Como a vida começou?

Frank Zindler

E o Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas o sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente. Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, no lado do oriente… (Gênesis 2:7-8)

Mas se (e oh! Que SE grande!) nós pudéssemos conceber em algum laguinho morno, com todos os tipos de amônia e sais fosfóricos, luz, calor, eletricidade, etc presentes, que um complexo de proteínas foi formado quimicamente pronto para sofrer mudanças ainda mais complexas… (Charles Darwin, Carta de 1871)

Parte I

Abordando o Problema

Demorou bastante tempo para que os europeus começassem a pensar sobre a origem da vida em termos naturalísticos. Antes do desenvolvimento da bioquímica moderna, não era sequer possível definir o que era vida, muito menos buscar sua origem. Mais ainda, o estrangulamento intelectual resultante do triunfo do cristianismo no Mundo Ocidental durou bastante após o período conhecido como “Iluminismo” que floresceu no século dezoito. O pensamento mágico que permeava as sociedades cristãs tornou impossível mesmo para grandes cientistas contemplarem a origem da vida em termos puramente materialistas.

É uma das grandes ironias da história da ciência que foi um grande avanço no entendimento científico que causou um retrocesso aleijante na pesquisa relativa à origem da vida. Na década de 1860 quando o colosso da ciência francesa, Louis Pasteur, refutou a hipótese da geração espontânea — a ideia de que a vida pode vir da não-vida (ex. larvas a partir da carne em decomposição, ou bactérias a partir de caldo de carne) —, ele efetivamente revogou a noção de que seria cientificamente respeitável sustentar que a vida tinha se originado espontaneamente no passado remoto. Pasteur, apesar de suas descobertas magníficas no que hoje seria chamado de enzimologia, permaneceu um Católico Romano toda sua vida. De fato, diz-se que Pasteur morreu com um crucifixo em uma das mãos e a mão de sua esposa na outra. Apesar de seus estudos pioneiros dos sustentáculos puramente químicos das células vivas, ele parece nunca ter desistido completamente das crenças vitalistas que proliferavam tão facilmente na época religiosa em que viveu — embora seja conhecido hoje que, em particular, admitia a possibilidade de que a vida possa surgir espontaneamente como resultado de uma “força assimétrica” atuando em matérias orgânicas e inorgânicas.

Os vitalistas, deve-se lembrar, acreditavam que as coisas vivas não podiam ser explicadas completamente em termos de matéria e energia comuns. Traduzindo em um jargão mais moderno a visão mitológica inerente à passagem do Gênesis citada acima, os vitalistas sustentavam que os seres vivos diferiam dos seres não-vivos ou seres mortos devido à sua possessão de um élan vital — uma “força vital”. O que deveria ter sido um golpe fatal para essa ideia realmente surgiu em 1828 quando o químico alemão Friedrich Wöhler sintetizou o composto orgânico ureia a partir de cianato de amônia, uma substância inorgânica (os compostos orgânicos são assim chamados porque eram encontrados apenas em organismos). Quando Wöhler demonstrou que não eram necessários rins vivos para produzir essa humilde substância, dissipou muito da mística que havia envolvido a química da vida. Na época dos experimentos elegantes de Pasteur refutando a ideia da geração espontânea (ver Figura 1), várias substâncias “orgânicas” haviam sido sintetizadas em laboratórios. Uma visão mecanicista da vida vinha avançando com firmeza, mas a autoridade de Pasteur a congelou. Apenas nos anos de 1920 é que uma visão completamente mecanicista e materialista dos sistemas vivos pôde ressurgir e voltar sua atenção para o problema de como a vida havia surgido na terra primordial.

Figura 1. O experimento de Pasteur com o frasco com pescoço de cisne. Colocou-se caldo no frasco que foi esterilizado por fervura. O gargalo do frasco foi feito na forma de um “pescoço de cisne” que permitiria que o ar entrasse na câmara do caldo, mas serviria como armadilha para bactérias suspensas no ar. Para impedir que as bactérias fossem sugadas para dentro do frasco durante o fluxo de ar quando o caldo fervido esfriasse, o ar que entrava foi esterilizado por ter tido que passar por um cano de platina aquecido e temporariamente conectado à boca do frasco. Enquanto o gargalo do frasco não foi quebrado, o caldo permaneceu claro e livre de bactérias. Se o gargalo do frasco fosse quebrado, entretanto, o caldo se tornava turvo e cheio de bactérias. Isso provava que as bactérias tinham vindo do ar e não sido geradas espontaneamente pelo próprio caldo.
Figura 1. O experimento de Pasteur com o frasco com pescoço de cisne. Colocou-se caldo no frasco que foi esterilizado por fervura. O gargalo do frasco foi feito na forma de um “pescoço de cisne” que permitiria que o ar entrasse na câmara do caldo, mas serviria como armadilha para bactérias suspensas no ar. Para impedir que as bactérias fossem sugadas para dentro do frasco durante o fluxo de ar quando o caldo fervido esfriasse, o ar que entrava foi esterilizado por ter tido que passar por um cano de platina aquecido e temporariamente conectado à boca do frasco. Enquanto o gargalo do frasco não foi quebrado, o caldo permaneceu claro e livre de bactérias. Se o gargalo do frasco fosse quebrado, entretanto, o caldo se tornava turvo e cheio de bactérias. Isso provava que as bactérias tinham vindo do ar e não sido geradas espontaneamente pelo próprio caldo.

Não surpreende que os primeiros esforços substanciais para estudar a origem da vida de um ponto de vista natural viessem da União Soviética, onde pontos de vista completamente ateus estavam livres para florescer, e da Inglaterra — onde a tradição Darwiniana sempre crescente havia tornado a Igreja Anglicana tão impotente quanto a Monarquia. O teórico russo foi um homem chamado Alexander I. Oparin, o cientista britânico era o pensador ateu multifacetado J. B. S. Haldane.

Foi em 1924 que Oparin divulgou sistematicamente pela primeira vez suas ideias de como a vida pode ter se originado, com a publicação de um pequeno livro intitulado A Origem da Vida. [1] Ele foi, então, expandido para um tratado maior, A Origem da Vida na Terra [2], que sofreu revisões progressivas ao longo da vida do autor (a terceira edição foi publicada em 1957). A primeira publicação de Haldane sobre o assunto (na qual apresentou a ideia da “sopa quente, diluída”, que nós hoje chamamos de “sopa primordial”), até onde pude determinar, apareceu em 1928, em um ensaio publicado no Rationalist Annual. [3] Uma vez que o tabu contra a investigação científica da origem da vida foi quebrado, cientistas no mundo todo foram atrás do assunto e os últimos cinquenta anos testemunharam um crescimento explosivo de informações e ideias relativas ao problema da biopoiese (a formação de sistemas vivos). Hoje, a Sociedade Internacional para o Estudo da Origem da Vida publica um bom periódico, Origins of Life and Evolution of the Biosphere [Origens da Vida e Evolução da Biosfera], que é dedicado inteiramente ao assunto da biopoiese. Ao mesmo tempo em que devemos admitir que não temos ainda uma teoria abrangente que explique a biopoiese com o grau de confiabilidade e abrangência, digamos, da origem das espécies — ou mesmo a origem os sistemas estelares e planetários —, estamos chegando perto de tal teoria a uma velocidade animadoramente rápida. Não se passa uma semana sem algum novo relato de descobertas relevantes para o problema da biopoiese.

Foi, entretanto, o próprio Charles Darwin quem resolveu o dilema que surgiu com o experimento de Pasteur. Em uma carta citada no inicio desse artigo, explicou por que a demonstração de Pasteur de que a vida não surge espontaneamente hoje não prova adequadamente a noção de que a vida não possa ter se originado espontaneamente nos primeiros dias da Terra.

Diz-se frequentemente que todas as condições para a primeira produção de um organismo vivo estão presentes, que poderiam mesmo ter estado sempre presentes. Mas se (e oh! que se grande) nós pudéssemos conceber em algum laguinho morno, com todos os tipos de amônia e sais fosfóricos, luz, calor, eletricidade etc. presentes, que um complexo de proteínas foi formado quimicamente pronto para sofrer mudanças ainda mais complexas, na época atual tal material poderia ser instantaneamente devorado ou absorvido, o que não era o caso antes das criaturas vivas se formarem. [4]

Resumindo, é a presença da vida já desenvolvida que impede a emergência de nova vida na Terra. Darwin pôde também notar que o frasco de Pasteur era pequeno demais para permitir as trilhões de diferentes interações químicas que deveriam ser necessárias, e que a vida de Pasteur era curta demais para julgar processos que devem ter exigido milhões de anos para serem concluídos. Os cientistas que tentarem construir modelos teóricos de processos se estendendo por enormes volumes de espaço e vastos períodos de tempo têm que encontrar modos de escalonar tanto o tempo quanto o espaço. Foi apenas nos anos recentes que começamos a descobrir como projetar experimentos nos quais escalonamos o tempo e o espaço.

