“…no presente estágio da psicologia e da fisiologia, a crença na imortalidade da alma não pode reivindicar, em qualquer nível, respaldo científico; e tais argumentos, tanto quanto é possível neste assunto, apontam para a provável extinção da personalidade por ocasião da morte.”
Bertrand Russell
Definindo o Problema
Existe vida após a morte? Esta pergunta tem sido feita desde a aurora da civilização. É possivelmente a pergunta mais importante e pessoal que alguém pode fazer à luz da consciência de sua própria mortalidade. A imortalidade é um assunto complexo vinculado a várias outras questões filosóficas que precisam ser analisadas. Um pré-requisito fundamental à abordagem da questão da imortalidade é colocar o problema dentro do contexto adequado.
Corliss Lamont define a imortalidade como:
A sobrevivência literal da personalidade ou consciência humana individual por um período indefinido após a morte [física], com sua memória e percepção de autoidentidade essencialmente intactas (Lamont 22).
Uma distinção fundamental é a diferença entre a sobrevivência da morte corporal e a imortalidade. Sobrevivência implica apenas a continuação da existência da personalidade após a morte física do corpo, sem especificar se tal existência é eterna ou se ocasionalmente conduz à aniquilação (Edwards, “Introduction” 2). Apesar de haver argumentos que tentam provar a indestrutibilidade da alma — e portanto também a imortalidade — (ex. Platão), esses não são a preocupação deste ensaio; tampouco serão levantados os problemas potenciais relacionados à ideia da existência eterna. Este artigo visa tratar da possibilidade lógica e das evidências em favor ou contra a sobrevivência à morte corporal. Argumentos em prol da sobrevivência não estabelecem coisa alguma em favor da imortalidade; todavia, argumentos contra a sobrevivência são argumentos contra a imortalidade. Em outras palavras, a imortalidade pressupõe a possibilidade da sobrevivência. Isto também significa que qualquer evidência considerada pela parapsicologia serve apenas como evidência à sobrevivência (2). Este artigo não irá discutir os argumentos éticos que pretendem estabelecer a imortalidade como uma consequência necessária da benevolência de um Deus onipotente. Esta linha de argumentação nos divergiria do tópico deste documento, tocando argumentos relativos à existência e natureza de Deus, os quais estão além do escopo deste ensaio. Os argumentos analisados aqui serão de natureza filosófica ou empírica.
Há duas posições fundamentais quanto à questão da imortalidade. A hipótese da sobrevivência afirma que a personalidade humana de alguma forma continuará existindo após a morte do corpo físico; a hipótese da extinção defende que a personalidade humana será permanentemente extinta após a morte do corpo. Esta distinção pode parecer redundante e óbvia, mas a necessidade de definições precisas tornar-se-á clara quando analisarmos as teorias da sobrevivência que alegam uma extinção temporária. Admitirei que o ônus da prova recai sobre a hipótese da sobrevivência porque em nossas vidas diárias apenas conhecemos a existência da personalidade em associação com um organismo físico vivo; isto é, evidências conclusivas para a continuação da existência da personalidade após a morte do corpo físico não existem para quaisquer dos pontos de vista que analisarei.
Outra distinção importante é a diferença entre as formas pessoais e as impessoais de sobrevivência. A sobrevivência pessoal significa que as pessoas sobreviverão à morte corporal como indivíduos distintos. Um exemplo de sobrevivência impessoal seria a crença budista no nirvana como uma espécie de Mente Absoluta à qual mentes individuais se fundem ou são absorvidas quando a iluminação é plenamente atingida (Edwards, “Introduction” 2-3). Ente ensaio irá focalizar exclusivamente a sobrevivência pessoal.
Há três “veículos” para a sobrevivência da personalidade após a morte do corpo que serão considerados: a mente desencarnada, o corpo astral e a ressurreição. Esses veículos podem ser usados sozinhos ou em combinação. Uma mente desencarnada é uma substância imaterial e inespacial que constitui o estado mental de uma pessoa — uma “alma”. O corpo astral é uma espécie de matéria exótica; em seu sentido mais fundamental refere-se a uma entidade espacial dotada de características físicas como forma, volume e posição espacial.
Esses critérios precisam ser explicitados a fim de distinguir o corpo astral da mente desencarnada. Consequentemente, a princípio, o corpo astral é detectável, mas na prática isso é extremamente difícil — caso contrário ele seria percebido deixando o corpo por ocasião da morte ou talvez durante experiências extracorpóreas. O corpo astral também pode ser encarado especificamente como um reflexo das características do corpo físico.
A ressurreição corpórea é considerada um milagre patente de Deus nas tradições judaico-cristã e islâmica, e assim pressupõe a veracidade do monoteísmo tradicional. Todavia, como aponta Kai Nielsen, “se os motivos para se acreditar em Deus são escassos, os motivos para se acreditar na ressurreição corpórea são duplamente escassos” (Nielsen 238). Este aspecto é relevante porque argumentos contra a existência de Deus são argumentos decisivos contra a ressurreição; porém os argumentos desta natureza não são minha preocupação neste momento. Para isolar a ressurreição como um veículo para a sobrevivência, assumirei a versão da ressurreição que admite a extinção da personalidade na morte e sua recriação através da ressurreição do corpo. A ressurreição pode ser concebida de duas formas: a ressurreição literal do corpo decomposto ou a criação de um novo corpo ou de uma “réplica”. Deve-se observar que não pode haver evidência empírica em apoio à ressurreição se ela for entendida como um evento futuro na Terra ou um fenômeno que ocorre em outro mundo.
Em filosofia a imortalidade está relacionada ao problema mente-corpo e ao problema da identidade pessoal. O problema mente-corpo diz respeito a como a mente e o corpo relacionam-se um com o outro. Muitas teorias têm sido propostas para solucionar o problema mente-corpo. O materialismo moderno sustenta que os estados mentais são redutíveis a estados cerebrais físicos. Logo, se o materialismo for verdadeiro, a sobrevivência na forma de mentes desencarnadas ou de corpos astrais é excluída automaticamente. O epifenomenalismo, o qual afirma que a mente é um subproduto separado embora dependente do cérebro, tem as mesmas implicações para a sobrevivência. A ressurreição é compatível com ambas teorias da mente. O dualismo que defende que a mente é um ente separado e independente do cérebro é um pressuposto necessário à possibilidade de mentes desencarnadas ou corpos astrais (Edwards “Dependence” 292). A ressurreição é consistente com este dualismo se vinculada à noção de que uma alma constitui a personalidade, e assim não se extingue com a morte corporal, mas continua existindo, e posteriormente recombina-se com um corpo ressuscitado (Flew, “God” 108). A identidade pessoal preocupa-se com o que faz de uma pessoa a mesma pessoa com o passar do tempo. Problemas relacionados à identidade pessoal surgirão dentro do contexto de argumentos específicos sobre a possibilidade lógica da imortalidade.
O Caso Filosófico Contra a Imortalidade
A imortalidade tem sido uma questão debatida principalmente entre filósofos. Desse modo, ao se analisar o caso da extinção permanente da personalidade na morte, é conveniente que sejam discutidos os argumentos filosóficos antes de se examinar as evidências científicas para a aniquilação. Argumentos lógicos, se bem-sucedidos, são decisivos; consequentemente, nem mesmo apelos à fé podem justificar uma crença que é incoerente, pois ninguém compreenderia em que tal indivíduo alega acreditar. A hipótese da extinção é respaldada pelos problemas conceituais que afligem as noções de mentes desencarnadas, de corpos astrais e de ressurreição.
A crença na sobrevivência na forma de mentes desencarnadas pressupõe que as pessoas possuem uma substância imaterial e inespacial que constitui a personalidade. Uma objeção à visão de que seres humanos são essencialmente corpóreos é formulada por Corliss Lamont:
Se examinarmos cuidadosamente seus relatos, descobrimos que… de fato eles proveem este espírito com um corpo… [S]uas descrições dão a ele atividades, funções e ambientes normalmente pertencentes à existência terrena e a corpos naturais. A personalidade imortal… desfruta e sofre um grande número de experiências que seriam simplesmente impossíveis sem a cooperação do… corpo (Lamont 46).
Gardner Murphy ilustra este aspecto quando nos pede “para tentar… imaginar como seria sua existência pessoal se ele fosse despido de todos dispositivos para fazer contato com seu ambiente” (Edwards, “Introduction” 47). Antony Flew dá um excelente exemplo de nossa natureza corpórea:
Considere… como você ensinaria em palavras o significado de uma pessoa para uma criança. Isto é feito… através de algum tipo direto ou indireto de indicação dos membros desta classe especifica de objetos físicos vivos à qual todos nós pertencemos (Flew, “God” 111).
