— Mas Messier de Laplace, e quanto a Deus?
— Eu não preciso dessa hipótese.
respondeu o astrônomo Pierre Simon, Marquês de Laplace, ao explicar a Napoleão a teoria da origem do universo.
Em todos os aspectos, os cientistas são seres humanos. Essa observação aparentemente banal ganha grande importância na explicação do grau em que muitos dos cientistas se rendem de bom grado a práticas não-científicas. Esse é o mesmo truísmo que levou Khan (1970) [2] a propor a ideia de que as iniciativas científicas são predominantemente determinadas pelo contexto social no qual se realizam, uma posição que John Casti (1989) denominou de “relativismo racionalista”. Ainda que Kuhn estivesse procurando estabelecer qual seria a “melhor” série de paradigmas, sua filosofia da ciência transcende fundamentalmente qualquer ideia de existir uma realidade externa objetiva e reconhecível. Nessa linha, se forçarmos a barra mais um pouco chegaremos, obviamente, à absurda posição de Paul Feyerabend (1975), um relativista irracional que proclama não haver essa coisa chamada “método científico”, e que a ciência tem o mesmo status ontológico da astrologia e do misticismo.
Como cientista militante, eu não poderia de modo algum discordar nem de Kuhn nem de Feyerabend. Evidente que não pretendo negar o fato de a ciência ser uma atividade humana e, como tal, esteja claramente sujeita a todo o espectro das fraquezas humanas, inclusive nos modos de pensar irracionais e emocionais, senão às mais deslavadas fraudes (Gould, 1981). Apesar de tudo, a ciência continua sendo, de longe, o mais bem sucedido conjunto de ferramentas para se compreender o mundo natural e predizer seu comportamento. Além disso, entre as atividades humanas a ciência é a mais capaz de corrigir a si mesma, quando confrontada com o mundo real.
Eis porque, por exemplo, os cientistas se opõem obstinadamente a que se conceda igualdade de carga horária para o ensino do criacionismo, em paralelo com o darwinismo, na disciplina de Biologia. Os criacionistas apelam para o espírito “democrático” dos americanos, argumentando que se há duas alternativas, que se ouçam ambas e se permita à população decidir qual a melhor. Mas a verdadeira ciência, apesar do que Kuhn possa pensar, não progride mediante consenso e propaganda, e nem, com certeza, vai admitir uma gratuita equiparação de teorias.
No entanto, há uma ilha de irracionalismo que continua intocada pelos cientistas: é este imenso, misterioso e fascinante continente chamado religião. Como disse Will Provine em 1988, se você é um cientista e vai à igreja “tem mesmo é de deixar seus miolos na porta dela”. Em seguida, vou explorar dois recentes exemplos de como procederam dois cientistas ao tratar de religião. Pretendo apresentar uma breve discussão da dinâmica desse fenômeno, assim como algumas modestas propostas de possíveis soluções.
Os cientistas continuam sem acreditar em Deus
Edward Larson, professor de História da Ciência na Universidade de Geórgia, e Larry Witham, repórter do Washington Times, publicaram um comentário peculiar na revista Nature, em abril de 1997 (Larson & Witham, 1997; Genoni, 1997). O título do artigo era “Scientists are still keeping the faith” [Os cientistas ainda mantêm sua fé]. O texto relata um estudo realizado pelos dois autores, repetindo uma pesquisa feita pelo psicólogo James Leuba em 1916. A hipótese que Leuba testou era a de que quanto maior fosse a instrução de uma pessoa, menos propensa estaria em acreditar em Deus. As perguntas sobre as crenças religiosas de cada um foram feitas a 1000 cientistas americanos, e os resultados confirmaram a ideia de que os cientistas formam um grupo menos propenso a acreditar em Deus do que a população em geral. Lemba atribuiu esses resultados à melhor educação dos cientistas, e aventurou-se a prever que, com o passar dos tempo e o presumível interesse na educação dessa população, a crença religiosa se tornaria cada vez mais rara.
Larson e Withan procuraram reproduzir o estudo de Leuba tão fielmente quanto possível. Tomaram, por exemplo, o mesmo número de cientistas, divididos entre biólogos, físicos e matemáticos, e usaram como amostra a mesma fonte de Leuba, isto é, o catálogo publicado no American Men of Science [3]. A preocupação de repetir as condições originais esbarrou em alguns problemas, como os próprios autores admitiram com franqueza. Por exemplo, a amostra original de 1000 cientistas reapresentava cerca de 20% dos nomes registrados, enquanto hoje uma amostra equivalente corresponderia a uns 3% do total; isso aumenta a possibilidade de erros estatísticos na comparação das duas amostras. Além disso, Leuba fez uma distinção entre os “grandes” cientistas e os comuns, e encontrou na primeira categoria índices acentuadamente mais baixos de crença em Deus. Tal distinção não foi relatada no American Men and Women of Science. Ainda que fosse possível classificar os cientistas de acordo com um critério quantitativo (tempo alocado em horas-aula em comparação com o dedicado à pesquisa, número e qualidade de publicações etc.), Larson e Witham não se sentiram obrigados a espelhar ao pé da letra a pesquisa original. Há também alguma discussão sobre o modo exato no qual as questões foram expressas. Larson e Witham tentaram seguir a definição de Deus como quem “ouve preces e dá imortalidade”, dada por Leuba. No entanto, perceberam que muitos entrevistados responderiam de maneira diferente se lhes fosse dada uma definição de Deus menos tradicional, mais “moderna” (eu diria menos vaga). Talvez. Infelizmente, no caso, a escolha não era nem de repetir um estudo fundamental, realizado havia 80 anos, nem começar do princípio. E a atratividade do estudo de Larson e Witham reside exatamente na comparação com o de Lemba.
