O número de suicídios está aumentando, disse-me outro dia um inteligente papa-defuntos. Sem dúvida, uma boa notícia para a sua profissão, combalida ultimamente pelos progressos da medicina e quase tanto pela feroz competição em suas próprias fileiras. É também uma boa notícia para aqueles românticos otimistas que gostam de acreditar que a espécie humana é capaz de atos racionais. O que poderia ser mais lógico do que o suicídio? O que poderia ser mais despropositado do que continuar vivo? No entanto, todos nos agarramos à vida com desesperada devoção, mesmo quando o que resta dela é palpavelmente frágil e cheio de agonia. Metade do tempo dos médicos é desperdiçado bombeando vida em cacos humanos, que não têm nenhuma razão inteligível para continuar vivendo, assim como uma vaca tem para continuar dando leite.
Em parte, este frenesi absurdo tem suas origens na imaginação humana ou, como poderia ser chamada mais poeticamente, na razão humana. O homem, tendo adquirido a alta capacidade de visualizar a morte, visualiza-a como algo doloroso e horrível. Claro que ela é raramente assim. Os estágios anteriores a ela podem até ser dolorosos (embora nem sempre), mas a morte em si parece desprovida de sensação, seja física ou psíquica. O candidato, finalmente defrontando-a, simplesmente perde suas faculdades. Não lhe dói mais do que doeria num micróbio. O horrível, assim como o doloroso, não fazem parte dela. É até mais provável que ela revele elementos do grotesco. Falo, é claro, da morte natural. Já o suicídio é nitidamente mais desagradável, até porque há alguma incerteza a seu respeito. O candidato hesita em se matar com um tiro porque teme, com alguma razão, errar o tiro e apenas se ferir. O tiro, além disso, juntamente com outras formas de produzir o êxodo artificial, envolve uma espécie de afronta à sua dignidade: certamente vai provocar uma lambança. Mas parece-me que aquela objeção tende a desaparecer com o progresso da ciência. Métodos mais fáceis, seguros e higiênicos para se partir desta vida serão inventados. Alguns, na verdade, já são conhecidos e isto talvez explique o aumento no número de suicídios, tão satisfatórios para meu amigo papa-defuntos.
Passo por cima das objeções teológicas à autodestruição por serem muito sofísticas para merecerem resposta séria. Desde o começo, o cristianismo pintou a vida na terra como algo tão triste e vazio que seu valor tornou-se indistinguível do de uma merdinha. Então, para que aferrar-se a ela? Simplesmente porque sua inutilidade e dissabores são partes da vontade do Criador, cujo amor por Suas criaturas consiste curiosamente em torturá-las. Se elas se revoltam neste mundo, serão torturadas um milhão de vezes mais no próximo. Apresento este argumento como um típico espécime de raciocínio teológico e passo a outros temas mais importantes. Especificamente, à minha tese original: a de que é difícil, senão impossível, descobrir qualquer razão lógica ou probatória, que não se desmascare instantaneamente como cheia de falácias, para se continuar vivo. A sabedoria universal do mundo já concluiu há muito tempo que a vida é uma maldição. Consulte um filósofo proverbial de qualquer raça e você o verá falando da futilidade da batalha mundana. A antecipação é melhor do que a realização. O desapontamento é o quinhão da humanidade. Nascemos na dor e morremos no sofrimento. O homem feliz morreu quarta-feira. Fulano finalmente descansou. Etc., etc. Eu poderia estender esta lista por páginas e páginas. Se você despreza a sabedoria popular, dê uma espiada no seu Shakespeare: suas peças escorrem um pessimismo de ponta a ponta. Se há uma ideia geral nelas, é a de que a existência humana é uma penosa futilidade, apagável como uma vela.
