credibilidade é consequência do método.

O principal desafio proposto pelos casos de Mack é a velha questão acerca de como ensinar o pensamento crítico de forma mais difundida e mais profunda numa sociedade — que inclui até, concebivelmente, professores de psiquiatria de Harvard — inundada de credulidade. A ideia de que o pensamento crítico é a última moda no Ocidente é tola. Se compramos um carro usado em Cingapura ou Bangcoc — ou uma quadriga na antiga Susa ou Roma —, temos que tomar as mesmas precauções que tomaríamos em Cambridge, Massachusetts.

Quando compramos um carro usado, pode ser muito grande a nossa vontade de acreditar no que o vendedor está dizendo: “Um veículo tão maravilhoso por tão pouco dinheiro!”. E, de qualquer maneira, dá bastante trabalho ser cético; temos de saber alguma coisa sobre carros, e é desagradável fazer com que o vendedor se zangue conosco. Apesar de tudo isso, entretanto, reconhecemos que o vendedor poderia ter motivos para ocultar a verdade, e sabemos de histórias de outras pessoas que, em situações semelhantes, foram enganadas. Por isso, damos chutes nos pneus, olhamos embaixo do capô, damos uma volta de teste, fazemos perguntas minuciosas. Podemos até levar junto conosco um amigo com talento para mecânica. Sabemos que é necessário algum ceticismo, e compreendemos a razão. Em geral, há pelo menos um pequeno grau de confronto hostil em toda compra de carro usado, e ninguém afirma que é uma experiência especialmente animadora. Mas se não exercemos uma dose mínima de ceticismo, se temos uma credulidade sem limites, teremos de pagar por isso mais tarde. Então nos arrependeremos de não nos termos investido desde o início de um pouco de ceticismo.

Muitas casas na América do Norte têm hoje em dia sistemas modernamente sofisticados de alarme contra ladrões, inclusive sensores infravermelhos e câmaras acionadas por movimento. Um autêntico videoteipe, com indicação de hora e data, que mostrasse uma incursão alienígena — especialmente quando eles se introduzem através das paredes — seria uma evidência muito boa. Se milhões de norte-americanos foram sequestrados, não é estranho que nenhum morasse numa casa dessas?

Algumas mulheres, segundo se diz, são engravidadas por ETs ou por esperma deles; os fetos são então removidos pelos alienígenas. Inúmeros casos desse tipo são citados. Não é estranho que nada anômalo tenha sido percebido nas ultra-sonografias rotineiras desses fetos, ou na amniocentese, nem que nunca tenha ocorrido um aborto natural revelando um ser alienígena híbrido? Ou os médicos são tão estúpidos que olham negligentemente para o feto meio humano, meio alienígena e vão atender a próxima paciente? Uma epidemia de fetos desaparecidos é algo que certamente causaria sensação entre os ginecologistas, as parteiras, as enfermeiras obstétricas — sobretudo numa era de intensa consciência feminista. Mas não temos nem um único registro médico que comprove essas afirmações.

Alguns ufologistas consideram revelador o fato de algumas mulheres que afirmam não ter vida sexual ativa engravidarem, e atribuem seu estado à fecundação alienígena. Um bom número dessas pessoas parece ser de adolescentes. Tomar as suas histórias ao pé da letra não é a única opção possível para o investigador sério. Compreendemos, certamente, que, na angústia de uma gravidez indesejada, uma adolescente que vive numa sociedade inundada por relatos de visitas de alienígenas poderia inventar essa história. Nesse caso, há também possíveis antecedentes religiosos.

Alguns sequestrados dizem que implantes minúsculos, talvez metálicos, foram inseridos em seus corpos — bem no fundo de suas narinas, por exemplo. Esses implantes, é o que nos informam os terapeutas que tratam de rapto por alienígenas, às vezes caem acidentalmente, mas, “exceto em alguns poucos casos, o artefato se perdeu ou foi jogado fora”. Esses sequestrados parecem espantosamente desprovidos de curiosidade. Um objeto estranho — possivelmente um transmissor que envia dados obtidos por telemetria sobre o estado do corpo da vítima a uma espaçonave alienígena em algum lugar acima da Terra — cai do nariz; ele o examina negligentemente e depois o joga no lixo. Somos informados de que histórias como essa acontecem na maioria dos casos de rapto.