Os resultados estão resumidos na figura 1, com uma coluna adicional que mostra a porcentagem de crença da população em geral. Estou relatando apenas as respostas à questão “Você acredita em Deus?” [4]. Os resultados foram tão claros quanto estrondosos, mas sua interpretação está mais do que aberta a visões alternativas. O fato é que os cientistas não mudaram muito de opinião. É verdade que os físicos superaram os biólogos, que eram o grupo que mais tinha ateus, mas muitas das mesmas percentagens mostradas na figura 1 foram encontradas por Leuba em 1916. Como se evidencia desde o título, a conclusão do estudo de Larson e Whitham é que os cientistas mantinham sua fé, passados 80 anos. Minha conclusão seria: os cientistas ainda eram pessoas sem fé, em sua grande maioria. Por quê? Primeiro, como mostra claramente a figura 1 — e foi relatado por Leuba —, os cientistas têm, sensivelmente, uma probabilidade de acreditar em Deus muito mais baixa do que a população em geral e esse fato permaneceu inalterado, passados 80 anos. Parece muito mais lógico usar a população em geral como grupo “de controle” [5] e concluir que tanto o grupo de controle e como o de estudo mantiveram suas respectivas posições originais (crentes e descrentes), do que distorcer os fatos afirmando que os cientistas “continuam sendo” uma posição minoritária dentro de seu próprio grupo!
Em segundo lugar, é muito difícil testar a hipótese original de Leuba mediante uma simples repetição do experimento. Leuba sustentava que as pessoas com educação mais elevada eram menos propensas a crer em Deus. Como os cientistas tendem a se situar entre as pessoas de mais alta instrução, a decisão de fazer uma amostragem deles foi lógica, e os resultados obtidos são consistentes com as hipóteses. No entanto, repetir o teste 80 anos depois é uma astúcia. Uma das presunções subjacentes é que acumulação de conhecimento e educação aperfeiçoada é inerente a todo cientista. Mas isso pode ser contestado. Apesar de nosso conhecimento do universo físico ter de fato aumentado no século XX, o nível geral de educação da maioria dos cientistas é provavelmente comparável ao de 80 anos atrás; ou, pelo menos, não é radicalmente diferente. Nossa visão geral do universo não mudou tão radicalmente assim (em comparação com o que era, digamos, na época de Galileu). Tivemos também a teoria da evolução, a astronomia há muito varreu a Terra do centro do universo e da galáxia, e a velhice da Terra começava a ser aceita quando Leuba realizou sua pesquisa. A teoria dos quanta e a biologia molecular seguramente revolucionaram a física e a biologia, respectivamente, mas será que elas de fato aumentaram muito a compreensão, por parte das pessoas instruídas, de que há pouco espaço para Deus no universo real?
Além disso, a projeção inicial de Leuba estava baseada numa presunção razoável, a de que a educação da população em geral teria um persistente progresso, e no fim das contas todo mundo situaria Deus no mesmo plano da astrologia e da telepatia. Há dois problemas nessa linha de raciocínio. Primeiro, ainda que mais gente do que nunca esteja cursando a faculdade, a crença na astrologia, na parapsicologia e nos OVNIs jamais foi tão alta. Fica claro que não há muita correlação entre alto nível de educação geral (em oposição à científica) e a capacidade de discernir entre ficção e realidade. Como foi relatado nos anos 60 e 70, em consequência do esforço nacional para alcançar os russos na corrida espacial, e qualquer professor universitário de ciências pode atestar, os atuais padrões de educação científica não são o que gostaríamos que fossem (Edmunson, 1997).
Em segundo lugar, o que quer dizer hoje “educação elevada” [6]? Pela minha experiência do sistema educacional americano, a tradução é “aquisição de alto conhecimento especializado num campo em particular”, normalmente num dos mais práticos, tal como administração de empresas. Que relação causal, e até preditiva, poderia existir entre saber como aumentar o lucro da empresa e a capacidade de fazer reflexões profundas sobre questões fundamentais sobre “a vida, o universo, e tudo o mais”? (Adams, 1986.) Não estou depreciando Leuba por causa disso, em absoluto. Ele abordou o problema do ponto de vista otimista de alguém que testemunhava os frutos da obra de Darwin e Freud. A educação que ele divisava era universal, de amplo espectro, e presumidamente capaz de nos levar a entender melhor quem somos e de onde viemos. Essa visão era incomparavelmente mais “liberal” do que a educação liberal em si, que está sob intenso bombardeio desde que o Partido Republicano e a direita cristã se tornaram mais poderosos (Shorris, 1997).