Assim, para citar John Hospers: “O corpo parece estar envolvido com toda atividade que tentamos descrever, apesar de que tenhamos tentado imaginar nossa existência sem ele” (Hospers 280).
Isto levanta uma questão interessante. Mesmo concedendo-se a possibilidade da existência desencarnada, ainda seria necessário justificar a identificação do espírito desencarnado com a pessoa anteriormente de “carne e osso”. C. D. Broad argumenta:
Se não posso conceber claramente como seria ser uma pessoa desencarnada, acho praticamente inacreditável que as experiências de tal pessoa… poderiam ser suficientemente contínuas com aquelas tidas durante sua vida a ponto de constituírem juntas as experiências daquela mesma pessoa (Broad 278).
Muitos filósofos argumentaram que a continuidade corpórea é mais essencial à identidade pessoal que a memória, porque alegações mnemônicas podem ser verdadeiras ou falsas; logo, a memória em si não é suficiente para fazer de você a mesma pessoa ao longo do tempo — a continuidade corporal, eles argumentam, é necessária (Edwards, “Introduction” 48-9).
Outro problema para mentes desencarnadas é o chamado problema da individuação. Basicamente, o problema é este: Como distinguimos a mente A da mente B? A resposta é a localização espacial de seus corpos (Edwards, “Introduction” 49). É inconcebível como duas mente poderiam ser distinguidas de outro modo, especialmente se adicionarmos a condição extra de que estas mentes sejam idênticas em seu conteúdo de pensamento, o que é logicamente possível.
Isso nos traz à noção de corpos astrais. O que as teorias do corpo astral tentam fazer é “retratar a imortalidade em termos de uma imagem visual do corpo inteiramente dissociada da imagem tátil, a fim de preservar a forma do corpo terreno sem sua solidez” (Lamont 48). Este é o tipo de imortalidade que a maioria das pessoas imagina. Esta visão tende a reforçar o argumento de que humanos são essencialmente corpóreos ao definir corpos astrais em relação aos corpos físicos:
Esta visão não… evita o dilema que temos descrito? Sim, mas apenas para confirmar muito claramente nosso argumento central. Tão logo nosso espírito-além-da-morte torna-se ele próprio uma coisa material, é então que recebe um corpo… Deste modo a unidade essencial do corpo-personalidade é novamente demonstrada (Lamont 49).
Flew apresenta o problema da seguinte maneira: “Obviamente, isto é para encontrar alguma caracterização positiva para um corpo astral” (Flew, “God” 117). Ou seja, se vamos começar a levar a noção de corpos astrais a sério, vamos precisar de alguns critérios positivos para o que é ser um corpo astral, em vez de um contraste entre estes e mentes desencarnadas ou corpos físicos normais.
Um absurdo para as teorias do corpo astral é que corpos astrais necessitariam de vestimentas astrais, para não mencionar todo um plano astral que muito convenientemente assemelha-se e funciona quase exatamente igual ao mundo físico(1). Outro problema para as teorias do corpo astral é o da sincronização. O corpo astral é supostamente uma duplicata exata do corpo físico (Edwards, “Introduction” 21). Assim, para cada ação física há uma ação astral correspondente (22).
Como Paul Edwards indica, “todos os eventos na vida de uma pessoa [envolvem] contato físico… [mas] o corpo astral não pode tocar ou ser tocado por outro corpo” (22). Edwards crava o último prego no caixão de uma versão das teorias do corpo astral quando observa que:
Se o corpo astral é uma duplicata exata do corpo regular, então deve morrer juntamente com este… Se o corpo normal morreu como resultado de um tumor cerebral ou como resultado de um tiro no coração, o cérebro e o coração astrais devem ter sido similarmente lesados (22).
Entretanto, não há dificuldades conceituais com uma versão modificada da teoria dos corpos astrais. Não é necessário que os corpos astrais espelhem exatamente os corpos físicos; o mínimo necessário à caracterização de corpos astrais é que apresentem algumas características físicas como forma, volume e posição espacial. Uma caracterização mínima, todavia, dificilmente proporciona uma justificativa plausível. É necessária uma caracterização positiva específica para que a teoria seja crível. Qual a espécie de matéria exótica de que o corpo astral se constitui? Por que o corpo astral permanece indetectável? Como o corpo astral funciona?
Finalmente chegamos à ressurreição. A ressurreição literal de corpos em decomposição enfrenta um simples e insuperável problema: Como as partes constituintes de corpos em fase avançada de decomposição que foram absorvidas por outros seres humanos vão ser reconstituídas se são compartilhadas por outras pessoas? O canibalismo apresenta o mesmo problema.
Outra forma de ressurreição recorre à criação de um novo corpo que não é materialmente contínuo com o antigo. Flew imediatamente objeta: “Produzir um objeto indistinguivelmente similar após o primeiro ter sido destruído e ter desaparecido completamente não equivale a produzir o mesmo objeto novamente, mas uma réplica” (Flew, “God” 107). Peter Van Inwagen argumenta que esta objeção aplica-se até mesmo à ressurreição literal. Ele nos incita a imaginar um manuscrito escrito por Santo Agostinho, queimado pelos arianos em 457, e milagrosamente recriado por Deus em 458 (Van Inwagen 242). Van Inwagen afirma:
O manuscrito criado por Deus… não é o manuscrito que foi destruído, pois os vários átomos que compõem os traços de tinta na sua superfície estão ocupando suas presentes posições não como resultado da atividade de Agostinho, mas da de Deus (Van Inwagen 234).
Ele também usa a analogia de uma casa de blocos construída por uma criança. Se a mãe acidentalmente derruba a casa, e então a reconstrói na mesma configuração da original, a casa resultante não é a construída pela criança, mas a construída pela mãe (Van Inwagen 243).
Como John Hick argumentou, se a réplica pode ou não ser identificada como a pessoa original isso é uma questão de escolha. A “objeção da réplica” admite que o eu de alguém é um fato independente da existência de quaisquer outras pessoas. Em outras palavras, visto que eu não seria a réplica se eu existisse e não tivesse morrido, então não há margem a afirmação de que sou a réplica após a dissolução de meu corpo original. Esta suposição, entretanto, é inválida. Van Inwagen parece estar fazendo jogos linguísticos quando argumenta que reconstituir a pessoa a partir mesma matéria seria uma réplica. O manuscrito criado por Deus tem a mesma história causal que o manuscrito de Santo Agostinho, uma vez que são materialmente contínuos entre si, portanto são o mesmo manuscrito. Uma réplica materialmente contínua com a pessoa original indica identidade, mas continuidade corpórea não é necessária para a identidade pessoal. Se meu carro é consertado e todas as suas peças são gradualmente substituídas, o carro resultante é o mesmo? Sim, de fato. Se cada uma das partes foi sendo substituída, e algum tempo depois o carro foi completamente remontado a partir de componentes novos, mas exatamente com os mesmos materiais, características e configurações do original, o carro resultante é o mesmo. É o mesmo carro porque é a continuação mais próxima do original(2). Se o original existe e uma réplica idêntica é criada, então o original seria a continuação mais próxima e a réplica não seria o mesmo carro. A destruição do original tem importância. Se meu corpo morre, e uma réplica é criada, há margem para que ele seja chamado de eu; se uma réplica é criada, mas meu corpo ainda está vivo, então não há margem para chamá-lo de eu. Portanto a objeção da réplica falha em excluir a possibilidade da ressurreição.
Admitir que a ressurreição corpórea é logicamente possível, entretanto, não é de muita valia. Cientificamente, a crença de que uma pessoa cujos restos tenham virado pó ou sido absorvidos por outros organismos será regenerada como uma réplica plenamente funcional é inacreditável. Usando um dos exemplos de Kai Nielsen, tal evento é tão improvável quanto que um homem venha a desenvolver um exoesqueleto de alumínio enquanto seus ossos transformam-se em barras de ferro (Nielsen 240). Embora possamos imaginar vagamente como tais eventos seriam, quando se chega aos detalhes isso se torna impossível de ser imaginado (Nielsen 240-41). Apresentar uma explicação detalhada de como uma réplica ressuscitada poderia vir à existência seria tão promissor quanto explicar como astronautas poderiam construir uma estação espacial no centro do Sol. Tais eventos são possibilidades lógicas apenas porque não são autocontraditórios como, por exemplo, um quadrado redondo. Todavia, não são possibilidades científicas reais.