Embora Oparin devotasse atenção considerável ao problema que Pasteur fez surgir para os estudos da origem da vida, Haldane não se impressionava com a autoridade francesa. Em seu ensaio de 1928 “The Origin of Life”, descartou os experimentos de Pasteur em um parágrafo:

É difícil acreditar que qualquer lapso de tempo diminuirá a glória das realizações positivas de Pasteur. Ele publicou curiosamente poucos resultados experimentais. Foi ainda sugerido por um cínico que toda sua obra não receberia um Doutorado de Filosofia hoje em dia! Mas cada experimento era definitivo. Nunca soube de ninguém que tenha repetido qualquer um dos experimentos de Pasteur com resultados diferentes dos do mestre. Ainda que suas deduções a partir desses experimentos fossem às vezes muito precipitadas. Não é, talvez, totalmente irrelevante que ele tenha trabalhado, em seus últimos anos, com metade do cérebro. Seu hemisfério cerebral direito foi excessivamente danificado pela ruptura de uma artéria quando tinha apenas quarenta e cinco anos, e os cérebros dos microbiologistas que o sucederam mal compensaram esse acidente. Mesmo durante sua vida, algumas de suas conclusões que deduziu de seu trabalho experimental foram desaprovadas. Havia dito que a fermentação alcoólica era impossível sem a vida. Buchner a obteve com um extrato de lúpulo morto e livre de células. E desde sua morte a lacuna entre vida e matéria tem sido grandemente diminuída. [5]

Antes de examinar os escritos de Oparin, Haldane ou de pesquisadores subsequentes que ponderaram sobre o problema da biopoiese, é necessário primeiro considerar exatamente o que buscamos explicar. Exatamente o que é vida, afinal?

Ignorando por enquanto a questão de se os vírus devem ser considerados vivos, podemos notar que todas as formas universalmente consideradas vivas compartilham certas características básicas. Por exemplo, são celulares em sua estrutura e são contidas em pelo menos uma célula — um objeto gelatinoso cercado por uma membrana estruturalmente dinâmica composta de lipídios (substâncias gordurosas) e proteínas. Todas as coisas vivas são capazes de se reproduzir — pelo menos em nível celular (formigas obreiras e freiras Católicas Romanas, embora vivas, tendem a não se reproduzir muito frequentemente em nível orgânico!). Todas as coisas vivas são capazes de mudanças evolucionárias, ou seja, produzir descendência que difere delas em um certo grau. Coisas vivas interagem com seu ambiente (eliminando dejetos e ingerindo materiais brutos necessários para produzir energia), substituem partes danificadas, e crescem. A energia produzida pode ser mecânica (usada para o movimento) ou química (usada para sintetizar os componentes da célula). A energia luminosa também pode ser absorvida e usada por algumas células, e certos tipos de células podem mesmo produzir luz — embora a produção de luz não seja considerada um processo fundamental para sistemas vivos em geral.

Além das características listadas — características que podem ser encontradas em cada livro didático do 2º grau desde 1920 —, podemos notar que todas as formas de vida modernas podem ser vistas como sistemas contendo informação nos quais esta (especificamente, instruções de como construir um organismo vivo de acordo com certas especificações) é armazenada na forma de moléculas gigantes autorreplicantes (os genes), que são mantidos por um ciclo regular de mudanças químicas envolvendo tipos subordinados de moléculas. O ciclo químico que chamamos de vida é mostrado na Figura 2. Os leitores notarão que a molécula fundamental no ciclo químico da vida é o DNA (ácido desoxirribonucleico) — a matéria de que os genes são feitos. Dados os materiais brutos apropriados (moléculas de tamanho médio chamadas desoxirribonucleotídeos), as moléculas de DNA são capazes de se reproduzir. Para produzir os materiais brutos, entretanto, é necessário um certo número de reações químicas.

Figura 2. O ciclo químico que define a vida hoje. As setas devem ser lidas “provocam a mudança ou a ocorrência de”, em vez de “se transforma em”, como seria o caso com equações químicas comuns. Assim, dado um suprimento de desoxirribonucleotídeos, o DNA é capaz de se reproduzir, se dados ribonucleotídeos, pode fazer com que seja formado RNA. O RNA por sua vez pode provocar a formação de proteínas. Proteínas enzimáticas podem, então, controlar quase todas as reações químicas necessárias para manter a célula funcionando, incluindo a produção de aminoácidos, ribonucleotídeos e desoxirribonucleotídeos, as matérias brutas para a produção de proteínas, RNA e DNA, respectivamente. Toda a química que tem lugar na célula pode ser vista meramente como meios de possibilitar a replicação do DNA. Assim como uma galinha pode ser vista como a maneira de um ovo fazer um outro ovo, células e corpos podem ser vistos como a maneira de o DNA fazer mais DNA!
Figura 2. O ciclo químico que define a vida hoje. As setas devem ser lidas “provocam a mudança ou a ocorrência de”, em vez de “se transforma em”, como seria o caso com equações químicas comuns. Assim, dado um suprimento de desoxirribonucleotídeos, o DNA é capaz de se reproduzir, se dados ribonucleotídeos, pode fazer com que seja formado RNA. O RNA por sua vez pode provocar a formação de proteínas. Proteínas enzimáticas podem, então, controlar quase todas as reações químicas necessárias para manter a célula funcionando, incluindo a produção de aminoácidos, ribonucleotídeos e desoxirribonucleotídeos, as matérias brutas para a produção de proteínas, RNA e DNA, respectivamente. Toda a química que tem lugar na célula pode ser vista meramente como meios de possibilitar a replicação do DNA. Assim como uma galinha pode ser vista como a maneira de um ovo fazer um outro ovo, células e corpos podem ser vistos como a maneira de o DNA fazer mais DNA!

Como pode ser inferido a partir da Figura 2, quase todas as reações químicas na célula são reguladas por enzimas — proteínas que são capazes de acelerar reações químicas e fazer com que sejam realizadas com alta precisão. As enzimas, entretanto, como todas as proteínas, requerem a ajuda do RNA (ácido ribonucleico) para serem formadas. O RNA, por sua vez, depende da informação armazenada no DNA a fim de ser formado.

Como esse ciclo de reações químicas interligadas começou? Esse é o problema fundamental que temos de resolver.

Em Busca do Primitivo

É bastante certo que as primeiras coisas vivas não eram nem elefantes nem orquídeas — e muito menos seres humanos, como afirma o Gênesis 2:7! Para estudar o aparecimento das primeiras coisas vivas, portanto, devemos ignorar tais formas complexas e altamente evoluídas. De modo bem óbvio, as primeiras coisas vivas eram extremamente primitivas e simples — mais simples que quaisquer coisas vivas hoje em dia. Na busca de pistas sobre a natureza das primeiras coisas vivas, claramente devemos estudar as formas de vida mais simples disponíveis, em vez de nos preocuparmos com organismos complexos como papoulas ou pinguins. Se pudermos conhecer a origem dos organismos mais simples conhecidos, o resto do mundo vivo poderá ser explicado pelos princípios conhecidos da transformação evolucionária.

Na busca pelas formas mais primitivas de vida, temos que descer muito — ainda mais baixo que os tele-evangelistas. Isso reduz rapidamente o campo a apenas dois candidatos: vírus e bactérias.

Embora os vírus sejam estruturalmente mais simples que as bactérias, já não se pensa que são mais primitivos que elas. Ainda, existe uma discussão sobre se estes são completamente “vivos”. Os vírus não têm uma estrutura celular e são tipicamente compostos de apenas dois componentes: uma molécula núcleo de DNA ou RNA, e uma casca ou envelope composto de uma pequena variedade de moléculas proteicas. Muitos vírus são tão simples que foram sintetizados em laboratório há anos. Todos sabem que vírus são parasitas, embora carreguem informação genética sobre como se reproduzirem, na verdade só conseguem fazê-lo no interior das células de outros organismos, e é realmente o organismo hospedeiro que fornece o maquinário para reproduzir os vírus! Não se conhece nenhum vírus de vida livre. Ao contrário de todas as coisas indiscutivelmente vivas que se conhece, os vírus podem se cristalizar como sal ou açúcar, podem ser armazenados indefinidamente, re-dissolvidos, e ainda serem completamente capazes de infectar células hospedeiras — como se o seu “ciclo de vida” nunca tivesse sido interrompido!

Em vez de serem elos conectando os mundos vivo e não-vivo, como antes se supôs, os vírus parecem ser agora o produto de uma longa evolução e representa o non plus ultra [o pináculo — N. do T.] da redução parasítica. Enquanto animais parasitas como a solitária perderam olhos, aparelhos digestivos e outras características anatômicas que seus ancestrais de vida livre possuíam, os vírus parecem ter perdido tudo menos o absolutamente essencial ao se tornarem os mais perfeitos parasitas do mundo. Tendo perdido mesmo a estrutura celular, os vírus são essencialmente “genes nus” — cobertos apenas em umas poucas proteínas, que são necessárias para auxiliar a entrada em células hospedeiras e a subversão de seu maquinário metabólico.

Se os vírus não são as formas de vida mais primitivas hoje em dia, então devemos procurar entre as bactérias e seus semelhantes — os assim chamados procariontes. Ao contrário dos eucariontes (organismos que têm células contendo núcleos e outras organelas complexas como os cloroplastos e mitocôndrias), os procariontes se caracterizam por uma extrema austeridade de construção. Seu genoma (o seu conjunto completo de genes) — em vez de se organizar em cromossomos e serem rodeados por uma membrana nuclear — tipicamente consiste de um filamento longo e circular de DNA que fica ancorado à membrana da célula e fica solto dentro do citoplasma da célula. Por manter sua simplicidade geral, as células procarióticas tendem a ser menores que células eucarióticas: quando há menos a ser empacotado, o pacote é menor.