Na pesquisa de 1997 perguntou-se aos cientistas se acreditavam na imortalidade humana (um corolário da maioria das religiões). O resultado foi claramente ao encontro do que Leuba previa: a percentagem dos que acreditavam baixou de 51% para 38%! A última pergunta era sobre o anseio de ser imortal. Enquanto 34% dos entrevistados por Leuba responderam que gostariam de ser imortais em algum sentido, cerca de 10% dos cientistas modernos negaram essa vontade. Por isso, ainda que a resposta à questão principal não tenha mudado muito, há uma farta sustentação para a conclusão de que a crença num Deus personalizado, com os atributos e corolários da religião predominante, vem sendo corroída no meio dos cientistas de modo significativo (mas não na população em geral). Em última análise, parece que a mesma proporção de cientistas acredita em Deus, mas o conceito que eles têm dessa. Não estamos nos tornando mais educados, mas simplesmente adquirindo mais conhecimento. Há uma diferença fundamental entre as duas coisas. Ironicamente, a pesquisa de Leuba contribuiu para piorar a situação. Suas conclusões foram um dos estopins da cruzada iniciada por Williams James Brown, nos anos 20 do século passado, contra o ensino da evolução, e que culminou com o infame “Processo Scopes”, no tribunal de justiça do Tenessee, em 1925 (Larson, 1997; Webb, 1997).
Os cientistas deveriam se envolver?
A resposta a essa questão é um sonoro “não!”, segundo um dos principais biólogos e céticos do século XX, Stephen Jay Gould, de Harvard. Tentarei mostrar a falácia dessa posição (envolvimento), mas antes gostaria de deixar muito claro que não pertenço à categoria dos fãs de Gould. Tenho o maior respeito pelas suas realizações científicas e também pelas posições políticas e filosóficas que defende. No entanto, acho que desta vez ele está errado.
Gould publicou um artigo na revista Natural History (Gould, 1997) no qual divulgou o principio que denomina NOMA (for Nonoverlapping Magisteria [7]). Os pontos capitais do princípio podem assim ser resumidos:
- O campo da ciência compreende o universo físico e aquilo de que é composto (fatos).
- O campo da religião se estende sobre questões de significado e valor moral.
Simples demais. Mas, como disse o cáustico jornalista H. L. Mencken, que cobriu o julgamento de Scopes, “Para todo problema complexo há uma solução simples, clara e errada”. O princípio NOMA não é realmente novo. Em 1923, em resposta às primeiras manifestações do movimento fundamentalista que levou ao processo contra Scopes, o moderado pastor presbiteriano James Vance subscreveu um manifesto amplamente divulgado, junto com outras 40 pessoas, inclusive Robert A. Millikan, laureado com o Prêmio Nobel, e o famoso biólogo Henry Fairfield Osborn (Larson, 1997). O documento chama a atenção para a total separação das esferas de influência da ciência e da religião: a ciência lida com “os fatos, leis e processos da natureza” ao passo que a religião se volta para “a consciência, os ideais e aspirações da humanidade”. O princípio NOMA, de Gould, veio do entusiasmo dele (e de outros biólogos) pelo fato de o papa haver finalmente admitido que Darwin poderia estar certo (Pellegrino et alii., 1997). A Igreja Católica, historicamente, sempre manteve uma posição antagônica em relação à evolução, talvez mais bem sintetizada pelas palavras constantes da encíclica Humani generis, de Pio XII, em 1950:
“Se olharmos para fora do redil de Cristo, facilmente descobriremos as principais direções que seguem não poucos dos homens de estudo. Uns admitem sem discrição nem prudência o sistema evolucionista, que até no próprio campo das ciências naturais não foi ainda indiscutivelmente provado, pretendendo que se deve estendê-lo à origem de todas as coisas, e com ousadia sustentam a hipótese monista e panteísta de um mundo submetido à perpétua evolução. Dessa hipótese se valem os comunistas para defender e propagar seu materialismo dialético e arrancar das almas toda noção de Deus.” [8]
Como os fundamentalistas protestantes dizem, a evolução é a raiz da árvore do mal. Tal como fez com Galileu em 1983, o Papa João Paulo II (que não é considerado um liberal) tentou consertar aquela parte da Humani generis, escrevendo o seguinte no documento A verdade não pode contradizer a verdade (mensagem dirigida à Academia Pontifícia de Ciências, sem a autoridade de uma encíclica):
“Em nossa época… novas descobertas levaram ao reconhecimento de que a teoria da evolução é mais do que uma hipótese. É de se ressaltar, de fato, que essa teoria vem sendo progressivamente aceita pelos pesquisadores em consequência de descobertas em vários campos do conhecimento. Uma convergência — que não foi forjada nem inventada — de resultados de um trabalho conduzido com independência é, em si mesma, um significativo argumento em favor da teoria… No entanto… O momento de transição do espiritual não pode ser objeto desse tipo de observação.”
Muito bem, então a Igreja Católica agora admite que a Terra é uma esfera, que gira em torno do Sol, e que todos os seres vivos se originaram de um único ancestral, mediante a transmissão de modificações aos descendentes (ou seja, evolução). Mas, essas concessões, ainda que bem-vindas, surgiram apenas depois que membros da hierarquia da igreja se deram conta de que fincavam pé num território cada vez mais indefensável em face de todos aqueles casos específicos. Mas, como se viu acima, João Paulo II se prendia ao “espiritual”. A implicação é que a moralidade não pode ser submetida a um dos processos fundamentais de investigação científica, a autorretificação. O fundamentalista Danny Phillips insiste que “a ciência muda todo dia, e repulsa-nos passar agora a acreditar em algo que muda todo dia, algo que permaneceu imutável durante 3000 anos; não precisamos fazer isso” (frase citada numa newsletter de Rationalists of East Tennessee, março, 1997; ver http://www.korrnet.org/reality). Mas é a ciência, na forma de antropologia cultural, que mostra claramente que os valores morais são relativos, dependem do contexto cultural, e — acima de tudo — eles evoluem. Assim, por que outorgar o direito de discutir e modificar nossos valores morais a uma autoridade que não tem como apresentar sequer um mínimo de provas concretas que o fundamentem?