Aqueles que acreditam na ressurreição corpórea provavelmente reconheceriam que tudo isto é muito improvável na ausência de um milagre de Deus. Mas argumentariam que a ressurreição não é improvável se for concedida a possibilidade da intervenção divina. A ressurreição, obviamente, pressupõe um ato de Deus, contudo, não temos mais motivos para acreditar que um Criador inteligente ressuscitaria humanos que temos para acreditar que ressuscitaria dinossauros. Este é o caso porque não temos como determinar de modo confiável a probabilidade de qualquer evento uma vez que seja permitida a intervenção sobrenatural. Consequentemente, se admitida a intervenção sobrenatural, a ressurreição torna-se exatamente tão provável quanto o desenvolvimento de um exoesqueleto de alumínio em um indivíduo que ao mesmo tempo tem seus ossos transformados em barras de ferro.
Outro problema para qualquer teoria da sobrevivência é o da regressão da idade, o qual é apresentado por W. T. Stace:
Quando um homem idoso morre, qual é a consciência que sobrevive? É a sua consciência logo antes da morte, que talvez houvesse se tornado débil? Ou a sua consciência da meia-idade? Ou a mente infantil que tinha quando era um bebê? O fato não é que não temos as respostas para essas perguntas… O fato é que todas as possíveis respostas são igualmente insensatas… [U]m homem velho que morre retornará subitamente à meia-idade após sua morte? E uma criança falecida subitamente tornar-se-á madura? (Edwards, “Introduction” 60).
Os problemas conceituais com os três veículos mais comuns para a sobrevivência fazem dela uma possibilidade altamente implausível. A existência desencarnada é inconcebível; os corpos astrais são mal-definidos ou indefinidos demais para garantir sua aceitação; a ressurreição literal não consegue justificar o fato de que muitas pessoas que compartilharam a mesma matéria não podem ser todas ressuscitadas a partir desta mesma matéria. Não há problemas lógicos em relação a uma réplica ressuscitada, mas dada nossa experiência passada, a ressurreição apresenta-se como uma possibilidade extremamente improvável para o futuro.
Agora me voltarei à evidência científica.
O Caso Científico Contra a Imortalidade
A ciência moderna demonstra a dependência que a consciência tem do cérebro, confirmando que a mente deve morrer juntamente com o corpo. Esta conclusão é emocionalmente difícil de se aceitar. Dylan Thomas expressa de modo vigoroso a animosidade que muitos de nós sentem em face da consciência de nossa inevitável extinção: “Não mergulhes docilmente nesta noite boa: revolta-te, revolta-te contra a extinção da luz” (Lamont 211). Miguel de Unamuno expressa sentimentos análogos: “Se é o nada que nos aguarda, então cometamos uma injustiça contra ele; lutemos contra o destino, ainda que sem esperança de vitória” (Lamont 211). Bertrand Russel chega a uma conclusão diferente: “Devo desprezar os calafrios de terror que a ideia da aniquilação traz. A felicidade não é menos verdadeira porque forçosamente terá um fim; tampouco a reflexão e o amor perdem seu valor porque não são eternos” (Edwards, “Immortality” VI). Devo admitir que, quando confrontada à morte de alguém próximo a mim, ou quando ao reflito sobre a minha inevitável morte, não me sinto confortada por estas sábias palavras. Entretanto, não podemos fundamentar nossas crenças no que gostaríamos que fosse verdade; a verdade só pode ser encontrada pesando-se as evidências em função de uma certa ideia. No caso da imortalidade, a hipótese da extinção é respaldada por contundentes e incontroversas evidências provenientes de sólidos dados experimentais de psicofisiologia, enquanto a hipótese da sobrevivência sustenta-se, no máximo, por evidências anedóticas fracas e questionáveis da parapsicologia.
O grito de guerra de muitos parapsicólogos é que encontraram indiscutíveis evidências para a o fenômeno paranormal ou “psi” que são inexplicáveis para a ciência moderna, mas que têm sido ignoradas ou negadas pela comunidade científica principalmente porque não se encaixam aos dogmáticos preconceitos e às noções preconcebidas dos cientistas modernos. Esses parapsicólogos frequentemente falam de uma revolução científica vindoura comparável à descoberta de Copérnico — de que o Sol é o centro do sistema solar. Antony Flew argumenta que as acusações de dogmatismo a priori são infundadas:
É simplesmente grotesco reclamar, na ausência de quaisquer evidências falseáveis decisivas, que esses apelos às… chamadas leis estabelecidas da física são exercícios de um dogmatismo a priori. Pois o que “a priori” significa é: anterior e independe da experiência. Mas nestes… tipos de casos encontramos gigantescas massas de dados empíricos sustentando nossas atuais crenças e nossas atuais descrenças (Flew, “Parapsychology” 138-9).
Não há fundamentos para a conclusão de que a parapsicologia vai liderar alguma espécie de revolução científica. As revolucionárias teorias de Copérnico e Darwin necessitaram do suporte de vários tipos diferentes de evidência sólida antes de ganharem a aceitação da comunidade científica; as previsões de Einstein referentes à relatividade baseavam-se numa teoria científica e foram posteriormente verificadas pela experimentação. Entretanto, quando analisamos a parapsicologia, não encontramos qualquer indicação de tal revolução vindoura. Primeiro, para citar Flew, “a longamente procurada demonstração reprodutível de quaisquer fenômenos psi parece continuar tão distante quanto sempre foi” (Flew, “Parapshychology” 140). Um estudo do National Research Council [Conselho Nacional de Pesquisa] em 1988, publicado como Enhancing Human Performance [Potencializando a Performance Humana], analisou muitas áreas de pesquisa para determinar como potencializar a performance individual ou em grupo (Frazier 150). O relatório da NRC sobre os “Fenômenos Paranormais” concluiu: “O comitê não encontrou justificativas científicas nas pesquisas conduzidas ao longo de um período de 130 anos para a existência de fenômenos parapsicológicos” (Frazier 151). Segundo, “ninguém foi capaz de arquitetar uma teoria sequer parcialmente plausível em favor da ocorrência de quaisquer fenômenos psi” (Flew, “Parapsychology” 140). Finalmente, os parapsicólogos não oferecem nenhum critério positivo para se discernir que tipos de evento deveriam ser classificados como um exemplo de fenômeno paranormal. Como coloca Flew, “todos os termos psi referem-se à ausência de outros meios ou mecanismos, ou à ausência, em qualquer grau, de meios normais e conhecidos” (140).
Obviamente, em geral, a evidência parapsicológica está em falta. Todavia, devemos avaliar a evidência parapsicológica diretamente referida como mais consistente com a sobrevivência. Relatos de aparições podem ser explicados em termos de fraudes e alucinações. Evidências fotográficas de aparições são dúbias(3) porque fantasmas notavelmente tendem a se assemelhar com exposições duplas (“Ghosts” 293). Ademais, aparições podem ser explicadas em termos de alucinações porque:
Há uma tendência para que sejam “vistas” faces e formas humanas mesmo em formas bastante aleatórias… É possível que criações sensoriais desta natureza sejam ocasionalmente evocadas em estados de medo, e parece realmente haver fatores sociais determinando em certo grau as formas adotadas pelos fantasmas(4) [Itálicos meus]… [A] falta de evidências consistentes impossibilita a aceitação geral de fantasmas (293-4).
A teoria de que aparições são alucinações em vez de manifestações externas de falecidos ganha respaldo adicional com as muitas observações de outras pessoas que estavam em posição de avistar a aparição relatada mas não a viram (Cook 128). Finalmente, o fato de que aparições “raramente comunicam alguma informação importante” sugere que experiências com aparições são alucinatórias (Beloff, “Anything” 261).
Experiências extracorpóreas (Out-of-body experiences ou OBEs) também são citadas como evidências parapsicológicas para a sobrevivência. A ex-parapsicóloga Susan Blackmore sumariza os resultados das investigações em OBEs: “Não há evidências reais de psi nas OBEs; não há evidências de qualquer coisa separando-se do corpo; e não há evidências de efeitos causados por entes extracorpóreos” (Blackmore, “Elusive” 132). Experimentos desenvolvidos para detectar a dupla [o indivíduo real e o desdobrado] durante as OBE tiveram resultados negativos:
A magnitude de qualquer efeito detectado tem diminuído com o progresso da sofisticação experimental. Estudos mais recentes utilizaram magnetômetros, termistores, detectores ultravioleta e infravermelho, e assim por diante… mas ainda não foi encontrado um detector confiável (Blackmore, “Oxford” 572).
Parapsicólogos “têm até mesmo utilizado ‘detectores’ animais e humanos, mas nenhum logrou sucesso na detecção de qualquer coisa confiável” (Blackmore, “Near-Death” 38). Outro tipo de experimento foi desenvolvido para determinar se indivíduos em OBE podem obter informações de um local remoto. Blackmore conclui que:
A evidência experimental é fraca. Foi pedido que os indivíduos visualizassem cartas, números ou imagens específicas colocados em salas distantes… [e] outros estudos tentaram descobrir se os indivíduos pareciam estar observando de um local específico durante as OBEs; contudo, os resultados foram inconclusivos. Em geral estes estudos apresentam resultados confusos, e não está claro se há qualquer processo paranormal envolvido (Blackmore, “Oxford” 572).