De todos os procariontes conhecidos hoje, os menores e menos complexos são as assim chamadas micoplasmas, organismos semelhantes aos da pleuropneumonia (OSPP). Ironicamente, esses organismos foram descobertos por Louis Pasteur, mas ele foi incapaz de isolá-los ou vê-los, pois microscópios eletrônicos eram tão difíceis de encontrar como o atual rei da França. A pequenez (e a simplicidade necessária) desses animaizinhos é difícil de imaginar sem ajuda.

Em um artigo clássico escrito há tempos atrás na Scientific American [6], Harold Morowitz e Mark Tourtellotte fizeram algumas comparações para auxiliar os leitores a visualizar exatamente quão pequenos esses organismos são. Os menores “corpos elementares [das OSPP] têm cerca de 0,1 mícron de diâmetro — cerca de um décimo do diâmetro de uma bactéria comum. Isso é um centésimo do tamanho das células dos tecidos de um mamífero, e cerca de um milésimo do diâmetro de uma ameba. Assim, uma célula OSPP está tão perto do tamanho de um átomo quanto a de um protozoário de 100 mícrons! (Ver Figura 3). Todavia, uma medida melhor da simplicidade desses organismos é a sua massa, uma vez que dá à pessoa uma noção da quantidade de material que está realmente empacotado dentro da célula. Considerado em termos de massa, uma ameba é cerca de um bilhão de vezes maior que uma OSPP, e um rato de laboratório é cerca de um bilhão de vezes maior que uma ameba!”

Figura 3. O corpo elementar (célula reprodutiva) de um OSPP (organismo semelhante aos da pleuropneumonia) comparado em tamanho à menor célula teoricamente possível e aos componentes atômicos e moleculares que a formam.
Figura 3. O corpo elementar (célula reprodutiva) de um OSPP (organismo semelhante aos da pleuropneumonia) comparado em tamanho à menor célula teoricamente possível e aos componentes atômicos e moleculares que a formam.

Há limites teóricos de quão pequena uma entidade autorreprodutora pode ser, e um limite mínimo para o número de “moléculas funcionais” que ela pode conter. O corpo elementar da OSPP chega bem próximo a essa menor célula teórica, tendo apenas duas vezes o seu diâmetro e oito vezes sua massa. Em termos de conteúdo molecular, o corpo elementar da OSPP é simples o bastante para que a síntese em laboratório não esteja de todo fora dos limites da possibilidade no futuro próximo.

Alguns números. A menor célula hipoteticamente possível teria que conter no mínimo 1,5 milhões de átomos (sem contar os átomos das moléculas de água). O corpo elementar da OSPP contém vinte milhões de átomos. A molécula de DNA que codifica o genoma da OSPP tem um peso molecular de 2,88 milhões de daltons, e a menor molécula teoricamente adequada pesaria cerca de 360.000 daltons (um dalton tem aproximadamente o peso de um átomo de hidrogênio), em termos de números de aminoácidos e unidades de nucleotídeos necessários (os blocos de construção das proteínas e do DNA/RNA respectivamente), a OSPP sobrevive com apenas 600.000, quando comparada com o mínimo possível de 75.000 (para comparação a OSPP “adulta” contém cerca de 9,4 milhões de tais blocos de construção e as bactérias contêm números muito maiores). A estatística mais animadora, entretanto, é a do pequeno número de macromoléculas (proteínas, DNA e RNA) necessárias para manter um corpo elementar de OSPP funcionando: cerca de mil e duzentas. Esse número é tão pequeno que é necessário ser patologicamente cético para sugerir que a criação de tal organismo em laboratório será sempre impossível.

É claro, a criação de uma OSPP em laboratório não seria prova de que a vida tenha se originado sem uma orientação inteligente. Essa será a nossa tarefa na Parte II (“Poeira Estelar na Sopa Primordial”) e na Parte III (“As Primeiras Células”) desse artigo para mostrar que é possível simular as condições da terra primitiva, e para explicar primeiro como a química da vida poderia ter se originado sem inteligência, e então como a organização dinâmica dos sistemas vivos pôde começar. Nós terminamos a Parte I com a certeza de que as formas mais simples de vida hoje são de fato muito simples, e que elas são um alvo realista para se dirigir na tentativa de se entender a origem da vida no planeta terra. Elas não possuem supérfluos para nos desviar de nossa busca, e nos permitem reconstruir mais facilmente os estágios intermediários que devem estar envolvidos na transição do pré-biótico para o mundo da vida. Nas Partes II e III devemos ver que vida é um produto natural da química cósmica, e que não há necessidade de invocar poderes sobrenaturais — inspiratórios ou o que quer que seja — para imbuir as produções da terra com o pulso da vida.

Parte II

Poeira Estelar na Sopa Primordial

Poeira Estelar [Stardust] não é apenas para fazer canções. É a própria matéria da qual a vida é feita. A vida é uma fênix, nascida das cinzas cósmicas lançadas no espaço pelos estertores da morte de estrelas que não brilham mais junto à hoste sobre nossas cabeças. O nosso Sol não estava entre a primeira geração de estrelas formadas quando o Big Bang tornou possível a condensação de energia em matéria, e a agregação da matéria em nebulosas e estrelas. Os teóricos nos dizem que as primeiras estrelas eram compostas principalmente de hidrogênio, e que embora pudesse ter havido uma grande quantidade de hélio primordial, com traços de lítio e berilo, o material emanando da explosão que gerou o universo não continha carbono, nem nitrogênio, nem oxigênio, nem qualquer outro dos elementos mais pesados que compõem os nossos corpos, o nosso planeta ou nossa estrela, o sol. Alguns daqueles elementos, particularmente os mais leves, foram gerados pela fusão do hidrogênio primordial nas entranhas ferozes das estrelas da primeira geração. A maioria dos elementos pesados, entretanto, parece ter se formado não durante as vidas dessas estrelas, mas durante suas mortes explosivas, quando se transformaram em novas ou supernovas.

Agora tornou-se claro que a nossa estrela do dia, o sol, como a vida que ele semeou, é também uma fênix. Ela surgiu das cinzas e dos gases crematórios lançados no espaço quando estrelas mais velhas explodiram — como panelas de pressão nucleares explodindo suas válvulas — criando vastas nuvens funerárias, ou nebulosas, de poeira e gás nas regiões interestelares da nossa galáxia. A partir da recondensação de tais nebulosas, talvez levada ao colapso por uma onda de choque vinda de uma nova ou supernova, nasceu o nosso sol, com seu séquito de planetas, satélites e cometas.

O mundo era um lugar muito diferente antes de ter dado à luz a biosfera. Sem cobertura vegetal na superfície da crosta proto-continental, a força da erosão era muito mais formidável que agora. Hoje, o fluxo de águas meteóricas é suavizado, ralentado e domado pela capa de veludo verde da vegetação, que protege a superfície planetária do ataque e da violência aérea. Uma camada de ozônio, na alta estratosfera, protege a vegetação dos raios destruidores do fluxo de luz ultravioleta proveniente do sol. Mas não foi sempre assim.

Antes do advento das algas e seus descendentes, as plantas verdes, havia muito pouco oxigênio livre na atmosfera. Antes de haver algas e plantas, não havia fotossíntese capaz de produzir oxigênio como subproduto [7] e o único oxigênio livre que podia ter chegado à atmosfera da terra teria sido a pequena quantidade resultante da quebra das moléculas de água induzida pela radiação na atmosfera superior.

O oxigênio é uma substância altamente reativa, e não permanece muito tempo na atmosfera. É a sua contínua reação, queimando material orgânico para produzir dióxido de carbono, e oxidando o ferro e outros elementos minerais na crosta da terra para produzir redbeds e memoriais semelhantes de organismos fotossintéticos do passado. Se toda a vida subitamente fosse extinta, dentro de aproximadamente dois mil anos haveria apenas quantidades insignificantes de oxigênio na atmosfera! É bastante óbvio, portanto, que antes da vida existir a atmosfera era essencialmente destituída de oxigênio.

O fato de que a atmosfera primitiva não tinha oxigênio foi uma coisa boa durante os períodos nos quais a vida surgiu, pois o oxigênio é um inimigo feroz de todos os tipos de moléculas necessárias à vida. Com o oxigênio presente na atmosfera, açúcares, aminoácidos e todos os outros compostos contendo carbono necessários à estruturação de células vivas ou teriam sido quebrados pelo oxigênio logo após sua formação ou — mais provável — nem teriam se formado. Um dos motivos principais para que a vida não se origine espontaneamente hoje é que a presença de oxigênio torna isso impossível. (Outro motivo, já conhecido de Charles Darwin há mais de um século, é que quaisquer moléculas orgânicas formando-se espontaneamente hoje em dia seriam devoradas por organismos já vivos — muito antes de essas moléculas poderem realizar as organizações complexas necessárias para autorreprodução). Ainda assim, mesmo hoje encontramos remanescentes de uma terra anterior ao oxigênio em muitas espécies de micro-organismos anaeróbicos que vicejam em nossas feridas e envenenam nossos vegetais conservados de maneira imprópria. Florescendo na ausência de oxigênio, esses organismos primitivos são destruídos pelo mesmo gás que alimenta os fogos de formas de vida mais sofisticadas.

