1. O objetivo da ciência
Sugiro que o objetivo da ciência é encontrar explicações satisfatórias para aquilo que consideramos precisar de uma explicação. Por explicação (ou explicação causal) entendo um conjunto de enunciados em que uns descrevem o estado de coisas a ser explicado (o explicandum) enquanto que os outros, os enunciados explicativos, formam a “explicação” no sentido estrito da palavra (o explicans do explicandum).
A questão “Que tipo de explicação pode ser satisfatória?” conduz à seguinte resposta: uma explicação em termos de leis universais falsificáveis e testáveis e de condições iniciais. E uma explicação deste tipo será mais satisfatória quanto mais testáveis forem essas leis e quanto melhor tiverem sido testadas. (Isto também se aplica às condições iniciais.)
Desta maneira, a conjectura de que o objetivo da ciência é encontrar explicações satisfatórias conduz-nos à ideia de melhorar o grau com que as explicações são satisfatórias melhorando o seu grau de testabilidade; isto significa avançar para teorias com um conteúdo cada vez mais rico e com graus de universalidade e de precisão cada vez mais elevados. Isto está, sem dúvida, inteiramente de acordo com a prática efetiva das ciências teóricas.
Podemos chegar fundamentalmente ao mesmo resultado também de outra maneira. Se o objetivo da ciência é explicar, então é também seu objetivo explicar o que até aqui foi aceito como explicans; por exemplo, uma lei da natureza. Deste modo, o objetivo da ciência renova-se constantemente a si próprio. Podemos prosseguir para sempre, avançando para explicações com um nível de universalidade cada vez mais elevado.
2. Profundidade
Sugiro que as nossas leis ou as nossas teorias devem ser universais, isto é, devem fazer asserções sobre o mundo — sobre todas as regiões espaço-temporais do mundo. Sugiro, para além disso, que as nossas teorias fazem asserções sobre propriedades estruturais ou relacionais do mundo, e que as propriedades descritas numa teoria explicativa devem ser, em algum sentido, mais profundas do que aquelas a explicar. Acredito que esta expressão, “mais profundas”, resiste a qualquer tentativa de análise lógica exaustiva, mas ainda assim é um guia para as nossas intuições.
No entanto, parece haver uma espécie de condição suficiente para a profundidade, ou para graus de profundidade, que pode ser logicamente analisada. Vou tentar explicar isto com a ajuda de um exemplo da história da ciência.
É do conhecimento geral que a dinâmica de Newton realizou uma unificação da física terrestre de Galileu e da física celeste de Kepler. Diz-se frequentemente que a dinâmica de Newton pode ser induzida a partir das leis de Galileu e de Kepler, e chegou-se mesmo a dizer que pode ser estritamente deduzida a partir delas. Mas isto não é verdade; de um ponto de vista lógico, a teoria de Newton em rigor contradiz tanto a teoria de Galileu como a de Kepler (embora, obviamente, estas últimas teorias possam ser obtidas como aproximações logo que tenhamos à nossa disposição a teoria de Newton). Por esta razão, é impossível derivar a teoria de Newton a partir da de Galileu, da de Kepler ou de ambas, seja por dedução ou por indução, pois nem uma inferência dedutiva, nem uma inferência indutiva, pode avançar de premissas consistentes para uma conclusão que contradiz formalmente as premissas de que partimos.
É importante notar que das teorias de Galileu ou de Kepler não obtemos o menor indício sobre como estas teriam que ser ajustadas — que falsas premissas teriam que ser abandonadas ou que condições teriam que ser estipuladas — se tentássemos avançar a partir delas para outras teorias com uma validade mais geral, como a de Newton. Só depois de estarmos na posse da teoria de Newton podemos descobrir se, e em que sentido, as teorias anteriores podem ser suas aproximações. Podemos exprimir este fato resumidamente dizendo que, embora do ponto de vista da teoria de Newton as de Galileu e de Kepler sejam aproximações excelentes a certos resultados newtonianos específicos, não podemos dizer que a teoria de Newton seja, do ponto de vista das outras duas teorias, uma aproximação aos seus resultados. Tudo isto mostra que a lógica, seja ela dedutiva ou indutiva, nunca pode realizar o passo que vai destas teorias à dinâmica de Newton. Só a imaginação pode realizar esse passo. Logo que ele tenha sido realizado, podemos dizer que os resultados de Galileu e de Kepler corroboram a nova teoria.
Aqui, no entanto, não estou tão interessado na impossibilidade da indução como no problema da profundidade e, no que diz respeito a este problema, podemos de fato aprender algo a partir do nosso exemplo. A teoria de Newton unifica a de Galileu e a de Kepler mas, longe de ser uma mera conjunção dessas duas teorias, que desempenham o papel de explicanda em relação à de Newton, corrige-as ao mesmo tempo que as explica. A tarefa explicativa original era a dedução dos resultados anteriores, mas esta tarefa é abandonada, porque não se deduzem os resultados anteriores, deduzindo-se algo melhor no seu lugar: novos resultados que, sob as condições específicas dos velhos resultados, aproximam-se muito deles numericamente ao mesmo tempo em que os corrigem.
Sugiro que, sempre que nas ciências empíricas uma nova teoria com um nível de universalidade mais elevado explica com sucesso uma teoria anterior corrigindo-a, temos um indício seguro de que a nova teoria penetrou mais fundo do que as teorias anteriores.