No entanto, nos atrelamos a ela de uma maneira atabalhoadamente fisiológica — ou, para ser mais preciso, patológica — e até tentamos recheá-la com pomposas cantilenas. Todos os homens verdadeiramente sensíveis lutam poderosamente pela distinção e pelo poder, i.e., pelo respeito e inveja de seus semelhantes, i.e., pela admiração de uma interminável série de carcaças portando aminoácidos em rápida desintegração. E para quê? Se eu soubesse, certamente não estaria escrevendo livros neste infernal verão americano; estaria exposto numa sala de cristal e ouro, e as pessoas pagariam 10 dólares para me contemplar através de buraquinhos. Mas, embora o mistério central permaneça, talvez seja possível investigar os sintomas mais superficiais de algum lucro. Ofereço-me, por exemplo, como um animal de laboratório. Para que trabalhei tanto, durante anos e anos, buscando desesperadamente chegar a alguma coisa que continua impenetrável para mim até hoje? Será por que desejo dinheiro? Asneira! Não me lembro de tê-lo desejado por um único instante: sempre achei fácil ganhar o quanto quisesse. Será então porque estou à cata de notoriedade? Mais uma vez, a resposta é não. Não gosto que estranhos me deem atenção e evito-os o mais que posso. Então, será uma vontade irresistível de fazer o bem? Ah, ah! Se estou convencido de alguma coisa é a de que fazer o bem é de mau gosto.
Houve tempo em que imaginei que os homens trabalhavam em resposta a uma vaga necessidade interior de se exprimir. Mas aquela era provavelmente uma teoria capenga, porque muitos dos homens que mais trabalhavam não têm nada a dizer. Uma hipótese mais plausível começa a brotar agora: os homens trabalham apenas para escapar à deprimente agonia de contemplar a vida — e seu trabalho, assim como o seu ócio, é uma comédia-pastelão, que só lhes serve para que eles escapem da realidade. Tanto o trabalho como o ócio, normalmente, são ilusões. Nenhum deles serve a qualquer propósito sólido e permanente. Mas a vida, despida dessas ilusões, torna-se logo insuportável. O homem não consegue ficar de mãos abanando, contemplando o seu destino neste mundo, sem ficar desvairado. Por isto inventa formas de tirar sua mente deste horror. Trabalha, diverte-se. Acumula aquele grotesco nada, chamado propriedade. Persegue aquela piscadela esquiva da fama. Constitui uma família e dissemina a sua maldição sobre ela. E, todo o tempo, a coisa que o move é o desejo de se perder de si mesmo, de se esquecer de si mesmo e de escapar à tragicomédia que é ele próprio. Fundamentalmente, a vida não vale a pena ser vivida. Assim, ele cria artificialidades para fazê-la parecer que vale. E também por isto erige uma espalhafatosa estrutura para esconder o fato de que ela não vale.
Talvez esta conversa de agonias e tragicomédias possa desviar a atenção do leitor. O fato básico sobre a existência humana não é o de que seja uma tragédia, mas o de que é uma chatice. Não é tanto uma guerra, mas uma permanente posição de sentido. A objeção a ela não é a de que seja predominantemente penosa, mas a de que lhe falta sentido. O que a espécie terá pela frente? Os próprios teólogos não conseguem ver nada, exceto um vazio cinzento com alguns fogos de artifício irracionais no fim. Mas existe uma coisa chamada progresso humano. É verdade. É o progresso que permite a um homicida sair da casa de detenção para a cadeia, e da cadeia para a cela da morte. Toda geração experimenta o mesmo intolerável fastio.
Falo como um daqueles de quem se poderia dizer, estatisticamente, que levou uma vida feliz. Trabalho até dizer chega, mas o trabalho é mais agradável para mim do que qualquer coisa que eu possa imaginar. Não tenho consciência de quaisquer desejos arrebatadores e inatingíveis. Não quero ter nada que não possa ter. Mas fico firme em minha conclusão, às portas da senilidade, que tudo não passa de uma grandiosa futilidade e nem ao menos é divertida. O fim é sempre a vanglória, geralmente sórdida e sem o mínimo toque de nobreza do patético. Os medíocres continuam. Neles repousa o segredo do que se chama contentamento, i.e., a capacidade de deixar o suicídio para o dia seguinte. Eles próprios não têm significado, mas, pelo menos, oferecem uma saída para escapar da paralisante realidade. O objetivo central da vida é simular a extinção. Berramos demais contra a grandiloquência errada.