Embora possamos ter uma boa certeza de que a atmosfera da terra não tinha oxigênio (e o escudo protetor de sua forma derivada, o ozônio) na época em que a vida evoluiu, há incertezas consideráveis sobre qual era sua composição. Parece ser claro que a composição da atmosfera mudou durante o primeiro meio bilhão de anos de sua existência — o período durante o qual a vida se originou. Argumentando por analogia com as atmosferas dos planetas gigantes, tais como Júpiter e Saturno, os primeiros estudiosos da biopoiese (a origem da vida) assumiram que a atmosfera primitiva era bastante “redutora” [8], contendo substâncias como hidrogênio (H2), vapor d’água (H2O), metano (CH4), amônia (NH3), gás sulfídrico (H2S), etc. Muitos dos primeiros experimentos tentando descobrir que tipos de moléculas poderiam se formar espontaneamente (que iremos examinar em seguida) empregaram esse tipo de atmosfera.

Os esforços persistentes para localizar rochas sedimentares antigas que tragam evidência de terem sido expostas a tal atmosfera, entretanto, têm sido bastantes frustrantes, e a maioria dos estudiosos hoje sente que a atmosfera primitiva — gerada por emanações vulcânicas durante a separação e consolidação do núcleo da terra — continha principalmente hidrogênio, vapor d’água, nitrogênio (N2), monóxido de carbono (CO) e gás sulfídrico, com quantidades menores de metano, dióxido de carbono (CO2) e dióxido de enxofre (SO2). Há motivos para supor que ela se transformou gradualmente até uma atmosfera composta principalmente de vapor d’água, dióxido de carbono, nitrogênio e dióxido de enxofre, com quantidades menores e monóxido de carbono, metano, gás sulfídrico e hidrogênio.

Não me surpreendo nem um pouco que não tenhamos encontrado ainda quaisquer rochas do período mais antigo da história da terra. Sabemos hoje que a crosta da terra está sendo continuamente reciclada pelas forças que causam a deriva continental; quanto mais velho um trecho de terra for, maior a probabilidade de que tenha sido reciclado durante os quatro e meio bilhões de anos em que o nosso planeta tem existido. Mais ainda, há motivos para crer que uma atmosfera como a primordial como assumida pelos primeiros investigadores não teria existido por muito tempo. Bem rapidamente, creio, ela teria esgotado os componentes como metano, amônia, etc. pela sua conversão nos compostos bioquímicos dos quais as primeiras coisas vivas se desenvolveram. Pode ter demorado apenas uns poucos milhões de anos para tal atmosfera ser substituída pela atmosfera menos redutora hoje aceita pela maioria dos estudiosos. É bem possível que a evolução dos sistemas vivos já estivesse ocorrendo na época em que as rochas sedimentares se formaram em quantidades significativas!

Apesar das incertezas envolvendo a natureza da atmosfera primitiva da terra, os cientistas que buscam explicar as origens dos compostos químicos necessários para a formação de células vivas deparam-se com mais soluções possíveis adequadas do que podem administrar no momento. Por exemplo, foi demonstrado, em ambientes presumidos simulados [9], que os aminoácidos (os blocos de construção das proteínas) e outros compostos bioquímicos importantes podem ser formados tanto em um ambiente muito redutor, semelhante à atmosfera de Júpiter, quanto em uma atmosfera menos redutora, aceita hoje em dia pela maioria dos estudiosos. De fato, quase qualquer atmosfera plausível (ou seja, uma atmosfera sem O2) pode ser usada para gerar um amplo espectro de compostos bioquímicos criticamente importantes.

Esses fatos são muito encorajadores para pessoas que buscam respostas não-mágicas para a questão “Como a vida começou?” — mas são frustrantes para cientistas que buscam respostas precisas para todas as questões. Nossa frustração aumenta ainda mais quando percebemos que a atmosfera primitiva pode não ter sido o principal local de produção bioquímica: a astronomia espectroscópica mostra que tipos simples de moléculas biologicamente importantes podem ser encontradas através da nossa galáxia, e a análise de meteoritos (tais como condritas carbonáceas) mostra que a maioria das biomoléculas estavam presentes na nebulosa solar mesmo antes de ela se condensar para formar o nosso planeta — com ou sem atmosfera!

Já notamos que temos mais fontes adequadas do que precisamos para a produção dos compostos químicos necessários. Entretanto, também temos mais métodos adequados de produção do que precisamos. Por exemplo, em 1953 Stanley Miller (então um estudante de doutorado do ganhador do Nobel Harold Urey na Universidade de Chicago) executou um experimento agora clássico no qual simulou os relâmpagos da atmosfera primitiva, passando centelhas elétricas através de uma câmara de gás contendo uma mistura de gases semelhantes à atmosfera Jupteriana (ver figura 4). Para o deleite de todos, exceto os criacionistas, Miller analisou a “sopa” resultante depois que o experimento funcionou por vários dias e descobriu aminoácidos e outras moléculas de importância biológica. Desde então, variações simples do experimento de Miller têm apresentado quase todos os blocos de construção químicos necessários para formar células vivas.

Figura 4. Diagrama da aparelhagem usada por Stanley Miller para simular as descargas de relâmpagos na atmosfera primitiva. Ao condensar vapor d’água em água liquida e então reaquecer a água no frasco de fervura, os gases foram forçados a circular em sentido horário e passar repetidamente entre os eletrodos que descarregavam centelhas. A maioria dos produtos de reação mais complicados formados pela ação da centelha sobre os componentes da atmosfera foi presa na fase líquida do sistema (onde puderam ser examinados periodicamente durante o curso do experimento) e impediu que fossem degradados por terem que passar de novo através da câmara de centelhas. Os criacionistas afirmam que colocar uma armadilha no sistema para impedir a perda dos produtos obtidos é trapaça. Na verdade, a armadilha de água simula adequadamente o papel do oceano primitivo, no qual as moléculas recém-formadas assentaram, protegidas da degradação causada pelos relâmpagos. Os criacionistas também criticam variações dessas substâncias nos quais substituiu-se as centelhas por radiação ultravioleta. A radiação, dizem eles, decomporia os bioquímicos após sua formação, e assim nenhuma quantidade significativa de moléculas poderia se acumular para formar sistemas vivos. Os não-criacionistas, entretanto, estão cientes do fato de que a terra gira em seu eixo uma vez por dia, e que a luz ultravioleta não poderia degradar moléculas durante o período da noite, quando as partículas estariam se assentando da atmosfera para os oceanos, onde estariam protegidas da degradação causada pela luz solar que voltaria no dia seguinte. De fato, o Princípio de Le Châtelier, uma regra bem conhecida dos químicos das escolas de 2º grau, nos diz que os oceanos serviriam de armadilha mesmo durante o dia para muitas das moléculas criadas pela luz ultravioleta. Embora muitas moléculas fossem, de fato, degradadas logo após sua formação, a presença do mar como uma pia para absorver os produtos da síntese forçaria a reação como um todo a prosseguir em direção da construção e não da destruição.
Figura 4. Diagrama da aparelhagem usada por Stanley Miller para simular as descargas de relâmpagos na atmosfera primitiva. Ao condensar vapor d’água em água liquida e então reaquecer a água no frasco de fervura, os gases foram forçados a circular em sentido horário e passar repetidamente entre os eletrodos que descarregavam centelhas. A maioria dos produtos de reação mais complicados formados pela ação da centelha sobre os componentes da atmosfera foi presa na fase líquida do sistema (onde puderam ser examinados periodicamente durante o curso do experimento) e impediu que fossem degradados por terem que passar de novo através da câmara de centelhas. Os criacionistas afirmam que colocar uma armadilha no sistema para impedir a perda dos produtos obtidos é trapaça. Na verdade, a armadilha de água simula adequadamente o papel do oceano primitivo, no qual as moléculas recém-formadas assentaram, protegidas da degradação causada pelos relâmpagos. Os criacionistas também criticam variações dessas substâncias nos quais substituiu-se as centelhas por radiação ultravioleta. A radiação, dizem eles, decomporia os bioquímicos após sua formação, e assim nenhuma quantidade significativa de moléculas poderia se acumular para formar sistemas vivos. Os não-criacionistas, entretanto, estão cientes do fato de que a terra gira em seu eixo uma vez por dia, e que a luz ultravioleta não poderia degradar moléculas durante o período da noite, quando as partículas estariam se assentando da atmosfera para os oceanos, onde estariam protegidas da degradação causada pela luz solar que voltaria no dia seguinte. De fato, o Princípio de Le Châtelier, uma regra bem conhecida dos químicos das escolas de 2º grau, nos diz que os oceanos serviriam de armadilha mesmo durante o dia para muitas das moléculas criadas pela luz ultravioleta. Embora muitas moléculas fossem, de fato, degradadas logo após sua formação, a presença do mar como uma pia para absorver os produtos da síntese forçaria a reação como um todo a prosseguir em direção da construção e não da destruição.

Os relâmpagos, entretanto, não eram as únicas fontes de energia na terra primitiva, e é tranquilizador saber que o experimento de Miller (bem como experimentos com atmosferas menos redutoras) tem sido refeito usando radiação ultravioleta (uma fonte de energia extremamente importante na terra primitiva antes que a camada de ozônio surgisse), radiação atômica (imitando as formas de alta energia abundantes na nebulosa solar durante a formação da terra), e calor (imitando os efeitos do vulcanismo) como fontes de energia — e em todos os casos os mesmos resultados gerais foram obtidos! A formação de compostos bioquímicos necessários parece ser uma consequência natural da química cósmica, dadas as condições planetárias minimamente adequadas.