O NOMA de Gould concede à religião um controle total em matéria de moral e valores. Mas, será que a presumida inspiração divina é a única fonte de moralidade para os homens? Deixando de lado linhas de argumentação que se baseiam na “moralidade natural” ou no “darwinismo social” (para uma discussão da ética evolucionista, ver Skeptic, v.4, n.2), não é verdade que temos uma história multimilenar de pensadores e filósofos que apresentaram discussões profundas sobre a moralidade humana? A moral imperativa de Kant é necessariamente vinda de Deus? E quanto a Platão, Aristóteles ou Bertrand Russell? De fato, a argumentação de Gould pode ser facilmente dita assim: as leis divinas, tal como expressas na Bíblia ou no Corão, são simplesmente a canonização dos acordos e contratos humanos, ornados com a aura do super-homem para torná-los mais aceitáveis.
Pensemos, por um momento, na evolução das emoções. Darwin mostrou (1890) que é fácil concluir que as características psicológicas, morais e éticas dos seres humanos são de fato um produto da evolução. Elas são um epifenômeno da complexidade de nossos cérebros, enredado com nossa sinuosa história como primatas e caçadores. Minha conclusão é que não há uma real distinção entre as duas esferas, da ciência e da religião, que Gould separou com tanta clareza e salomonicamente. Ambas são um objeto legítimo de investigação racional e nossas maiores esperanças para termos uma sociedade e uma condição humana melhores estão no uso da razão e da autocorreção nas duas áreas.
Deus como hipótese falaciosa
Para vermos o que a ciência tem a dizer sobre Deus, é necessário deixar claro o que o termo significa. De acordo com The Encyclopedia of Philosophy (1967, 174-189), foram concebidas três espécies de deuses: o deus metafísico, o deus antropomórfico infinito, e o deus antropomórfico finito.
Um deus metafísico é aquele que não tem absolutamente nenhuma relação com o mundo físico. Essa espécie de deus é habitualmente invocada para explicar a existência do mal, o que é evidentemente incompatível com qualquer espécie de deus antropomórfico. O argumento é que o “bem” e o “mal” são conceitos humanos que não se aplicam a um deus.
Podemos rejeitar essa espécie de deus por dois motivos: primeiro, é ininteligível. Que sentido tem existir um deus que não reflete nenhum valor humano? Em segundo lugar, é psicologicamente inútil. Não nos esqueçamos de que a principal razão para as pessoas acreditarem num deus é obter algum consolo diante do que significa o mundo.
Um deus antropomórfico pode ser infinito ou finito. A versão do infinito é a mais popular. Ela corresponde à tradição crista do ser onipotente. A versão do deus finito é como o deus “menor”, que alguns dos filósofos gregos chamavam de demiurgo (Jaeger, 1947). Podemos rejeitar a ideia de um deus finito, já que a maioria das pessoas em todo o mundo — especialmente nas sociedades ocidentais — não a endossariam devido às mesmas razões pelas quais ficaram insatisfeitas com um deus metafísico. Curiosamente, a razão para se propor um deus imperfeito é a mesma, psicologicamente, para a proposição de um deus metafísico: explicar a desconcertante presença do mal num mundo que claramente não é “o melhor dos mundos possíveis” (Voltaire, 1759).
O quer dizer sobre o mais comum, e psicologicamente mais satisfatório, dos deuses, o onipresente, onisciente, onipotente e infinito deus antropomórfico? A primeira pergunta a responder sobre essa espécie de deus é: devemos assumir uma posição ateia, ou seríamos mais moderados e nos manteríamos no agnosticismo? Os ateus têm má reputação, e às vezes são capitulados nos mesmos termos dos fundamentalistas cristãos, judeus ou muçulmanos, ou seja, como intolerantes, como indivíduos bitolados, que têm certezas sobre coisas em que não se pode ter certeza nenhuma. E mais, minha posição é que o deus antropomórfico infinito pode ser tomado como uma hipótese sobre o universo físico, o que dá ao ateísmo uma vantagem em relação ao mero agnosticismo.
Permitam-me esclarecer essa questão. Ainda que os religiosos — especialmente quando acuados por óbvias e desagradáveis realidades do universo físico — sustentem que a crença em Deus requer a fé, sendo assim imune a qualquer investigação contingente ou científica, não é bem isso o que de fato defendem. Por sinal, os fundamentalistas apregoam que deus [9] criou o universo em tantos e quantos dias, numa sequência específica de eventos, e não há muito tempo. Apregoam ainda que todas as espécies de organismos vivos foram elaboradas por esse deus, e que ele, literalmente, comanda tudo o que acontece no dia-a-dia do universo. Essas afirmações são obviamente falaciosas (e falsas!). Mas até os não-fundamentalistas tendem a conceber um deus como algo que interage com o universo físico (senão, para que haveria um deus?). Se ele não está literalmente comandando o que acontece, certamente lhe terá dado origem ou o terá concebido (pelo menos, terá “escolhido” as leis físicas corretas). Assim, deus interage, em grau maior ou menor, com o mundo físico. O que significa que deus é algo como uma parte do universo físico. De acordo com essa definição, a existência de deus é uma questão que pertence ao domínio da investigação científica.