Alguns desses “implantes” foram apresentados ao público e examinados por especialistas. Nenhum foi confirmado como artefato de fabricação extraterrestre. Nenhum dos componentes é feito de isótopos inusitados, apesar do fato conhecido de que as outras estrelas e os outros mundos são constituídos de proporções isotópicas diferentes das existentes na Terra. Não há metais da “ilha de estabilidade” transuraniana, onde os físicos acham que deve existir uma nova família de elementos químicos não radioativos desconhecidos na Terra.

O melhor caso para os entusiastas do rapto foi o de Richard Price, que afirma ter sido sequestrado aos oito anos por alienígenas que implantaram um pequeno artefato em seu pênis. Um quarto de século mais tarde, um médico confirmou a presença de um “corpo estranho” ali encravado. Depois de mais oito anos, o artefato caiu. Tendo aproximadamente um milímetro de diâmetro e quatro de comprimento, foi cuidadosamente examinado por cientistas do MIT e do Hospital Geral de Massachusetts. A sua conclusão? Colágeno formado pelo corpo em locais de inflamação e fibras de algodão das cuecas de Price.

Em 28 de agosto de 1995, as estações de televisão de Rupert Murdoch apresentaram o que pretendia ser a autópsia de um alienígena morto, filmada em dezesseis milímetros. Alguns patologistas com máscaras e trajes clássicos de proteção contra a radiação (com aberturas de vidro retangulares para os olhos) cortavam uma figura de olhos grandes e doze dedos, e examinavam os órgãos internos. Embora o filme ficasse às vezes fora de foco, e a visão do cadáver fosse frequentemente bloqueada pelos seres humanos que se apinhavam ao seu redor, alguns espectadores acharam o efeito deprimente. O Times de Londres, também de Murdoch, não soube o que dizer do filme, embora citasse a opinião de um patologista de que a autópsia fora executada com uma pressa imprópria e irrealista (ideal, entretanto, para a televisão). Dizia-se que a autópsia fora filmada no Novo México, em 1947, por um participante, agora na faixa dos oitenta, que desejava manter-se anônimo. O ponto decisivo parecia ser a notícia de que a guia do filme (seus primeiros centímetros) continha informações codificadas que a Kodak, fabricante da película, dizia ser de 1947. No entanto, veio a se saber que não se apresentou à Kodak todo o filme, apenas a guia cortada. Pelo que sabemos, esta podia ter sido tirada de um cine-jornal de 1947, tirado dos arquivos abundantes na América do Norte, e a “autópsia” encenada e filmada em separado e em época mais recente. Há certamente uma pegada de dragão — mas é falsificável. Se for um embuste, como acho bem provável, não requer muito mais inteligência do que os círculos nas plantações e o documento MJ-12.

Em nenhuma dessas histórias, não existe nada que indique com bastante força a origem extraterrestre. Não há certamente a descoberta de máquinas engenhosas que estejam muito além da tecnologia atual. Nenhum sequestrado surrupiou uma página do diário de bordo do capitão, um instrumento de exame, nem tirou uma fotografia autêntica do interior da nave, nem retomou com informações detalhadas e verificáveis até então inexistentes na Terra. Por que não? Essas falhas devem ter um significado.

Desde a metade do século XX, os partidários da hipótese extraterrestre nos asseguram que a evidência física — e não se trata de mapas de estrelas de anos atrás, nem de cicatrizes, nem de solo alterado, mas de tecnologia alienígena real — estava à mão. A análise seria liberada a qualquer momento. Essas afirmações remontam à primeira fraude dos discos acidentados de Newton e GeBauer. Já se passaram décadas, e ainda estamos esperando. Onde estão os artigos publicados na literatura científica autorizada, nos periódicos de metalurgia e cerâmica, nas publicações do Instituto dos Engenheiros Elétricos e Eletrônicos, em Science ou Nature?