A química do cosmos é refletida na composição dos elementos de uma célula viva comum. Apesar da existência de mais de cem elementos químicos diferentes, aproximadamente 95% do peso de uma célula é devido a apenas quatro elementos: oxigênio (cerca de 62%), carbono (cerca de 20%), hidrogênio (cerca de 10%) e nitrogênio (cerca de 3%). No universo como um todo, esses quatro elementos respondem por cerca de 70% da massa observada. A importância universal desses quatro elementos é ainda maior se se ignora os elementos quimicamente inertes como hélio e neônio, que juntos formam cerca de 28% da massa do universo. Se calcularmos as abundâncias cósmicas de acordo com o número de átomos presentes, em vez da massa, os quatro elementos mais importantes representam 99% dos átomos quimicamente ativos no universo!

Alem dos “Quatro Grandes”, as coisas vivas contêm um punhado de outros elementos comuns. Em ordem decrescente de importância, podemos listar o cálcio, fósforo, cloro, enxofre, potássio, sódio, magnésio, iodo e ferro. Em termos de abundancia cósmica (ignorando os Quatro Grandes e os elementos inertes), a ordem relativa de abundancia de elementos é magnésio, ferro, alumínio [10], sódio e cálcio (aproximadamente igual em abundancia), fósforo e potássio. A matéria da vida é apenas a matéria comum das estrelas e nebulosas.

Apesar das qualidades morfológicas das proteínas dos organismos — encontradas em formas apropriadas para a vida em nichos tão variados como escapes hidrotermais no fundo dos oceanos, as alturas congeladas dos Himalaias e os dutos reprodutivos de lulas —, em nível químico os organismos mostram uma similaridade encorajadoramente simples. São compostos de moléculas pertencentes a apenas quatro categorias principais — lipídios (gorduras), carboidratos (açúcares, amido, celulose), proteínas (enzimas e fibras estruturais) e ácidos nucleicos (DNA e RNA) — mais um pequeno número de componentes “mistos” importantes, como pigmentos, co-enzimas, etc.

Considerando a lipofobia preponderante na nossa cultura hoje, é importante dizer algo bom sobre as gorduras e apontar que os lipídios são — bem literalmente — de importância vital. Não apenas servem como fonte de energia e átomos de carbono que podem ser usados para construir quase qualquer outro tipo de molécula, as moléculas de lipídios (especialmente nas formas combinadas com fosfato) são o principal constituinte das membranas das células. Não é exagero dizer que a vida seria impossível sem as membranas para impedir a dissolução das células, regular o que entra e o que sai, servir como o local onde se processam muitas reações químicas, e para compartimentalizar as células de modo que tantos processos quimicamente conflitantes possam ocorrer simultaneamente. Imagine como seria tentar assar um bolo e uma torta ao mesmo tempo se ambos tivessem que ser preparados juntos na mesma tigela! Devido às suas propriedades de isolamento elétrico, as membranas de lipídios permitem que certas células recebam uma carga elétrica, tornando possível a evolução dos cérebros — e a redação deste artigo.

Os carboidratos incluem os açúcares simples bem como os polissacarídeos, como o amido e a celulose, nos quais milhares de moléculas de açúcares simples (glicose) se juntam para formar uma molécula bem longa e fibrosa. Ao contrário dos lipídios, que são compostos principalmente de carbono e hidrogênio, os carboidratos contêm aproximadamente tantos átomos de oxigênio quanto de carbono. Eles são fontes importantes de energia, componentes das paredes celulares das plantas, e como componentes do armazenamento de informação nos ácidos nucleicos DNA e RNA. O DNA, a matéria de que os genes são feitos, contém o açúcar de cinco carbonos oxirribose. O RNA, que ajuda a traduzir a informação armazenada no DNA para estruturas de proteínas, contém o açúcar ribose. Alem dos açúcares, os ácidos nucleicos contêm fosfato e cinco compostos diferentes contendo nitrogênio, chamados de bases nitrogenadas (com os nomes comuns de adenina, timina, citosina, guanina e uracil). Os ácidos nucleicos possuem a habilidade crucial de se reproduzir: são autocatalíticos.

Ao contrário da celulose, que é um polissacarídeo feito de milhares de unidades de glicose idênticas (monossacarídeos) enfileiradas, um ácido nucleico é um polissacarídeo formado por quatro [11] tipos diferentes de monossacarídeos juntos. Cada nucleotídeo em si é uma entidade complexa, sendo composta de uma molécula de açúcar, uma base nitrogenada e um grupo fosfatado. A habilidade dos ácidos nucleicos de carregar informação genética deriva do modo não-aleatório no qual os quatro tipos de bases estão enfileiradas ao longo do comprimento da molécula. Pode-se pensar nas quatro bases como sendo um alfabeto como o Código Morse, o qual, embora contendo apenas quatro letras (A, T, C & G), pode codificar as “receitas” para fazer tudo desde núncios papais até bolores — e mais ainda. A diferença entre homens, musgos e ratos é que seus DNAs são soletrados diferentemente.

A ultima categoria principal de compostos bioquímicos encontrados em células vivas contém as moléculas gigantes conhecidas como proteínas. Também conhecidas como polipeptídios, as proteínas são polímeros feitos de vinte tipos diferentes de unidades de monômeros, os aminoácidos. Os aminoácidos têm esse nome pelo fato de que contêm pelo menos dois componentes quimicamente ativos: um grupo amina (-NH2) e um grupo carboxila (-COOH). Todos os aminoácidos contêm os elementos carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. Vários deles também contêm o elemento enxofre. Os aminoácidos podem ser unidos quando o grupo amina de uma molécula reage com o grupo carboxila de outra molécula para formar uma ligação peptídica (a molécula dupla resultante é chamada de dipeptídio). Ao unir centenas ou milhares de aminoácidos, cria-se um polipeptídio — uma proteína. As proteínas são extremamente importantes como enzimas — moléculas gigantes que servem de catalisadores, controlando toda a grande variedade de casamentos e divórcios que constituem a condição vivente. As proteínas enzimáticas produzem ainda os nucleotídeos necessários para o DNA se replicar ou produzir RNA.

Entre os compostos mistos de importância bioquímica, mencionamos apenas os pigmentos. Os pigmentos são muito mais importantes do que se poderia supor. Fazem muito mais do que colorir corais ou pintar as pétalas de flores, sua principal importância tampouco jaz no fato de que enchem as células fotorreceptoras das retinas humanas, permitindo que os leitores vejam esse artigo! Alguns pigmentos, como a clorofila, permitem que as coisas vivas captem energia solar a partir das radiações nucleares do próprio sol. Outros pigmentos, tais como os citocromos, servem para transferir essa energia solar — armazenada na forma de ligações químicas — de um banco de energia molecular para outro. Em última analise, toda a energia que anima o pulso da vida na terra é luz estelar — e toda ela foi captada pelas antenas químicas conhecidas como pigmentos.

Tendo visto brevemente as necessidades químicas dos sistemas vivos, devemos agora tentar responder a pergunta. Como esses produtos químicos surgiram durante os dias da aurora do nosso planeta? Como puderam existir sem a ajuda de uma inteligência sobrenatural?

No caso dos lipídios, nossos problemas são poucos. A presença de hidrocarbonetos nas nuvens estelares e cometas, e a presença de ácidos graxos (hidrocarbonetos contendo dois átomos de oxigênio por molécula, além do carbono e do hidrogênio) em meteoritos torna provável que substancias gordurosas estivessem disponíveis para incorporação das protocélulas logo no início. Em qualquer caso, é muito fácil produzir ácidos graxos e outros lipídios a partir de atmosferas contendo metano expostas a faíscas elétricas ou a superfícies quentes das lavas vulcânicas (o metano, devemos lembrar, deve ter sido pelo menos um componente menor da atmosfera primitiva). Insolúveis na água, os lipídios teriam formado películas como membranas nas superfícies dos primeiros oceanos. Dada a turbulência da ação das ondas, essas películas de óleo devem ter se quebrado frequentemente para formar vesículas cobertas por membranas e cheias de água e outros compostos presentes na superfície da água. Nascidos com os lipídios — ou na nebulosa solar antes que a agregação de microplanetas formasse a terra, ou nos mesmos processos atmosféricos que formaram os lipídios — estavam os mais importante dos pigmentos, especialmente as porfirinas, os principais componentes da clorofila, dos citocromos e do heme (o pigmento que dá à hemoglobina sua cor vermelha).