Parece que a evidência é mais consistente com um modelo psicológico das OBEs:
Se a estimulação sensorial é reduzida ou interrompida, o modelo normal do mundo baseado nos estímulos pode começar a tornar-se instável e esvaecer. Neste caso o sistema cognitivo tentará restaurá-lo ao normal criando um novo modelo do mundo através da imaginação… [a partir] de uma visão panorâmica, como um “olho aéreo” (Blackmore, “Oxford” 573).
De acordo com este modelo, “se a OBE ocorre quando o modelo normal da realidade encontra-se substituído pela visão panorâmica construída pela memória, então pessoas que têm OBEs devem ser mais capazes de utilizar tais visões com memórias e com imagens” (Blackmore, “Elusive” 133). Blackmore conduziu algumas experiências e descobriu que “indivíduos que passaram por OBEs tinham melhor capacidade de mudar pontos de vista, eram especialmente bons em imaginar cenas de uma posição acima de suas cabeças, e tinham maior probabilidade de lembrar de seus sonhos em uma perspectiva panorâmica” (133).
Peter Geach argumenta que a evidência para a “dupla” é fraca porque:
Supõe-se que haja muitos “corpos tênues” por toda parte, e físicos têm muita aparelhagem sensível; todavia, físicos não comprometidos com pesquisas físicas nunca são incomodados pela interferência de “corpos tênues”… A descoberta dos raios-X e dos elétrons não interessou ao público leigo, mas os físicos, para estudarem as evidências; e enquanto os físicos… recusarem-se a levar os “corpos tênues” a sério, um estudo das evidências destes feito por um leigo como eu seria uma perda de tempo (Geach 226).
Outro fenômeno frequentemente citado como evidência da sobrevivência são as experiências de quase-morte [NDEs — Near-death experiences]. Os proponentes da sobrevivência argumentam que o fato de os traços fundamentais das NDEs serem quase invariavelmente relatadas por todos que vivenciam as NDEs constitui uma evidência de uma realidade post-mortem objetiva. Entretanto, esses traços fundamentais podem ser explicados por modelos fisiológicos porque os mesmos processos cerebrais ocorrem no início do processo da morte (ex: privação de oxigênio, liberação de endorfina, descargas neurais aleatórias) daqueles que vivenciam NDEs, e portanto suas experiências subjetivam devem ser similares (Blackmore, “Dying” 261). Outro argumento é o de que NDEs são reais porque parecem reais; isto constitui uma evidência de que as NDEs refletem uma realidade externa tanto quanto o fato de alucinações parecerem reais constitui uma evidência de que são reais. Alguns pesquisadores alegaram que informações foram obtidas em NDEs através de meios não-sensoriais, mas não há evidência experimental respaldando tais afirmações. Madelaine Lawrence desenvolveu um experimento de obtenção de informações onde uma tela eletrônica era colocada na ala de reabilitação cardíaca no Hospital Hartford, Connecticut, que exibia uma sentença que mudava aleatoriamente e que não podia ser vista em favor do paciente ou da equipe (Lawrence 158-9). Quando alguém tinha uma NDE, tudo que precisava fazer era repetir o que a sentença dizia; então a equipe podia informar o que o paciente em NDE disse para que fosse determinado se houve um acerto. Os resultados não produziram quaisquer evidências de que alguém pôde obter informações de um local remoto durante uma NDE(5). A precisão das descrições do ambiente em NDEs pode basear-se em percepções semiconscientes do ambiente anteriores ao colapso da percepção, que são incorporadas à imagética alucinatória durante as NDEs. Não há corroboração para alegações de percepção exterior ao ambiente imediato do paciente(6) ou de percepções precisas em NDEs no escuro(7), portanto o argumento paranormal não constitui evidência em favor sobrevivência (125-133). Finalmente, o fato de que pessoas experimentaram transformações de personalidade após NDEs não indica uma experiência mística post-mortem. Um estudo conduzido por Kenneth Ring descobriu que transformações de personalidade ocorreram em pessoas que chegaram medicamente próximas da morte, tendo elas vivenciado a NDE ou não, sugerindo que a transformação resultou do confronto com a morte em vez da NDE (248-9).
Algumas descobertas das pesquisas sobre NDE são mais consistentes com modelos fisiológicos e psicológicos. Nenhum dos pacientes que manifestaram NDEs tiveram morte cerebral, pois esta é irreversível (Beyerstein 46). Primeiro, NDEs apenas ocorrem em um terço de todos os casos onde há crises de quase-morte (Ring 194). Segundo, os detalhes das NDEs dependem da bagagem cultural e da personalidade do indivíduo (Ring 195). Terceiro, fatores fisiológicos e psicológicos afetam o conteúdo das NDEs. Barulhos, túneis, luzes brilhantes e outros seres são comuns em condições fisiológicas que afetam diretamente o estado cerebral, como ataques cardíacos e anestesias; enquanto euforia, sentimentos místicos, flash-back da vida e transformações positivas podem ocorrer quando pessoas simplesmente acreditam que vão morrer (Blackmore, “Dying” 44-45). Quarto, os traços fundamentais das NDEs são observados em alucinações naturais ou induzidas por drogas (Siegel 174). A OBE pode ser induzida pelo anestésico cetamina (Blackmore, “Dying” 170). A experiência de um túnel é uma forma comum de alucinação psicodélica (Siegel 175-6). Todos os estágios da NDE ocorreram sequencialmente sob influência de haxixe (Blackmore, “Dying” 42-3). Quinto, o acúmulo de dióxido de carbono no cérebro induz NDEs (Blackmore, “Dying” 53-4). Sexto, a revisão panorâmica da vida assemelha-se muito a uma forma de epilepsia do lobo temporal (206). Há até casos onde epiléticos que tiveram OBEs ou viram aparições de amigos e familiares falecidos durante seus ataques (206). Sétimo, simulações computadorizadas de descargas neurais aleatórias baseadas no mapeamento olho-cérebro do córtex visual produziram o túnel e a luz característicos das NDEs (84). Oitavo, o fato de que a naloxona — um antagonista opiato que inibe os efeitos da endorfina no cérebro — interrompe as NDEs proporciona alguma confirmação da teoria endorfínica para a NDE:
Dentro de um minuto [após ter sido administrada a naloxona] ele acordou em um estado de agitação e posteriormente relatou que uma experiência do tipo NDE foi aparentemente interrompida pela naloxona, sugerindo que a experiência talvez tenha sido mediada por peptídeos opioides (Saavedra-Aguilar and Gomez-Jeria 210-211).
Finalmente, NDEs podem ser induzidas por estimulação elétrica direta de áreas cerebrais circundantes à fissura sílvica no lobo temporal direito (Morse 104).
Outras descobertas são absolutamente inconsistentes com a hipótese da sobrevivência. Os túneis descritos nas NDEs variam consideravelmente em forma. Se as NDEs refletissem uma realidade externa, esperar-se-ia consistência quanto à forma do túnel que as experiências relatam (Blackmore, “Dying” 77). Ademais, casos de NDE foram relatados onde o paciente identificou os “seres de luz” como sendo a equipe médica fazendo as tentativas de ressuscitação (227). Finalmente, o fato de que “crianças são mais propensas a ver amigos vivos que amigos falecidos” durante NDEs sugere fortemente que as NDEs não são experiências de uma realidade externa post-mortem. (Blackmore, “Near-Death” 36).
Memórias de vidas passadas também são consideradas evidências da sobrevivência, especialmente da reencarnação. Há evidências reunidas por parapsicólogos onde pessoas fornecem detalhes históricos precisos quando descrevem, sob hipnose, “memórias” de “vidas passadas”. Esta evidência, entretanto, é mais consistente com uma explicação alternativa — a criptomnésia. Melvin Harris descreve este fenômeno:
Para compreender a criptomnésia precisamos pensar no subconsciente como uma vasto e confuso depósito de informação. Esta informação vem de livros, de jornais, de revistas, de palestras, de programas de televisão e rádio, de observação direta e até de fragmentos de conversas ouvidos por acaso. Sob circunstâncias normais a maior parte deste conhecimento não está sujeito à recordação, mas algumas vezes estas informações profundamente enterradas são revividas espontaneamente. Elas podem emergir de maneira obscura, pois suas origens foram complemente esquecidas (Harris 19).