Então, se admitirmos que deus pode ser tomado como uma hipótese sobre o mundo real, teremos de esclarecer o que queremos dizer com os termos “hipótese” e “teoria”. Uma hipótese é uma previsão feita em referência a uma estrutura teórica. Infelizmente, a palavra “teoria” é usada de duas maneiras, uma científica e, a outra, vernácula.
- Em ciência, a utilidade de uma teoria reside em sua capacidade para explicar fenômenos observáveis e fazer previsões específicas sobre eles. Assim, uma teoria pode produzir um conjunto de hipóteses, que por sua vez podem ser comprovadas ou se mostrar falsas (isto é, ser rejeitadas, Popper, 1968). A hipótese científica pode ser investigada por meios empíricos. Por exemplo, os astrofísicos modernos propuseram uma complexa teoria sobre a origem do universo, conhecida como “Big Bang”. Uma das previsões do cenário Big Bang é que o universo ainda poderia estar permeado por uma radiação ambiental, um tipo de calor residual da explosão inicial. A hipótese está sujeita à investigação empírica. De fato, a radiação ambiental foi descoberta por observação radiotelescópica nos anos 60 (Hawking, 1993), e está perfeitamente conforme (ou seja, quantitativamente) as previsões teóricas. Note-se que isso não significa que a teoria do big bang é “verdadeira”, apenas que é consistente com os dados disponíveis.
- Em termos leigos, a palavra “teoria” implica um tom depreciativo ou diminutivo (como “é apenas uma teoria”). Esse tipo de teoria é constituído por uma série de afirmações vagas — que não podem ser testadas cientificamente — e, além disso, só é verdadeira fora do âmbito da ciência. Por exemplo, deus criou o “universo” é uma afirmação vaga, sem nenhum poder explicativo, pois simplesmente substitui um mistério (a origem do universo) por outro ainda mais precário (afinal, de onde veio deus?). A posição agnóstica não passa de um outro tipo de teoria situada fora do âmbito da investigação científica, que não pode ser comprovada ou refutada, e por isso não pode ser rejeitada, como o fazem os ateus. Mas isso é uma filosofia tosca e equívoco lógico. Equipara rejeição com desaprovação. Em termos simples, não precisamos desaprovar, como um todo, muitas das coisas que rejeitamos por considerá-las tolas ou inconsequentes. Por exemplo, rejeitamos a existência de cavalos voadores como Pégaso não por termos provado que não existem, e sim porque sua anatomia contradiz cabalmente tudo que sabemos sobre a evolução dos vertebrados (e também alguns dos aspectos de aerodinâmica). Ressalte-se que se aparecer algum cavalo voador, a posição cética estará sempre aberta à revisão. Por analogia, os ateus não são descrentes obstinados. A maioria seria facilmente convertida se lhe fosse fornecida uma prova decisiva da existência de entes sobrenaturais. Mesmo os que creem usam um argumento racional, paradoxalmente contra outros que também creem! Por que será que um cristão (ou qualquer indivíduo racional de hoje) não acredita em Zeus e Apolo, e os descarta com desdém por serem meras fantasias? Porque esses deuses são entes vagamente definidos, desde logo muito improváveis para terem sido figuras históricas, apesar do fato de os gregos antigos não os considerarem assim!
Em resumo, se a hipótese de deus não passa de uma afirmação vaga, pelo menos poderia ser rejeitada como tola e desnecessária ainda que, tecnicamente, não possamos provar a não-existência de deus. Se, pelo contrário, isso for tomado como uma suposição relativamente precisa sobre o mundo físico, poderemos pesquisar a existência de deus com um método bem fundamentado, o hipotético-dedutivo. Como faríamos? Admitiríamos os supostos atributos desse deus e os trataríamos como hipóteses que podem ser testadas.
Por exemplo, uma das mais veementes teses usadas pelos teólogos em épocas pré-darwinianas era o argumento do projeto inteligente [10] (Paley, 1831). É de se espantar o fato de esse argumento ainda ser o principal foco das modernas controvérsias, graças a um punhado de livros de publicação recente, escandalosamente recheados de informações equivocadas (Behe, 1996), em conjunto com uma violenta e ultraconservadora cegueira ideológica, a despeito do fato de Hume (1976) haver pulverizado o argumento mesmo antes de Paley apresentá-lo. Isso é ainda mais extraordinário, pois o próprio Darwin, com muita sagacidade, inverteu o argumento ao fazer uma minuciosa demonstração de que, decididamente, o universo não é perfeito. Consideremos o olho humano, um dos exemplos favoritos dos criacionistas. Muitas pessoas enxergam pontos negros se submetidas a uma luz muito forte (ou, às vezes, ao mirar um céu azul). Esses pontos aparecem porque os vasos sanguíneos que irrigam o olho estão posicionados à frente dos nervos ópticos. Um engenheiro competente certamente teria eliminado uma característica como essa, que incomoda bastante. De fato, cefalópodes (isto é, lulas, polvos e similares), cujos olhos foram formados de outro modo e evoluíram independentemente daqueles dos vertebrados, não sofrem da mesma inconveniência. As únicas conclusões possíveis são: a) deus não projetou a coisa; b) deus é bastante descuidado e não merece nossa admiração incondicional; ou c) deus gosta mais das lulas do que dos homens.