A síntese dos açúcares na terra antiga também não era muito difícil, embora realmente represente um quebra-cabeças químico para o qual ainda não se obteve uma informação detalhada. Sabe-se há muitos anos que o formaldeído (H2CO) — uma das primeiras substâncias formadas nos experimentos da câmara de centelhas — pode ser polimerizado em açúcar simples sob condições alcalinas, se catalisadores como o hidróxido de cálcio ou carbonato de cálcio (pedra calcária) estiverem presentes. Mais interessante é a descoberta de que uma argila mineral comum, o caulim, se aquecida à temperatura da água fervente, pode converter soluções diluídas de formaldeído em uma variedade de açúcares — incluindo a ribose, necessária para o RNA e ATP. [12]

O problema intrigante associado com os carboidratos é este: quando os açúcares são misturados com aminoácidos (entre os produtos mais comuns dos experimentos da câmara de centelhas), se anulam mutuamente, interagindo pela reação de Maillard para produzir um produto marrom e feio que se assemelha à coisa que se forma quando uma fatia de maçã é exposta ao ar. Tanto quanto sei, ninguém encontrou qualquer utilidade para tais compostos no curso da biopoiese. Uma possível solução vem, entretanto, a partir de várias linhas de indícios. Primeiramente, os açúcares não parecem ter sido formados tão abundantemente como os aminoácidos, e assim mesmo após a luta com a “reação marrom” ainda haveria aminoácidos suficientes para se converterem em proteínas. Em segundo lugar, exceto pelos açúcares necessários nos nucleotídeos, não parece que as primeiras protocélulas quase vivas teriam muita necessidade de carboidratos, e assim a perda de algumas moléculas de açúcar pode não ter tido um efeito proibitivo na biopoiese. Em terceiro, descobriu-se que a estabilidade dos açúcares na verdade aumenta após se juntarem a bases nitrogenadas (também produzidas facilmente na câmara de centelhas e em outros experimentos). Uma vez que poucos experimentos relataram explicações de como os açúcares podem ter se juntado à adenina e outras bases, é bastante animador descobrir que os pesquisadores no Laboratório de Evolução Química da Universidade de Maryland [13] têm evidências experimentais mostrando que pelo menos cinco nucleosídeos (nucleotídeos menos o grupo fosfatado) podem ser formados diretamente por descargas de centelhas em uma atmosfera de metano, nitrogênio e água! Adicione um fosfato e temos nucleotídeos prontos para serem polimerizados em RNA e DNA. Adicione outros dois fosfatos, e temos moléculas como o ATP. Com o ATP parece não haver limites para o que pode ser feito!

Já notamos várias vezes que os aminoácidos estão entre os produtos mais abundantes nos experimentos simulando as sínteses da terra primitiva. É interessante notar que os tipos mais comuns de aminoácidos resultantes das simulações de Urey-Miller (glicina, alanina e ácidos glutâmico e aspartâmico) são justamente quatro dos cinco aminoácidos mais frequentes encontrados em organismos. A serina, o quinto aminoácido, é produzida abundantemente em certos tipos de experimentos distintos. Novamente, a química da vida parece ser inerente à química do cosmos.

Neste ponto podemos notar que fomos capazes de explicar as origens naturais da maioria das moléculas existentes nas coisas vivas. Vimos que os lipídios, pigmentos, aminoácidos, bases nitrogenadas e açúcares poderiam ter se formado facilmente na atmosfera primitiva — se de fato não estivessem lá desde o início como uma herança da nebulosa solar que formou o sistema solar. O que permanece a ser apresentado neste artigo é como os aminoácidos podem ter se polimerizado em proteínas (usando apenas aminoácidos “canhotos”) e como os nucleotídeos podem ter se polimerizado em RNA e DNA.

Os problemas remanescentes são um tanto mais enganosos do que aqueles que examinamos até aqui. Vamos primeiro considerar o problema dos aminoácidos “canhotos”. Todos os aminoácidos, a não ser o mais simples, glicina, contêm o que é chamado de átomo de carbono assimétrico. Isso é simplesmente um átomo de carbono ligado por suas quatro ligações possíveis a quatro tipos diferentes de grupos químicos. Como exemplo, consideremos o segundo aminoácido mais simples, a alanina (ver Figura 5). É útil visualizar o carbono assimétrico como flutuando no centro de uma pirâmide triangular (tetraedro), com suas quatro ligações se estendendo até grupos químicos localizados nos quatro cantos da pirâmide. Como pudemos ver na Figura 2, há duas maneiras diferentes pelas quais os grupos ligados podem ser arranjados, e esses dois arranjos são imagens espelhadas um do outro. Olhando para as duas estruturas moleculares simultaneamente, os leitores podem ver que a L-alanina “canhota” [14] parece ser um reflexo no espelho da D-alanina “destra”. Do mesmo modo como não há como rearranjar uma luva esquerda para transformá-la em uma luva direita (a não ser virando-a no avesso!), então não há maneira de a D-alanina ser girada ou invertida para se transformar na L-alanina.

Figura 5. Formas destras e canhotas do aminoácido alanina. As coisas vivas produzem apenas a variedade canhota (L-alanina), enquanto as sínteses artificiais produzem uma mistura das duas formas em proporções iguais.
Figura 5. Formas destras e canhotas do aminoácido alanina. As coisas vivas produzem apenas a variedade canhota (L-alanina), enquanto as sínteses artificiais produzem uma mistura das duas formas em proporções iguais.

É um fato curioso que todos os aminoácidos que entram na composição das proteínas são exclusivamente da forma L. Não se conhece nenhuma proteína real que contenha aminoácidos D, embora a bactéria Bacillus brevis produza uma proteína semelhante a um antibiótico conhecida como gramacidina-S, que contém D-fenilalanina, bem como a ornitina — que não pertence ao conjunto dos vinte aminoácidos padrão encontrados nas proteínas comuns. O porquê de apenas aminoácidos canhotos serem usados é um quebra-cabeças não resolvido. É possível que as primeiras formas de vida usassem uma mistura de moléculas destras e canhotas. Afinal de contas, quando se produz aminoácidos no laboratório e em simulações da terra primitiva, metade das moléculas produzidas é destra e metade é canhota. Mas quando as coisas vivas as produzem, todas são canhotas.

Há uma tendência, quando as misturas de aminoácidos destros e canhotos se polimerizam, de os polímeros conterem mais componentes L do que D. [15] É possível que as coisas vivas tenham simplesmente exagerado um desvio inerente à química da formação de peptídeos. Embora possa ser o caso, a solução para o nosso quebra-cabeças aguarda que mais estudos sejam feitos.

Até agora a discussão supôs, mais ou menos, que todos os compostos químicos criados na atmosfera, cedo ou tarde, acabaram como componentes de uma “sopa primordial” — os oceanos, mares e lagoas do mundo recém-nascido. Tal situação de fato me parece estar estabelecida além da dúvida razoável. Mas se isso for verdade, cria-se uma dificuldade: juntar aminoácidos (e nucleotídeos) em polímeros lineares envolve o processo de desidratação — remover uma molécula de água de cada par de moléculas sendo unidas. Não é imediatamente óbvio como a água poderia ser removida de moléculas que estavam dissolvidas nela!

Um dos primeiros a resolver esse problema foi o Professor Sidney Fox, da Universidade de Miami. Ele mostrou que a água contendo aminoácidos teria formado um filme seco, e poderia ter se desidratado para produzir peptídeos. Experimentalmente, isso foi feito, e o resultado é uma proteína semelhante a um polímero que Fox chama de “proteinoide”. O proteinoide se parece bastante às proteínas naturais, embora seja menos regular em sua estrutura. Como as proteínas naturais, os proteinoides possuem habilidades catalíticas — incluindo habilidades autocatalíticas! Comparados com as enzimas modernas, entretanto, sua capacidades são um tanto fracas. Mas não devemos esquecer que antes do advento de organismos possuindo enzimas sofisticadas, qualquer molécula possuindo mesmo habilidades enzimáticas fracas teria uma vantagem competitiva sobre outras moléculas na sopa primordial.

As temperaturas vulcânicas não são, entretanto, necessárias para desidratar proteínas (ou nucleotídeos, que seja). James Lawless, um pesquisador do Centro Ames de Pesquisa da NASA, na Califórnia, e seus colegas mostraram que cristais de argila podem catalisar a polimerização dos aminoácidos e dos nucleotídeos. [16] Soluções contendo as moléculas que se uniriam são espalhadas sobre superfícies de argila e as superfícies são sujeitas a flutuações entre as condições quente, seca, fria e úmida — como pode acontecer com lagoas em evaporação. As argilas contendo zinco foram capazes de ligar nucleotídeos para produzir ácidos nucleicos. É interessante que a DNA polimerase, a enzima moderna que ajuda o DNA a se reproduzir, também contém zinco.

As argilas que contêm cobre coletaram e uniram uma grande variedade de tipos diferentes de aminoácidos. Argilas contendo traços de níquel, entretanto, absorveram e polimerizaram apenas os vinte tipos de aminoácidos encontrados nas proteínas. Por que acontece, de que a partir de centenas de diferentes aminoácidos possíveis, apenas um conjunto padrão de vinte componham as proteínas em tudo, dos peixes aos filósofos, foi por muito tempo um quebra-cabeças. Talvez sejam a memória de uma praia distante, há muito tempo, onde os íons de níquel presos nas celas atômicas de partículas de argila forjaram um acordo químico entre um grupo de humildes colegas prisioneiros — uma companhia de acordantes que nunca abandonaram uns aos outros, apesar da passagem dos éons, e que continuaram a executar todas as tarefas que a vida já dominou.

Embora os detalhes permaneçam a ser determinados, as origens dos ingredientes químicos da vida são agora razoavelmente bem compreendidos. Mas a vida é mais que simplesmente um saco de produtos químicos. Como a chama tremeluzente de uma vela, a vida é fluxo. A vida é um padrão dinâmico mantido por um fluxo contínuo de matéria e energia, por um equilíbrio delicado entre a matéria entrando e a matéria saindo. Como a chama que é a vida pôde se equilibrar entre a morte e a não-vida é o assunto da Parte III deste artigo, “As Primeiras Células”.