Há numerosos casos onde a informação das regressões a vidas passadas teve suas fontes mundanas rastreadas após investigações mais aprofundadas (Edwards, “Introduction” 9). De fato,
Em todos os casos [de vida passada] evocados sob hipnose até o momento, ou nunca houve tal pessoa como descrita, ou o personagem em questão poderia ter sido conhecido pelo informante que… talvez não estivesse conscientemente ao corrente da fonte daquele conhecimento (Beloff, “Anything” 262).
Outro tipo de memória de vidas passadas não envolve regressão hipnótica. “Memórias” de vidas passadas espontaneamente surgiram durante a infância em casos investigados na Índia por Ian Stevenson. Stevenson pesquisou casos onde crianças geralmente entre dois e quatro anos de idade começavam a falar sobre suas “vidas passadas” e suas “mortes passadas” (Edwards, “Introduction” 11). Normalmente as memórias desaparecem aos oito anos. Em vários casos as pessoas que as crianças alegaram ter sido numa vida passada de fato existiram e muitas descrições foram feitas com precisão (11).
Stevenson descartou a possibilidade de fraude porque não encontrou motivos que a justificassem. Ian Wilson aponta que muitas crianças afirmavam ter pertencido a uma casta superior, deste modo uma motivação para melhores condições de vida é óbvia (Edwards, “Introduction” 12). Em um caso um garoto queria um terço das terras “de seu pai na vida passada” (12). Stevenson contratou David Barker, que estava pesquisando para uma dissertação sobre antropologia na Índia, para ajudá-lo a analisar alguns de seus casos, e Barker concluiu que não havia uma única evidência convincente de qualquer fator paranormal (12). Stevenson também contratou o advogado Champe Ransom para analisar alguns casos. Ransom concluiu:
Os casos de Stevenson não chegam a representar sequer uma evidência aleijada. Em apenas 11 — dos aproximadamente 1,111 — casos de reencarnação não havia ocorrido contado entre as duas famílias antes do início da investigação. Destes onze, sete eram seriamente inconsistentes em algum aspecto. Isto significa que, na grande maioria dos casos, as duas famílias tinham se encontrado anos antes de a investigação científica ter começado e que a probabilidade de testemunho independente era bastante reduzida. Os casos de reencarnação são evidências anedóticas do tipo mais fraco (Edwards, “Introduction” 14).
O fato de que a grande maioria dos casos de Stevenson veio de países onde a crença religiosa na reencarnação é forte — e raramente de outros locais — parece indicar que não é a reencarnação, mas o condicionamento cultural que engendra as alegações de memórias espontâneas de vidas passadas. Além disso, a reencarnação parece incapaz de explicar os casos espontâneos nos quais crianças alegavam lembrar da “vida passada” de uma pessoa que havia morrido após a criança ter nascido (Cook 129).
Embora a mediunidade seja frequentemente citada com evidência da sobrevivência, a maior parte deste tipo de material é dúbia. A maioria das consultas com médiuns pode ser explicada em termos de adivinhação e sugestões óbvias ou subliminares fornecidas pelos consultante (Becker 9). Ademais, como Peter Geach salienta, “Há casos — tão bem-autenticados quanto quaisquer outros — em que o médium convincentemente desempenhou o papel de X e disse coisas que ‘Apenas X poderia saber’ quando X de fato estava vivo e normalmente consciente” (Geach 231). Carl Becker conclui que:
A teoria de que médiuns comunicam-se com inteligências desencarnadas torna-se ainda mais suspeita à luz dos experimentos nos quais o “contato mediúnico” foi feito com indivíduos vivos ou demonstravelmente fictícios. O evidente potencial de fraude neste negócio lançou tantas suspeitas sobre a profissão que atualmente poucos parapsicólogos se valem de sessões mediúnicas como uma de suas fontes de evidência (Becker 9).
O falecido Robert Thouless, ex-presidente da Society for Psychical Research [Sociedade para Pesquisa Psíquica], desenvolveu um teste para a sobrevivência onde uma mensagem é criptografada de tal modo que apenas poderia ser decodificada pelas palavras-chave conhecidas unicamente por aquele que havia morrido (Stevenson 114). Thouless produziu três mensagens criptografadas para si próprio, esperando comunicar, após sua morte, as palavras-chave que decodificariam suas mensagens para seus colegas através de um médium. Apesar de a primeira cifra proposta por ter sido desvendada poucas semanas após sua publicação, nenhuma das outras duas foi decifrada durante sua vida, provendo um raro ensejo para que parapsicólogos produzissem uma evidência realmente contundente da sobrevivência à morte corporal. A chave para uma das cifras remanescentes (uma reposição para a chave decifrada) foi uma chave simples de suas palavras; a chave para a outra era uma passagem literária de aproximadamente cem palavras. A chave literária, apesar de longa, poderia ser obtida simplesmente transcrevendo-se o título do livro, a localização da passagem naquele livro e mais duas palavras no começo da passagem (Oram 118).
A conselho de Ian Stevenson, Thouless também transpôs as primeiras seis letras de sua chave de duas palavras em números utilizando uma tabela publicada, a fim de configurar uma fechadura de combinação com aqueles números (Stevenson 114). Diferentemente dos testes de Thouless com mensagens cifradas, o teste com a fechadura de combinação necessita de que a chave inteira seja conhecida para destrancá-la, e não dá indicações de que se esteja chegando perto de encontrá-la através de tentativas aproximadas, deste modo excluindo a possibilidade de que alguém poderia restringir suas opções tentando repetitivamente destrancar a fechadura de combinação (115). Stevenson informou que a chance de se acertar a chave correta para a fechadura de combinação puramente por acaso era de uma em 125 mil (115).
Quando Thouless morreu em 1984, aproximadamente uma centena de candidatos foram submetidos à Society for Psychical Reserach, alguns quais eram médiuns, mas nenhum deles foi capaz de decifrar quaisquer dos códigos de Thouless (Stevenson 114). Não obstante, em 1995, James Gillogly conseguiu decodificar uma das mensagens de Thouless usando as duas palavras-chave “black beauty”, geradas por um programa de computador de sua autoria(8), o qual produziu a mensagem: “Esta é uma cifra que não será lida a menos que eu dê as palavras-chave”. A descoberta da chave de duas palavras de Thouless foi posteriormente confirmada quando Stevenson utilizou sua tabela para transpor “BLACKB” em números, os quais destrancaram a fechadura de combinação de Thouless (155).
A falha no teste de Thouless que possibilitou sua decifração foi o uso de palavras triviais para a chave, que poderiam ser facilmente cruzadas por um programa de computador desenvolvido para formar combinações de duas palavras a partir das de um dicionário comum (Oram 116). Surpreendentemente, o parapsicólogo Arthur Oram chegou à crédula conclusão de que as repetidas falhas dos médiuns em apresentar uma chave que decifrasse as mensagens de Thouless, apesar dos numerosos testes, devia-se à incapacidade do falecido Thouless de recordar-se das simples palavras-chave “no outro lado”! (Apesar de que o falecido Thouless aparentemente recordava quem era Oram e outros fatos similares) (Oram 117). Uma explicação mais simples para essas falhas é a de que Thouless não podia comunicar as palavras-chave porque não havia de fato “sobrevivido” à morte, e assim não estava em contato com Oram através dos médiuns. Para seu crédito, Oram reconhece este ponto:
Parece honesto admitir que se [os médiuns] estivessem efetivamente em contato com Thouless, teriam ou fornecido a chave ou uma explicação [e o porquê] de que ele não podia lembrar ou comunicar a chave… [Um] considerável número de pessoas sentiu estar em contado com Thouless e algumas sentiram isto profundamente, incluindo pelo menos uma daquelas que enviaram palavras-chave incorretas [itálicos meus] (117).
Em relação ao teste mais simples de Thouless, Oram informa: “Não há casos em nossos registros de ninguém que tenha fornecido a chave de duas palavras de modo sequer parcialmente correto” (118). Outros semelhantes testes diretos para a hipótese da sobrevivência também geraram resultados negativos: todas as tentativas de se obter post-mortem a chave literária de Thouless para sua mensagem remanescente, a chave mnemônica de J. Gaither Pratt para sua fechadura de combinação e a chave para a mensagem cifrada de T. E. Wood malograram. (Stevenson, et al, 329-334). Oram sucintamente caracteriza a condição da evidência experimental mediúnica para a sobrevivência: “Podemos apenas ter certeza de dois fatos concernentes a esta pesquisa; um é que houve esforços para se obter as palavras-chave através de médiuns; o outro fato é que não as obtivemos” (Oram 118).