A seguir, mais algumas razões científicas ou de simples lógica para não se acreditar num deus antropomórfico, baseadas em postulados que são parte integrante das crenças religiosas modernas ou nelas estão implícitas. A lista está longe de ser exaustiva e seu único propósito é mostrar que a lógica e a ciência têm muito a dizer sobre os pretensos deuses de diferentes seitas religiosas.
- Estatística x deus. Há uma clara e inversa relação entre a extensão do conhecimento humano e o crédito (ou a responsabilidade) que tendemos a atribuir a deus por uma intervenção direta no universo: quanto mais sabemos, menos atribuímos a causas sobrenaturais. Qualquer cientista que se depare com esse raciocínio nitidamente consistente não hesitará em extrapolar, declarando que deus provavelmente não existe.
- Astronomia x deus. As cosmologias derivadas da Bíblia colocam a Terra no centro do universo e o Sol girando em torno do planeta. Copérnico (1543) e Galileu (1632) afastaram essa hipótese e qualquer possibilidade de o sol haver “parado” algum dia.
- Geologia x deus. A Terra é definitiva e significativamente mais antiga que os poucos milhares de anos admitidos pelas religiões ocidentais (as orientais também não chegam muito perto).
- Biologia x deus. A biologia é rica em desafios às religiões institucionalizadas [11]. A teoria neodarwiniana da evolução é provavelmente o mais potente de todos eles, mas há outro, que é a demonstração, feita pela genética moderna, de que o homem e o chipanzé estão estreitamente relacionados e são quase idênticos, geneticamente. Os recentes estudos sobre a biodiversidade estão desabonando a história da Arca de Noé; diante das estimativas modernas da existência de milhões de espécies desconhecidas na época, assim com dos estudos paleontológicos (os dinossauros e os amonoides certamente não entraram na arca), trata-se também de outro mito, que podemos seguramente banir para o campo das alegorias.
- Antropologia x religião. As religiões são produtos históricos das mutáveis culturas humanas. Elas se apresentam com peculiaridades variadas, muitas vezes com diferentes versões sobre a natureza do de deus e do universo. Como ter certeza de escolher a mais correta? Cuidado, porque muitas religiões nos mandam para o inferno se fizermos a escolha errada. Além disso, as religiões nascem, evoluem e morrem, como ficou demonstrado com a extinção dos antigos deuses greco-romanos e pela evolução do texto da Bíblia. Portanto, a religião e a crença num deus em particular são conceitos relativos, sujeitos a acidentes ao longo da história.
Por que os cientistas oferecem a outra face?
Se a ideia de um deus antropomórfico pode ser considerada como uma suposição sobre o mundo físico passível de teste e, portanto, suscetível à investigação científica, por que a esmagadora maioria dos cientistas evita toda essa questão, declarando, tal como o faz Gould, que não se deve misturar o objeto da ciência com os da religião? Por que não nos sentimos compelidos a lutar, ativamente, contra a ignorância e a superstição, em todas as suas formas, tal como nosso papel de educadores nos obrigaria a fazer? Apesar de tudo, nós não devemos ter nenhum remorso por descer da torre de marfim e nos comprometer numa franca batalha contra os dragões da astrologia ou da parapsicologia. Então, por que não tratarmos a religião, como o fazemos com as outras formas de superstição, como sendo uma ameaça à razão e à felicidade humanas? Apresento três explicações distintas, ainda que não mutuamente excludentes, sobre o porquê desse esdrúxulo comportamento.
- Os cientistas são esquizofrênicos. É ao que Provine se refere quando fala em checarmos nosso cérebro antes de entrar na igreja. Conheço muitos cientistas racionais que simplesmente bloqueiam suas funções cognitivas mais elevadas quando o assunto é religião. Com toda a honestidade e sinceridade, eles não veem nenhuma contradição entre estudar a evolução ou o “Big Bang” e, simultaneamente, acreditar num ser sobrenatural encarregado de conduzir tudo isso. A detalhada e íntima familiaridade com uma disciplina em particular fracassa ao ser levada para o nível mais amplo da generalização filosófica. O conhecimento detalhado e preciso de uma disciplina em particular não se traduz no nível de generalização filosófica ampla. Em outras palavras, saber como aplicar o método científico não o torna necessariamente um modo de vida.
- O efeito “torre de marfim”. Mesmo cientistas que estejam perfeitamente conscientes da contradição entre uma posição racionalista e a crença em deus preferem guardar isso para si, a fim de evitar o conflito. Os cientistas sabem muito bem que, nos tempos modernos, o potencial que têm de desfrutar uma boa vida intelectual pode ser ameaçado se eles entrarem em rota de colisão com autoridades religiosas. Isso está acontecendo em todo lugar em que os fundamentalistas tenham poder político. Além disso, muitas pessoas ficam assustadas com inovações, especialmente com a inovação tecnológica, em si. A invenção do computador tem sido festejada como sendo uma das maiores conquistas da humanidade, e ao mesmo tempo vituperada por acarretar uma porção de consequências maléficas, do downsizing à degradação moral da juventude americana. Há muita discussão sobre o quanto os cientistas podem afirmar ser neutro o resultado de seu trabalho, na medida em que eles sejam pessoalmente responsáveis pelo modo como será utilizado. Em vez de entrarmos num debate como esse, com o objetivo de conscientizar a população e os políticos sobre as complexidades da ciência, temos evitado o conflito o tanto quanto possível. Retrocedemos até a torre de marfim, na esperança de que o problema desaparecesse. Não desapareceu. E quanto menos nos envolvermos, mais os ultraconservadores tentarão demolir os alicerces da torre de marfim.