Parte III

As Primeiras Células

A célula viva — de fato a própria vida — equilibra-se entre a morte que aguarda todas as formas mortais e o mundo não-vivente da natureza pré-biótica da qual surgiu. A célula, envolta em uma membrana, universalmente a estrutura que surgiu como o portador padrão do estado vivo na terra é — apesar das visões ingênuas de certos materialistas do século dezenove — mais que um saco de produtos químicos, apesar de os produtos químicos serem realmente tudo que contém. Mesmo assim, não há nenhuma “força vital” para animar seus átomos para a vida, ou deixá-los mortos quando parte.

A célula viva é um sistema dinâmico, em mudança constante, no qual os produtos químicos se tornam ordenados por algum tempo em estruturas microscópicas, apenas para se dissolver novamente quando outras moléculas se juntam para formar os mesmos tipos de estruturas novamente, ou para substituí-las na mesma estrutura. As organelas das quais as células são feitas não são mais estáticas do que a chama de uma vela. Em qualquer instante, a célula exibe um padrão dinâmico de casamentos e divórcios químicos, de processos que produzem energia e processos que a consomem, de estruturas se formando e estruturas se desfazendo. A vida é um processo, não uma coisa.

Como esse processo ordenado veio a existir? Uma vez que a célula é uma entidade altamente ordenada e não-aleatória (evitando, entretanto, a regularidade maçante de um cristal), pode-se pensar nela como um sistema contendo informação. [17] A informação é o ingrediente que, adicionado, traz vida ao que seriam átomos não-vivos.

Como, podemos perguntar, a informação pôde ser introduzida sem uma inteligência criativa sobrenatural? Este é o problema que a ciência ainda tem de responder se se pretende colocar deus na fila dos totalmente desempregados.

Os cientistas que buscam explicar o conteúdo de informação de células vivas são encorajados pelo fato de que informação e aparência de inteligência podem ser encontrados na natureza não-viva também, em sistemas que nenhum adulto suporia seriamente ser evidência para um projeto inteligente. Os padrões e filigranas que se formam em nossas janelas são atribuídos, pelas crianças, aos esforços inteligentes de Jack Frost (uma personificação do frio), mas aqueles de nós acima de dez anos sabem que a habilidade de formar tais figuras bonitas está na própria natureza da água. A “informação” sobre como formar estruturas de cristal intrincadas é inerente à estrutura submolecular da água, ao modo como os elétrons orbitam os átomos de hidrogênio e oxigênio que a constituem. A substância mais simples contém informação, junto com o que frequentemente parece ser um programa dizendo como interagir com o mundo.

No caso de sistemas vivos, entretanto, a quantidade de informação e programação que direciona padrões encontrados em moléculas individuais é aumentado em um grau atordoante. Embora a célula inteira possa ser considerada como um sistema contendo informação, o fato é que a maioria do conteúdo de informação de uma célula está presente na forma de moléculas informacionais gigantes, como o DNA (que contém a “receita” para fazer um organismo inteiro de um tipo em particular) ou enzimas (proteínas que podem ser vistas como as ferramentas moleculares com as quais a receita armazenada no DNA é traduzida em ações — como se fosse o assar do bolo).

Argumenta-se com frequência que as leis da probabilidade vão contra a ideia de que as principais moléculas informacionais da célula poderiam surgir espontaneamente. “As chances de que uma molécula de uma enzima pudesse se formar a partir somente dos aminoácidos certos, exatamente na sequência certa”, afirma-se frequentemente, “é tão pequena que se você fizesse dez tentativas por segundo, não conseguiria uma molécula de enzima em um trilhão de trilhões de anos”.

Há no mínimo três falhas principais nas premissas que fundamentam esse argumento. Primeiramente, presume que quando os vinte aminoácidos dos quais as proteínas são feitas reagem promiscuamente uns com os outros, todas as combinações possíveis têm igual probabilidade. Na verdade, existe uma tendência definida no modo como os aminoácidos misturados se combinam (polimerizam) para formar peptídeos e polímeros semelhantes a proteínas. Sidney Fox, um dos maiores experimentalistas que estudam o problema da biopoiese (a origem da vida), relata que “os diversos aminoácidos não se polimerizam aleatoriamente; ao contrário, eles têm uma grande habilidade de se autoinstruir. As sequências formadas são altamente específicas… e os polímeros produzidos são de uma heterogeneidade agudamente limitada…” [18] O resultado último dessa tendência no modo como os aminoácidos se juntam para formar “proteinoides” (polímeros semelhantes a proteínas que se formam espontaneamente quando misturas de aminoácidos secos são aquecidas) é que as moléculas capazes de catalisar reações biologicamente úteis (ou seja, os tipos de reações agora catalisadas por enzimas) têm maior probabilidade de se formarem que moléculas incapazes de atividade enzimática. A química orgânica tende em favor da vida.

O segundo problema é que o argumento falha ao compreender o papel da seleção natural operando no nível molecular. É de conhecimento comum, por exemplo, que a probabilidade de se conseguir uma mão perfeita no bridge é extremamente pequena. Se, entretanto, a pessoa puder “selecionar” todas as espadas obtidas da primeira distribuição de cartas, devolver as cartas indesejadas para o crupier (junto com as cartas das outras três mãos), deixá-lo dar mais e mais cartas, cada vez ficando com as espadas obtidas e devolvendo as cartas indesejadas, em pouco tempo uma “mão perfeita” será obtida. Quando a seleção natural opera no nível molecular nas protocélulas (estruturas semelhantes a células, mas ainda incapazes de controlar sua atividade reprodutora ou de garantir a transmissão hereditária de informação com poucos erros), qualquer “passo na direção certa” tenderá a ser salvo, e qualquer passo na direção errada terá que voltar o “crupier”.

A terceira falha, a mais séria nos argumentos frequentemente impressionantes levantados contra a possibilidade de uma origem natural de moléculas informacionais, é a presunção de que a molécula em questão (por ex, a enzima catalase) deve ser idêntica a um certo padrão moderno e altamente evoluído.

Como todas as enzimas, a catalase é uma proteína, uma molécula muito grande composta de aminoácidos reunidos. Sua principal função nas células modernas é quebrar o peróxido de hidrogênio em água e oxigênio. Isso é muito importante, uma vez que o peróxido é muito destrutivo para o maquinário molecular da célula. Além de sua estrutura de aminoácidos, a catalase também contém heme, que, por sua vez, é composta de um anel de porfirinas (ver Figura 6) e um átomo de ferro.

Figura 6. A fórmula estrutural do heme, o pigmento encontrado na hemoglobina, catalase e outras enzimas. (Átomos de carbono ocupam todos os lugares na estrutura onde linhas retas se encontram).
Figura 6. A fórmula estrutural do heme, o pigmento encontrado na hemoglobina, catalase e outras enzimas. (Átomos de carbono ocupam todos os lugares na estrutura onde linhas retas se encontram).

Podemos admitir imediatamente que a origem espontânea de uma molécula moderna de catalase, com seus quatro conjuntos de 505 aminoácidos ligados em uma ordem muito específica, é altamente improvável. Mas o que é raramente notado é o fato de que as primeiras células não precisavam da molécula de catalase inteira (isso se precisassem de alguma catalase, num ambiente contendo muito pouco oxigênio livre!). Nas primeiras células, tendo que lidar com pequenas quantidades de peróxido, qualquer molécula que pudesse fazer o trabalho da catalase, mesmo de forma tênue, teria conferido uma vantagem sobre as células que não pudessem quebrar o peróxido.

Tanto é que mesmo o próprio íon de ferro (Fé++) é capaz de quebrar o peróxido. Se o ferro for combinado com um anel de pirrole (a porfirina [19] “super anel” mostrada na Figura 1 é composta de quatro aneis de pirrole arranjados ao longo dos lados do quadrado), sua habilidade catalisadora aumenta várias vezes. Se o ferro for combinado com o anel de porfirina da heme, suas propriedades catalisadoras aumentam cem vezes em relação a um íon de ferro livre. Finalmente, adicionar a parte proteica da molécula de catalase aumenta a atividade em dez milhões de vezes! [20]

É claro que para a vida se originar não foi necessário que a catalase ou qualquer outra macromolécula agora encontrada nas células estivesse presente. Tudo que era necessário era que houvesse moléculas que pudessem fazer o trabalho dessas macromoléculas pelo menos um pouquinho. Obviamente, é razoável esperar que as proto-enzimas das protocélulas deveriam ter uma semelhança química clara com pelo menos uma parte de suas modernas contrapartes nas células, e seria possível mostrar como as enzimas modernas se desenvolveram a partir das estruturas mais simples de suas proto-enzimas ancestrais. Estão ocorrendo descobertas nessa área em um passo acelerado.

Os assim chamados caminhos metabólicos são empregados pelas células atuais para sintetizar materiais necessários, converter quimicamente em alguma forma útil a energia solar captada pelos pigmentos e quebrar tanto materiais brutos quanto dejetos. A comparação de caminhos metabólicos das bactérias, plantas e animais primitivos revela muitas pistas de como esses caminhos podem ter se originado. É bastante claro que os caminhos metabólicos evoluíram precisamente do mesmo modo como executam seu trabalho: passo a passo. Em nenhuma época na evolução da vida um caminho inteiro se formou de uma vez.