Em todos estes casos é importante perceber que explicações alternativas não precisam ser provadas. Contrariamente, se há a pretensão de que certos fenômenos sejam considerados indicativos da sobrevivência, então a sobrevivência deve ser a única hipótese consistente capaz de explicar a evidência. De outro modo os argumentos à sobrevivência não têm qualquer força: “Se explicações racionais podem ser propostas, então a alegação desaparece, não importando quão bizarro seja o evento, pois o ônus é sempre demonstrar que o evento é paranormal” (Gregory 577).
Enquanto a evidência parapsicológica para a sobrevivência é insuficiente, a evidência fisiológica para a extinção é mais que suficiente. Em meados do século XVIII o filósofo David Hume declarou as bases fundamentais do argumento empírico para a aniquilação:
A fraqueza do corpo e a da mente na infância são exatamente proporcionais; seu vigor na vida adulta, sua desordem na doença, seu definhamento gradual na velhice; o passo subsequente parece inevitável: a dissolução de ambos na morte (Hume 138).
Barry Beyerstein salienta que a visão “de que a consciência é inseparável do funcionamento do cérebro do indivíduo continua sendo a pedra de toque da psicofisiologia” (Beyerstein 44). Isto se deve, diz ele, à “simplicidade da teoria, à produtividade da pesquisa, à gama de fenômenos em seu favor e à ausência de contraevidências confiáveis” (45).
Beyerstein lista os cincos principais tipos de evidências empíricas que respaldam a dependência da consciência em relação ao cérebro. Primeiro, a evidência filogenética, que se refere ao relacionamento evolucionário entre a complexidade do cérebro e os traços cognitivos de uma espécie (Beyerstein 45). Corliss Lamont sumariza esta evidência: “Descobrimos que quanto maior a complexidade e o tamanho do cérebro e do seu córtex cerebral em relação ao corpo do animal, mais evoluída e mais versátil é a forma de vida” (Lamont 63). Segundo, a evidência do desenvolvimento para a dependência mente-corpo é a de que as habilidades mentais surgem conjuntamente ao desenvolvimento do cérebro; a falha no desenvolvimento do cérebro impede o desenvolvimento mental (Beyerstein 45). Terceiro, a evidência clínica consiste em casos de dano cerebral resultante de acidentes, toxinas, doenças e desnutrição que não raro resultam em detrimento do funcionamento mental (45). Se a mente pudesse existir independentemente do cérebro, por que não poderia compensar as faculdades perdidas quando as células do cérebro morrem após danos cerebrais? (46). Quarto, a mais forte evidência empírica para a dependência mente-cérebro deriva de experimentos neurocientíficos. Estados mentais são correlacionados com estados cerebrais; estimulação elétrica ou química do cérebro humano evoca percepções, memórias, desejos e outros estados mentais (45). Finalmente, a evidência experimental da dependência mente-cérebro consiste nos efeitos de vários diferentes tipos de drogas que afetam os estados mentais de modo previsível (45).
A memória é essencial à autoidentidade. Estimulação elétrica ou química do cérebro pode impedir a formação de novas memórias e causar a perda de memória para eventos que ocorreram até três anos antes da intervenção (Stokes 71). Os neurocientistas acumularam uma considerável quantidade de evidências de que os traços da memória de longo prazo “são dependentes de — e talvez consistam de — mudanças na força das conexões sinápticas entre os neurônios” (Stokes 73). Lamont argumenta isto porque:
O funcionamento apropriado da memória… depende… dos padrões de associação estabelecidos como impressões estruturais duradouras através de conexões interneurônicas… é extremamente difícil compreender como poderiam sobreviver após a destruição do cérebro vivo no qual tinham seu lócus original (Lamont 76).
Evidência experimental extra para a dependência mente-cérebro deriva dos pacientes com “cérebro dividido” que foram sujeitos a uma operação que corta o corpo caloso para reduzir ataques epiléticos (Beyerstein 45). O corpo caloso é uma larga banda de fibras que conecta diretamente os hemisférios esquerdo e direito do cérebro. Se alguma informação for apenas apresentada a um hemisfério do paciente com “cérebro dividido”, o outro hemisfério não a detecta e é incapaz de compreender as reações do hemisfério informado (45). O resultado da cirurgia de separação cerebral é a formação de dois sistemas mentais, cada qual com atributos mentais independentes (45). Uma variedade de testes psicológicos corrobora a existência de dois fluxos de consciência demonstravelmente alheios ao conteúdo um do outro (Parfit 248). Para citar um exemplo engraçado, “um dos pacientes reclamava que, às vezes, quando abraçava sua esposa, sua mão esquerda a empurrava” (Parfit 249). Beyerstein questiona: “Se existe uma mente que ‘flutua livremente’, por que ela não é capaz de manter a unidade da consciência funcionando como uma ponte para a informação entre os dois hemisférios desconectados?” (Beyerstein 46).
Um dos argumentos mais fortes para a dependência mente-cérebro vem dos efeitos dos “marcapassos cerebrais” que estimulam eletricamente o cerebelo no cérebro de psicóticos (Hooper e Teresi 154). O exemplo a seguir ilustra tais efeitos:
Outro paciente, um ex-físico severamente deprimido, era perturbado por vozes em sua cabeça que o mandavam estrangular sua esposa. Quando recebeu um dos marcapassos do Dr. Heath em 1977, as vozes infernais desapareceram juntamente com sua depressão perene… Mas os fios do marcapasso eventualmente quebraram, e então novamente sua esposa foi ameaçada de estrangulamento. Quando o aparelho foi consertado, concomitantemente também se consertou a psique do homem (Hooper e Teresi 155).
Estes são apenas alguns poucos exemplos neurocientíficos da dependência da consciência em relação ao cérebro. Sabemos que alterando a química cerebral pode-se causar drásticas alterações de personalidade. Esquizofrenia e Alzheimer são exemplos dramáticos da dependência mente-cérebro. Se você está pensando em suicídio, não vá a um psiquiatra, vá a um farmacologista: a combinação de um antidepressivo e triptofano deverá banir todos os pensamentos de por um fim à sua vida (Hooper e Teresi 171).
Os proponentes da sobrevivência que pensam que o cérebro é um instrumento da alma usam argumentos como o seguinte numa tentativa de reconciliar a fisiologia e a alma:
Um vidro colorido… [tem] apenas uma função condutora em relação à luz que brilha através [dele], pois não cria os raios [ele próprio]. O mesmo pode ser dito de um órgão que transforma o ar já existente em música. Similarmente o corpo humano poderia agir como um aparato transmissor para a alma sobrenatural (Lamont 98).
Corliss Lamont torna evidente que este argumento não tem força:
Uma lesão grave na cabeça, por exemplo, pode transformar um homem normalmente alegre num indivíduo taciturno e sombrio sujeito a tendências maníaco-homicidas. Se o cérebro e o corpo são simplesmente os instrumentos da alma, temos de dizer que em tal caso esta personalidade ainda está repleta de alegria e benevolência, mas que infelizmente tais sentimentos apenas expressam-se através de olhares sombrios, reclamações mal-humoradas e ataques violentos (Lamont 100).
Lamont continua:
Suponha… que [ele] se torne definitivamente louco… [e] convença-se de que é Napoleão… Devemos dizer que sua verdadeira personalidade ainda é normal, que sua alma ainda está pensando de modo claro e saudável, que retornará ao normal tão logo se livre de seu corpo quando vier a morrer? (100)
As ilustrações da “teoria instrumental” revelam uma falha fulminante:
Se o corpo humano corresponde a um vidro colorido… então a personalidade vivente corresponde à luz colorida que resulta do vidro… Apesar de que a luz em geral continuará a existir sem o vidro colorido… os raios de luz vermelhos, azuis ou amarelos específicos que o vidro produz… certamente não persistirão se o vidro [for] destruído (Lamont 104).
As consequências da teoria instrumental são absurdas. Ao longo do envelhecimento, habilidades mentais podem ser irrevogavelmente perdidas uma a uma,
Porém se em vez de os sentidos serem destruídos separadamente e gradualmente por uma doença ou acidente, são todos simultaneamente destruídos pela morte, o imortalismo dualístico nos pede para acreditar que irão continuar em algum outro estado com capacidades inalteradas, se não grandemente melhoradas! (Lamont 102).
Paul Edwards pergunta: “Como a completa destruição do cérebro perpetra uma cura que até o momento tem frustrado totalmente a ciência médica?” (Edwards, “Dependence” 296). Edwards argumenta que a teoria instrumental é inconsistente com a doença de Alzheimer:
O cérebro de um paciente com Alzheimer é severamente danificado e a maior parte de sua mente foi perdida. Após sua morte seu cérebro não é apenas danificado, mas completamente destruído. É certamente lógico concluir que agora sua mente também se foi (296).