Essa descoberta seria de grande importância. Se houvesse artefatos reais, os físicos e os químicos estariam lutando pelo privilégio de descobrir que há alienígenas entre nós — que usam, por exemplo, ligas desconhecidas ou materiais de resistência à ruptura, de ductilidade ou condutividade extraordinárias. As implicações práticas de uma descoberta dessas — independentemente da confirmação de uma invasão alienígena — seriam imensas. É por descobertas desse tipo que os cientistas procuram. A ausência delas deve nos dar uma dica.

Manter a mente aberta é uma virtude — mas, como o engenheiro espacial James Oberg disse certa vez, ela não pode ficar tão aberta a ponto de o cérebro cair para fora. Sem dúvida, devemos estar dispostos a mudar de opinião, quando autorizados por novas evidências. Mas estas devem ser fortes. Nem todas as afirmações têm igual mérito. Na maioria dos casos de raptos por alienígenas, o padrão de evidência é aproximadamente o mesmo dos casos da aparição da Virgem Maria na Espanha medieval.

O psicanalista pioneiro Carl Gustav Jung tinha muita coisa sensata a dizer sobre questões desse tipo. Ele afirmava explicitamente que os UFOs eram uma espécie de projeção do inconsciente. Numa discussão correlata sobre regressão e o que hoje em dia se chama “canalização”, ele escreveu:

“Pode-se muito bem […] tomar esses fenômenos simplesmente como um registro de fatos psicológicos ou como uma série contínua de comunicações do inconsciente […]. Eles têm essa característica em comum com os sonhos; pois os sonhos também são declarações sobre o inconsciente […]. A presente situação contém motivos suficientes para esperarmos calados até que apareçam fenômenos físicos mais impressionantes. Se, depois de descontarmos a falsificação consciente e inconsciente, o auto-engano, o preconceito etc., ainda acharmos algo positivo por trás de tudo isso, então as ciências exatas vão certamente conquistar esse campo pelo experimento e pela verificação, como aconteceu em toda outra área da experiência humana”.

Sobre aqueles que aceitam esses testemunhos ao pé da letra, ele observou:

“Essas pessoas não só têm insuficiência de pensamento crítico, mas também desconhecem as noções mais elementares de psicologia. No fundo, não querem aprender nada, mas simplesmente continuar a acreditar sem dúvida a mais ingênua das presunções, em vista de nossas falhas humanas”.

Talvez algum dia um caso de UFO ou de rapto por alienígenas seja bem testemunhado, acompanhado por evidências concretas convincentes, e somente explicável em termos de visitas extraterrestres. É difícil pensar numa descoberta mais importante. Até agora, entretanto, não houve casos assim, nada que chegasse perto disso. Até agora, o dragão invisível não deixou nenhuma pegada impossível de ser falsificada.

O que é, portanto, mais provável: que estamos sofrendo uma invasão maciça, mas em geral imperceptível, de alienígenas que cometem abusos sexuais, ou que as pessoas estão experimentando um estado mental que desconhecem e não compreendem? Reconhecidamente, somos muito ignorantes tanto em seres extraterrestres, se é que existem, como em psicologia humana. Mas, se essas são de fato as duas únicas alternativas, qual você escolheria?

E, se os relatos de raptos por alienígenas versam principalmente sobre a fisiologia do cérebro, alucinações, lembranças distorcidas da infância e embustes, não temos diante de nós uma questão de suprema importância — que diz respeito às nossas limitações, à facilidade com que podemos ser enganados e manipulados, à formação de nossas crenças, e talvez até às origens de nossas religiões? Há um tesouro científico genuíno nos UFOS e nos raptos por alienígenas — mas tem, a meu ver, um caráter nitidamente nativo e terrestre.

Notas:

  1. Então, numa frase que nos lembra o quanto o paradigma dos raptos por alienígenas está ligado à religião messiânica e milenarista, Mack conclui: “Sou uma ponte entre esses dois mundos”.
  2. Não podem ser chamados simplesmente de testemunhas — porque muitas vezes o ponto em discussão é exatamente se testemunharam alguma coisa (ou, pelo menos, alguma coisa no mundo exterior).
  • fonte: O Mundo Assombrado pelos Demônios