- É o dinheiro que está em jogo, seu idiota! A última explicação sobre essa disseminada atitude equivocada dos cientistas em relação à religião tem a ver com a segunda, mas passa longe de considerações filosóficas, ou mesmo políticas. Em vez disso, chega muito perto: nossos laboratórios, remuneração extra por trabalho nas férias [12] e estudantes de pós-graduação. Em termos simples: a ciência sempre foi uma atividade de luxo, à mercê de pessoas ricas e poderosas. Galileu teve de dirigir agradecimentos à família Medici e consultá-la para dar nomes aos satélites de Júpiter, e nós temos de dirigir agradecimentos ao National Science Foundation, ao National Institute of Health, ou ao Department of Energy.
Ainda que não sejam tão instáveis quanto o monarca ou o aristocrata autoritário, os financiadores da ciência moderna ainda são muito pouco confiáveis para dar tranquilidade à maioria dos cientistas. Nos Estados Unidos, uma persistente movimentação das forças políticas conservadoras vem tentando não apenas reduzir os recursos para financiamento das organizações humanitárias, o que é um alvo fácil, como também o dos empreendimentos científicos. Pelo menos no que se refere à parte da ciência que não tenha aplicação direta nas áreas da saúde e do bem-estar social. Estou certo de que não terei de convencer o auditório da quantidade de benefícios indiretos advindos da ciência básica, ou mesmo insistir na ideia “radical” de que a busca do conhecimento em si é uma das mais nobres aspirações da humanidade (“fatti non foste per viver come bruti, ma per seguir virtute e canoscenza”, diz Ulisses no Inferno de Dante — “você não foi feito para viver igual às bestas, mas para buscar a virtude e o conhecimento”; Dante, 1931). Mas talvez um marcante e pouco conhecido fato possa servir como um alerta e explicar por que muitos cientistas não estão dispostos a se envolver em religião. A instituição em que obtive mais recursos para minhas próprias pesquisas foi o National Science Foundation, que todo ano libera milhões de dólares (vindos de impostos) para estudos de biologia evolucionista. E ainda: a NSF não tem um setor de evolução. Pior, quem usar (como eu fiz) jargão de internet no esquema preliminar — documento expositivo sobre a pesquisa a ser financiada e que é um registro público — terá palavras suprimidas nele, substituídas por algumas locuções politicamente corretas. Por quê? Porque a câmara de deputados e o senado procuram satisfazer as pessoas supersticiosas que não apenas acreditam em deus, como também associam o estudo da evolução ao próprio demônio. E ninguém quer atrair a atenção de fanáticos para suas fontes de sustento.
O que fazer?
O papel de um cético não pode se limitar à desmistificação. É preciso ter uma participação positiva para não favorecer a percepção de que os céticos são indivíduos cínicos, com nada de valor para contribuir para a humanidade. Nos termos de Descartes, a pars destruens de nossos argumentos precisa ser acompanhada por uma pars construens igualmente coercitiva (Descartes, 1637). Infelizmente, como sabe qualquer político ou piloto de demolition derby, é muito mais fácil destruir que construir. Mesmo assim, permitam-me apresentar algumas modestas propostas para o relacionamento entre ciência e religião.
Primeiro, qual é nossa meta? A crença no irracional e no sobrenatural é devida principalmente à ignorância (e a alguns medos atávicos que talvez sejam muito mais difíceis de erradicar). Por isso, nossa primeira meta é educar. Pode ser uma meta vaga, especialmente porque não é mesmo muito claro o que significa “educação”. A esmagadora maioria das pessoas neste mundo é ignorante, infelizmente. Com isso não quero dizer necessariamente que elas não tenham grau universitário ou sejam analfabetas. O que quero dizer é que elas têm uma compreensão muito pobre do mundo real. Ironicamente, aqui, “mundo real” se refere não ao mundo empresarial e ao mercado de ações (em oposição ao mundo “irreal” da academia), mas ao universo físico. As pesquisas na população americana vêm revelando que ela tem uma compreensão pobre de fatos científicos fundamentais, como a evolução ou a expansão do universo. Como poderemos condenar pessoas adultas que acreditam em superstições, se elas não são capazes de entender, nem superficialmente, o mundo em que vivem? A meu ver, em parte, a falha é nossa, dos cientistas e educadores. Não aceitamos como sendo nossa a missão de buscar e divulgar a verdade usando o melhor de nossas qualificações. Não vemos que é nosso dever como seres humanos usar nossos laboratórios, salas de aula, artigos e livros para estimular e guiar as pessoas na busca de uma interpretação racional do mundo em que vivemos. O que está em jogo não é só a sobrevivência de uma ou outra superstição, nem sequer a continuação da liberdade acadêmica ou da própria ciência. É a capacidade de resistência da raça humana em face de problemas ambientais tão complexos, que nossa maior e possivelmente única esperança de impedir a extinção é ampliar a aplicação da ciência a nossos problemas. Com toda certeza, a sobrevivência da humanidade não pode depender apenas da boa e ultrapassada fé em seres superiores, que supostamente criaram este planeta perfeito e tomam conta de suas criaturas da melhor maneira possível. Somente quando a maioria de nossos colegas humanos for tão proficiente na compreensão de nosso mundo quanto o é hoje a maioria dos cientistas é que realmente veremos mudanças qualitativas no comportamento humano.