Se sob certas circunstâncias a mente não pode sobreviver à vida, como pode sobreviver à morte? Edwards apresenta uma clara ilustração da incompatibilidade da teoria instrumental com fatos da doença de Alzheimer. Antes de ser afligida pelo Alzheimer, a “Sra D” era uma pessoa atenciosa e compassiva, com uma mente em pleno funcionamento. Todavia,
Na época em que ela não podia mais reconhecer sua filha, ela bateu [em uma] mulher paralítica em duas ou três ocasiões… [A teoria instrumental] implica que durante todo o tempo em que Sra D. sofreu de Alzheimer sua mente estava intacta. Ela reconhecia sua filha, mas tinha perdido a sua capacidade de expressar esse reconhecimento. Ela não tinha o desejo de espancar uma inofensiva mulher paralítica. Em contrapartida, “por dentro”, ela continuava sendo a mesma pessoa atenciosa que era antes do surgimento da enfermidade. Simplesmente sua doença mental impedia que ela agisse em concordância com suas verdadeiras emoções… [E]stas são as implicações da teoria de que a mente sobrevive à morte do cérebro e de que o cérebro é apenas um instrumento para a comunicação. Certamente essas implicações são absurdas (299-300).
Outros proponentes da sobrevivência reconhecem a evidência da dependência mente-cérebro, mas tentam evitar a conclusão da extinção pessoal na morte. Douglas Stokes, por exemplo, escreve:
[A] dependência íntima que a personalidade de um indivíduo tem do estado cerebral faz parecer improvável que sua personalidade e memórias poderiam permanecer intactas em grande parte após a destruição do cérebro. Entretanto, memórias, sentimentos, disposições comportamentais e outros traços provavelmente não são aspectos da mente que deveriam ser identificados com um ego inalterável… Parece que o ego deve ser o que Hart denominou “eu pensante”, aquela entidade que pensa os pensamentos, que sente as sensações, que sente os sentimentos e que lembra as memórias em vez de ser os próprios pensamentos, sensações, sentimentos e memórias (Stokes 76).
A tentativa de Stokes para dar margem à sobrevivência ao mesmo tempo em que reconhece as fortes e consistentes evidências da dependência mente-cérebro é hipócrita. Aceitando as implicações destas evidências, Stokes eliminou a possibilidade de qualquer forma de sobrevivência pessoal (ressurreição à parte). Uma vez que o indivíduo tenha sido despido de suas memórias, disposições, habilidades mentais e traços da personalidade, não resta nada senão uma tabula rasa. Esta “lousa em branco” não poderia ser o veículo da sobrevivência pessoal; a mente de um indivíduo falecido seria reduzida a algo como a mente de uma criança, apenas separada de quaisquer meios para perceber ou interagir com seu ambiente. A maioria de nós consideraria a redução da mente de um adulto produtivo, enquanto vivo, à mente de uma criança, como uma tragédia tão grande quanto a própria morte; deste modo, a existência crua que Stokes concede à mente após a morte dificilmente seria melhor que a extinção. De fato, parece ininteligível alegar que um certo indivíduo “sobreviveu” à morte sendo que perdeu todas suas características mentais distintivas (um problema particularmente pungente à ideia da reencarnação). A continuação existencial de um “eu indiferenciado” isento dos traços mentais que caracterizam a unicidade de um indivíduo particular constitui uma sobrevivência pessoal tanto quanto a continuação existencial dos ossos de alguém.
William Hasker adota uma abordagem diferente. Ele também reconhece a evidência da dependência da consciência em relação ao cérebro:
Apesar do dualismo ter se empenhado, acima de tudo, em afirmar a independência da mente em relação ao cérebro, tanto as descobertas científicas quanto a observação do dia-a-dia combinadamente evidenciam a dependência que a mente possui das condições corporais. Uma listagem parcial dos dados relevantes incluiria: A dependência da personalidade em relação ao balanço hormonal, à determinação genética dos atributos e defeitos mentais através da estrutura do DNA, aos efeitos de drogas sobre os estados mentais e às mudanças de personalidade nas pessoas que se submeteram a operações como leucotomia frontal ou temporal… [E]stas descobertas… analisadas em conjunto… demonstram uma profunda e ampla dependência dos aspectos mentais, emocionais e até dos espirituais da personalidade humana em relação à base biológica do cérebro humano e do sistema nervoso (Hasker 306).
Como Hasker tenta reconciliar a evidência para a dependência mente-cérebro com a hipótese da sobrevivência? Sua alegação de que “apesar de originalmente produzida pelo cérebro e dependente dele em muitos aspectos, a mente é capaz de continuar a existir e funcionar sem o cérebro após a morte do corpo” parece ininteligível (307). Como ele próprio pergunta, “Se… a mente ou a alma é gerada pelo cérebro e é dependente deste em todos os sentidos já salientados, como pode deixar de perecer juntamente com o cérebro?” (307).
Apesar de Hasker não responder esta questão de modo satisfatório, ele apresenta uma analogia para tentar explicar sua conclusão:
Um buraco negro… é um campo gravitacional inacreditavelmente intenso que originalmente é gerado por um objeto maciço; entretanto, uma vez formado o buraco negro, este literalmente comprime o objeto até suprimi-lo da existência. Assim, de acordo com Roger Penrose, “Após o corpo ter colapsado, é melhor pensar no buraco negro como um campo gravitacional suficiente em si mesmo. O corpo que o gerou originalmente já não lhe tem qualquer utilidade!” Poderia, então, a mente humana, assim como buraco negro, tornar-se um campo consciencial autossuficiente? (308).
Para que nos serve esta analogia? Receio que haja discrepâncias demais entre a mente e um buraco negro para que se possa inferir quaisquer conclusões confiáveis sobre a relação mente-cérebro. Por exemplo, um buraco negro é criado quando a estrela em colapso que o gerou é destruída. O cérebro, em contrapartida, não é destruído quando a mente vem à existência. O buraco negro e a estrela que o criou não existem simultaneamente, diferentemente da mente e do cérebro. De modo mais contundente, entretanto, quando a mente vem à existência, nesta analogia, ela não deveria mais precisar do cérebro, uma vez que já foi criada — isto é, mesmo antes de o cérebro ser destruído. A analogia com o buraco negro, como a da criança que cresceu no útero mas que já não depende deste para sua subsistência após o nascimento, é um exemplo de geração sem dependência na continuação. A relação mente-cérebro, por outro lado, é um exemplo da dependência da mente em relação ao cérebro tanto na geração quanto na continuação. Esta relação é captada de maneira mais precisa através da analogia da dependência de um campo magnético em relação um imã; mas já que o campo magnético deixa de existir quando o imã é destruído, não surpreende que Hasker rejeite esta analogia — que é mais aproximada — a fim de evitar suas consequências.
Se a mente depende do cérebro ao longo da vida, então tudo leva a crer que também depende do cérebro mesmo quando a morte se aproxima. O simples fato de que o organismo humano está aproximando-se da morte não irá repentinamente transformar a mente numa entidade independente que não precisa mais do cérebro para funcionar. A dependência que os estados mentais têm do cérebro durante a vida implica fortemente que quando o cérebro morre a mente morre com ele, exatamente como um programa de computador não-duplicado deixa de existir quando o computador que o processa é completamente destruído. Deste modo, a evidência da dependência contínua da consciência em relação ao cérebro proporciona um forte respaldo empírico para a hipótese da extinção.
Um último aspecto a ser salientado sobre a implausibilidade da sobrevivência, dado nosso conhecimento sobre nossa herança evolucionária, é o fato…
De ser patentemente absurdo esperar que toda a miríade de espécimes de todas as miríades de espécies de vida desde o começo da evolução irá continuar existindo eternamente em outro mundo. É a este tipo de absurdidade que somos conduzidos quando começamos a dar crédito à teoria dualística de que o homem tem uma alma imortal… que pode existir independentemente do corpo (Lamont 117).
Neurocientistas concordam que os fatos citados acima são realmente fatos. Além disso, cientistas fora do campo da neurociência não duvidam de que as demonstrações da dependência da consciência em relação ao cérebro são válidas. Por outro lado, “a maioria dos cientistas fora do campo da parapsicologia não aceita a existência de fenômenos psíquicos” (“Parapsychology”). Mesmo dentro da parapsicologia encontramos poucos parapsicólogos que acreditam que a psi seja indicadora da sobrevivência da morte corporal(9). John Beloff afirma que:
Não se deveria pensar que… todos parapsicólogos necessariamente precisam aceitar a interpretação dualista da relação mente-corpo. Especialmente no momento atual, muito expoentes preferem pensar na psi essencialmente como uma função do cérebro ou algum mecanismo ou processo especial do cérebro (Beloff, “Parapsychology” 586).