Como pavimentar a estrada rumo a essa sociedade racional? Para ser franco, talvez nunca consigamos. No entanto, os cientistas e educadores podem dar um pequeno passo para dar partida nesse processo: parar de ficar na defensiva. Não recuar quando os alunos sentirem suas crenças questionadas por causa de uma aula sobre a evolução. Não se esquivar de confrontos com diretorias de instituições de ensino, conselhos acadêmicos, jornalistas e políticos. Todos têm o direito de acreditar no que quiserem, mas nós temos um direito equivalente, o de lecionar tudo o que sabemos a seja lá quem for que nos ouça. Exatamente como um padre ou pastor tem o direito de ficar no canto de meu departamento folheando livremente a Bíblia. Nunca esqueçamos que o fundamentalismo religioso não descansa: está literalmente a fim de nos pegar. O objetivo dele nada mais é do que atacar frontalmente a ciência e a racionalidade. Finalmente, não caiamos no erro de subestimar as atuais tendências, desprezando-as como se fossem um mero movimento pendular. Quando o pêndulo balançar de volta, o mundo pode se tornar um lugar pior para se viver do que se tivéssemos defendido o terreno conquistado que herdamos de Galileu e Darwin. Tal como observou Thomas Huxley [13]: “Não é menos respeitável ser um macaco modificado em vez de barro modificado”.
Crença num deus pessoal | 1914 | 1933 | 1998 |
Crença | 27,7 | 15 | 7,0 |
Descrença | 52,7 | 68 | 72,2 |
Dúvida ou agnosticismo | 20,9 | 17 | 20,8 |
Nota: nos dados de 1998, a soma da crença na imortalidade supera os 100%. Trata-se de erro de impressão do original. Os 76,7% também são muito altos.
Bibliografia
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Notas
- No original, The Case Against God: Science and the Falsifiability Question in Theology.
- Nesta tradução foi mantida a notação americana para as referências bibliográficas, que no corpo do texto remetem o leitor ao ano de publicação da obra citada, independentemente da data original da primeira edição. Todas as notas estão no fim deste artigo e foram mantidas em inglês.
- O catálogo também incluía as mulheres. (N.T)
- Em inglês era: “Do you believe in a personal God?”, mas essa forma, com um adjetivo, “Deus pessoal”, não teria significado entre nós. (N. T.)
- “Grupo de controle” no sentido dado pela metodologia de pesquisa, ou seja, aquele que serve de referência para se avaliar as mudanças ocorridas no grupo estudado. No caso, o dos cientistas. (N. T.)
- No original, “more educated”
- Em latim, “magisteria” é o plural de “magisterio”, caso nominativo. Autoridade da Igreja para estabelecer o que é verdade na religião. “Nonoverlapping magisteria” se traduziria por “magistérios que não se superpõem”. (N. T.)
- Neste ponto, o tradutor preferiu reproduzir todo o parágrafo, sem cortes, tal como foi divulgado em português, no Brasil, pela Igreja Católica, já que no texto de Pigliucci há algumas diferenças em relação a esse trecho do documento. (N. T.)
- O autor emprega inicial minúscula em “deus”, aqui e em outros pontos do texto, em casos em que é costume se grafar esse vocábulo com letra maiúscula, tanto em inglês quanto em português. A tradução manteve essa grafia. (N.T.)
- No original, “intelligent design”. (N. T.)
- No original, “established”. (N. T.)
- No original, “summer salaries“. Inexistente no Brasil. Sua correspondência em nosso país seria o adicional recebido em razão de bolsa de pesquisa.
- Thomas Henry Huxley (1825-1895), biólogo inglês, conhecido como “O buldogue de Darwin” pela sua defesa da teoria da evolução de Charles Darwin. Dois de seus netos também se tornaram famosos: Julien Huxley (1887-1975), igualmente um biólogo notável, e seu irmão Aldous Huxley (1894-1963), um dos maiores escritores ingleses do século XX (N.T.)
Massimo Pigliucci is assistant professor in the departments of Botany and of Ecology and Evolutionary Biology at the University of Tennessee in Knoxville. He has a Doctorate in genetics from the University of Ferrara (Italy), and a Ph.D. in botany from the University of Connecticut. He has been a post-doctoral associate at Brown University. His academic research focuses on the ecology and evolution of genotype-environment interactions, that is on the old nature vs. nurture problem. He wrote two popular science books in Italian: The Romance of Life, on evolution for high school students; and The Road to the Stars, on the exploration of the solar system, co-authored with Franco Foresta Martin. Sinauer is about to publish is technical book Phenotypic Evolution: A Reaction Norm Perspective (co-authored with Carl Schlichting), and he is now finishing a second technical book, Phenotypic Plasticity: Environmental, Molecular, and Organismal Perspectives for Landes-Academic Press.