Em outras palavras, a maioria dos parapsicólogos aceita a dependência que a consciência tem do cérebro! Isto deixa a hipótese da sobrevivência numa posição complicada, uma vez que os fenômenos paranormais são a melhor fonte de evidências que os proponentes da sobrevivência têm para oferecer. Mesmo se alguém estiver inclinado a acreditar que os fenômenos paranormais podem ser mais bem explicados em termos de sobrevivência, a existência de tais fenômenos é improvável porque “um século após a fundação da Society for Psychical Reserch [Sociedade para Pesquisa Psíquica], ainda há total falta de consenso em relação à veracidade de quaisquer fenômenos parapsicológicos” (Beloff, “Parapsychology” 586). Esta falta de consenso se deve à falta de evidência para a psi:
Com única exceção da hipnose, nem mesmo a existência de um dos fenômenos originalmente classificados como sobrenaturais, ou posteriormente como paranormais, conseguiu aceitação geral entre a comunidade científica; nenhum efeito paranormal demonstrável ou repetível foi descoberto; nenhuma característica ou lei foi encontrada para respaldar aqueles experimentos que alegam resultados positivos (Scott 579).
Penso que apresentei uma representação bastante acurada das evidências de ambos os lados desta questão, e que, ao pesar as evidências, a balança claramente aponta em favor da extinção. Dada essa conclusão, é irracional tomar a posição de Unamuno e “lutar contra o destino, ainda que sem esperança de vitória” (Lamont 311). Não devemos permitir que nossas emoções obscureçam nosso julgamento. Ou, como Corliss Lamont disse:
Não pedimos para nascer; não pedimos para morrer. Mas nascidos estamos, e morrer nós vamos. Passamos a existir e deixamos de existir. E em ambos os casos nenhum destino arbitrário aguarda por nossa ratificação de seu decreto (Lamont 278).
Notas
- Susan Blackmore apresenta várias dificuldades conceituais em relação às noções de corpos astrais e mundos astrais no Capítulo 21 (“Reassessing the Theories”) de seu Beyond the Body (Academy Chigado Publishers, 1992).
- Para uma discussão mais detalhada sobre a visão do continuador mais próximo e as várias razões para se acreditar que é uma questão de opinião se uma réplica pode ou não ser identificada como você, Cf. “The Closest Continuer View” por Robert Nozick em Self and Identity editado por Daniel Kolak e Raymond Martin (Macmillian, 1991).
- Recomendo especialmente os Arquivos Investigativos de Joe Nickell intitulados “Gostly Photos” na Skeptical Inquirer de Julho/Agosto de 1996.
- Em Ghosts: Appearances of the Dead and Cultural Transformation (Prometheus Books, 1996) de Ronald C. Finucane demonstra que o modo como os fantasmas aparecem variou em diferentes eras de acordo com as expectativas sociais, implicando que fantasmas são alucinações culturalmente dependentes, e não manifestações de entidades espirituais.
- Outros experimentos de obtenção de informação em NDEs foram conduzidos por Peter Fenwick e Charles Tart, chegando a resultados similares. Apesar da ausência de evidência não ser evidência da ausência, a total falta de evidência experimental para a percepção paranormal em OBEs e NDEs, em face às numerosas tentativas experimentais projetadas para detectar tal evidência, sugere que não há um fator paranormal envolvido nas OBEs e NDEs (e isto é muito diferente da ausência de evidência, pois no caso da ausência ainda não houve a tentativa de acumular tal evidência.)
- Muitos pesquisadores da NDE referem-se ao caso de uma paciente cardíaca de Seattle conhecida apenas como “Maria” como uma das mais convincentes evidências anedóticas para a percepção paranormal em NDEs. Em “Maria´s Near-Death Experience: Waiting for the Other Shoe to Drop” (Skeptical Inquirer de Julho/Agosto, 1996), Hayden Ebbern, Sean Mulligan e Barry Beyerstein ilustram de modo magnífico o descrédito das evidências anedóticas em geral e, nos casos de NDE, demonstram que o conhecimento do ambiente pretensamente inacessível a este paciente através de meios normais estava de fato facilmente discernível através de percepção sensorial e inferência comuns. Esta investigação representa um claro exemplo da razão pela qual, sozinha, evidência anedótica para habilidades paranormais é inútil sem corroboração experimental.
- Cf. págs 128-133 de Dying to Live de Susan Blackmore (Prometheus Books, 1993).
- James Gillogly relata sobre como descobriu a cifra de Thouless e sobre suas tentativas de decifrar o teste da passagem literária de Thouless em “Cryptograms From the Crypt” no Vol. 20, No4 da Cryptologia (Outubro de 1996).
- De fato, uma pesquisa da Parapsychological Association conduzida em 1980 concluiu que apenas 11% dos parapsicólogos entrevistados nos EUA e Canadá acreditavam que a sobrevivência post-mortem havia sido positivamente ou provavelmente demonstrada (Cf. “Profiles of the Parapsychologists: Their Beliefs and Concerns” na Skeptical Inquirer do verão de 1981, págs 2-6).
Pós-escrito sobre a Sobrevivência (1999)
Numa revisão de Reincarnation: A Critical Examination de Paul Edwards, John Beloff escreveu: “[N]ós podemos concordar com a afirmação do autor de que todo o conhecimento da fisiologia de fato aponta para um envolvimento crítico do cérebro em tudo que fazemos ou sentimos… Entretanto… há evidência empírica que contradiz a ciência ortodoxa. Edwards nunca se voltou a tal evidência [parapsicológica]” (excerto do Journal of the Society for Psychical Research, edição de janeiro de 1997, pág 347). Beloff está cometendo um erro de lógica fundamental aqui: como ele reconhece que há fortes evidências para a dependência da consciência em relação ao cérebro, ele implicitamente está comprometido a negar a possibilidade da sobrevivência à morte corporal (exceto a possibilidade muitíssimo improvável cientificamente da ressurreição física do corpo). Estados mentais não podem ser “semidependentes” do cérebro; um estado mental é ou não é dependente do cérebro. Dadas todas as descobertas bem fundamentadas da ciência convencional para a dependência mente-cérebro e a controversa e inconclusiva evidência parapsicológica para uma mente de funcionamento independente do cérebro, somos confrontados com evidências contraditórias, e assim precisamos fazer uma escolha fundamental: em qual fonte de evidência devemos confiar?
Sob esta ótica pode-se ver por que meu caso científico contra a imortalidade conclui que, após pesquisar as evidências atuais relacionadas à sobrevivência da morte corporal, “a balança claramente aponta em favor da extinção” da mente com a morte. Para Beloff fazer seu caso em favor da sobrevivência, não apenas precisa apresentar boas evidências experimentais do tipo que estamos procurando (que, até o momento — e até ele admite —, não existem), mas também precisa refutar a evidência para a dependência dos estados mentais em relação ao cérebro. Vejo apenas um modo como ele poderia fazer isso, que é admitir que alguns estados mentais dependem do cérebro, mas não todos. Do fato de que todos estados mentais que compreendemos bem são dependentes do cérebro, é razoável deduzir — como o fazem os neurocientistas — que todos os estados mentais dependem do cérebro. Onde somos muito ignorantes sobre como o cérebro gera certos estados mentais devido à enorme complexidade dos processos envolvidos, tais como fenômenos psicológicos de alto nível tão intrincados como a autoconsciência, sempre há margem para o argumento da “alma das lacunas”, de que tal fenômeno pode existir independentemente do cérebro. Mas a pesquisa fisiológica legítima está definitivamente apontando na direção oposta.
Tal argumento da ignorância, além de não oferecer fundamentação positiva para a existência de estados mentais independentes (concedendo apenas a mera possibilidade de que sejam independentes), não se aplicaria aos estados mentais que sabidamente são dependentes do cérebro, como a memória e os traços da personalidade, ambos essenciais para qualquer forma de sobrevivência pessoal post-mortem. Dado esse ponto, não vejo como Beloff ou quaisquer outros indivíduos poderiam refutar as evidências contra a sobrevivência baseadas na subordinação da consciência ao cérebro. Novamente, só nos restam duas simples escolhas: no que devemos confiar, nas descobertas bem fundamentadas da ciência ou nas descobertas controversas e inconclusivas da parapsicologia? O que tentei demonstrar em O Caso Científico Contra a Imortalidade foi que o estado das evidências — forte evidência para a extinção e nenhuma evidência consistente para a sobrevivência —, quando tomando como um todo, não apenas pinta todo um panorama completamente consistente com a extinção, mas também que a melhor explicação para o estado das evidências é a de que a mente deixa de existir com a morte.
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