A Hipótese Heterotrófica

Para entender como os caminhos metabólicos se desenvolveram no curso da evolução da vida, é necessário examinar o modo como as primeiras protocélulas vieram a existir. A primeira análise detalhada desse problema foi realizada pelo bioquímico russo Alexandr I. Oparin em 1924. [21] Oparin é famoso por sua formulação da assim chamada hipótese heterotrófica. A palavra heterotrófica vem das palavras gregas heteros (“outro” ou “diferente”) e trophé (“comida” ou “alimento”) e se refere ao fato de que as primeiras coisas vivas eram incapazes de sintetizar seu próprio alimento a partir do dióxido de carbono e água do modo como as plantas verdes (“autótrofas”) fazem, mas, pelo contrário, eram dependentes de fontes de alimento externas a si mesmas. Os animais modernos são chamados de heterótrofos secundários, já que perderam a capacidade fotossintética e dependem do comer outros animais e plantas como fontes de energia e materiais brutos.

De acordo com Oparin, as protocélulas (que pensou terem sido aglomerados coloidais de moléculas) teriam se formado a partir da “sopa primordial” de complexos orgânicos constituintes dos lagos e oceanos primitivos do mundo. Uma vez que as protocélulas se formaram com a capacidade de autorreplicação, teriam se sustentado consumindo o caldo remanescente do qual surgiram. No início, as protocélulas seriam capazes de utilizar compostos bastante complexos [22] que poderiam ser integrados na estrutura da protocélula sem qualquer outra alteração. À medida que o tempo passava, entretanto, as complexas moléculas de “alimento” foram utilizadas, deixando moléculas de menor complexidade que poderiam ser usadas apenas após um certo grau de modificação química.

Embora alguns autores tenham imaginado este estágio de evolução química como constituindo uma “crise” no desenvolvimento da vida, e tenham mesmo suposto que foi um acidente afortunado que uma protocélula tenha desenvolvido a habilidade de usar moléculas de alimento um tanto mais simples “antes que o tempo acabasse e morressem de fome sem as moléculas mais complexas”, as realidades da química deixam a situação menos espantosa. Devemos lembrar que no ponto onde a sopa foi esgotada de quase todas as moléculas de alimento mais complexas, muitos bilhões de protocélulas deviam estar existindo. À medida que as moléculas de alimento mais desejáveis se tornavam mais e mais escassas, algumas das protocélulas devem ter se desintegrado, tornando-se, elas mesmas, alimento para as protocélulas remanescentes intactas.

É bem provável que um tipo de equilíbrio teria se desenvolvido, com protocélulas se desintegrando e outras células absorvendo seus restos e se reproduzindo, até que uma protocélula em particular adquirisse uma enzima ou duas que a tornava capaz de utilizar um segundo tipo de moléculas menos complexas ainda abundantes na piscina primordial. Capazes agora de utilizar uma nova e abundante fonte de alimento, essa nova protocélula mutante se multiplicaria rapidamente até substituir todos os tipos obsoletos que exigiam um tipo altamente complexo de molécula que esgotou-se no meio. Não muito tempo depois, o segundo tipo de molécula de alimento teria se esgotado, e a competição se desenvolveria novamente, resultando em uma protocélula que podia utilizar um terceiro tipo de alimento químico, ainda mais simples (ver abaixo).

Modelo de aglomerado autossuficiente: ele estaria “vivo”?

A sopa primordial na qual a vida começou continha uma grande variedade de complexos orgânicos, variando em tamanhos do muito pequeno até o muito grande, e ricos em energia. As moléculas grandes, ricas em energia, tais como o complexo hipotético L×M que é concebido como composto de duas partes principais L e M. Quebrar o elo químico que prende L a M liberaria energia. Essa energia poderia ser usada imediatamente para se unir um grupo fosfatado (P) a uma molécula de difosfato de adenosina (ADP), a forma de “moeda energética” quase universal nas células modernas. ATP é um complexo rico em energia. Muitas das substâncias na sopa teriam que ter capacidade catalisadora, ou seja, a habilidade de acelerar reações químicas sem que elas próprias fossem usadas na quebra da molécula de alimento L×M, com a liberação de energia. De modo geral, esse processo pode ser resumido na equação:

Eq. 1. R + L×M + ADP + P => R + L + M + ATP

Ao mesmo tempo pode-se supor que havia na sopa certos complexos que eram autocatalisadores, ou seja, capazes de auxiliar na síntese de mais moléculas como elas próprias (Sidney Fox mostrou que certos proteinoides podem de fato facilitar a formação de mais proteinoides, embora não se saiba se o novo proteinoide é precisamente o mesmo que o velho). No modelo acima, a molécula X×Y é concebida como sendo autocatalisadora, acelerando a própria formação de seus dois complexos principais X e Y, dada uma fonte de energia como o ATP (quando o ATP cede energia, é degradado novamente em fosfato e ADP). De modo geral, esse processo pode ser resumido em uma segunda equação:

Eq. 2. ATP + X + Y + X×Y => ADP + P + X×Y + X×Y

O aglomerado hipotético mostrado acima é concebido como consistindo de duas fases, uma fase matriz composta de X×Y e uma ou mais partículas do catalisador R. Em tal estrutura as reações químicas descritas nas equações 1 e 2 poderiam se esperar que tivessem lugar na fronteira entre as fases, onde partículas de R fazem contato com a fase X×Y. À medida que o aglomerado sintetiza mais X×Y, crescerá em tamanho até se tornar hidrodinamicamente instável. Então se quebraria em dois ou mais aglomerados filhos. Se os aglomerados filhos contiverem pelo menos um pouco de R, serão capazes de continuar a atividade semelhante à vida do modelo.

Futuras evoluções do sistema envolveriam a aquisição da habilidade de quebrar L e M em dejetos mais simples, extraindo ainda mais energia de suas ligações químicas (o ponto final seria atingido quando as moléculas de alimento pudessem ser quebradas até água e dióxido de carbono). A evolução também envolveria adquirir a habilidade de sintetizar precursores das formas X e Y cada vez mais simples, até que apenas dióxido de carbono, água, minerais inorgânicos e luz do sol fossem necessários. Cada um desses desenvolvimentos evolucionários exigiria a adição de novos catalisadores (proteinoides, pigmentos, íons minerais, etc.) na estrutura do modelo acima.

À medida que a sopa primordial se diluía em oceano comum, com moléculas cada vez mais simples sendo esgotadas pelas protocélulas heterotróficas, chegou um ponto em que seria impossível uma maior redução da complexidade das moléculas de “alimento”. Neste ponto, nossas primeiras células verdadeiras seriam capazes de se manter com apenas dióxido de carbono, água e minerais inorgânicos. Essas células teriam se tornado os primeiros autótrofos, organismos independentes tanto uns dos outros como da sopa remanescente. Esses autótrofos seriam capazes de executar a fotossíntese, capturando energia da luz do sol e usando-a para combinar dióxido de carbono e água para formar açúcar. O açúcar, por sua vez, seria retrabalhado e combinado com complexos inorgânicos contendo nitrogênio, enxofre, fósforo e outros elementos para formar todas as várias substâncias necessárias para manter e melhorar a qualidade daquilo que, neste ponto, deve ser chamado de “vida”.

A Origem da Estrutura Celular

Como no caso quando tentamos determinar como os produtos químicos da vida vieram a existir, quando tentamos determinar como as estruturas celulares surgiram, deparamo-nos com um excesso de possibilidades plausíveis. Parece haver mais possibilidades do que precisamos.

Oparin estava impressionado com a habilidade das proteínas e outras macromoléculas em solução de se aglomerarem para formar suspensões de conjuntos complexos conhecidos como coacervados. À medida que essas partículas vagavam, absorviam mais moléculas da solução circundante e realmente cresciam em tamanho. Quando um certo tamanho era atingido, as partículas do coacervado se reproduziam, às vezes por um processo que lembrava a construção de hifas, às vezes por fissão simples, irregular. Os aglomerados filhos, por sua vez, cresciam, se dividiam, cresciam e se dividiam, até que as moléculas de matéria bruta fossem esgotadas do meio. Oparin mostrou experimentalmente que muitas enzimas e grupos de enzimas podiam se juntar em aglomerados de coacervados e podiam levar a cabo atividades metabólicas — até mesmo imitando as atividades de caminhos metabólicos curtos.

Sidney Fox da Universidade de Miami, por outro lado, mostrou que quando misturas de aminoácidos secos são aquecidas, se polimerizam em um material semelhante a proteínas chamado proteinoide. Os proteinoides teoricamente são de grande interesse porque frequentemente possuem habilidade catalisadora. São capazes de catalisar não apenas a formação de ácidos nucleicos (DNA ou RNA) — mas são autocatalisadoras também, sendo capazes de provocar a formação de mais proteinoides! Em resumo, os proteinoides exibem uma habilidade reprodutiva primitiva.

Além de possuírem habilidades químicas interessantes quando trazidos ao contato com a água, os proteinoides podem se reunir em estruturas que sugerem protocélulas. Chamadas de “microesferas” por Fox, essas partículas microscópicas também podem crescer por acresção, proliferar através de fissão e ramificação por várias gerações e até mesmo participar de uma forma de comunicação interpartículas através de transferência de material. [23]

Os marigrânulos, descobertos pelo pesquisador japonês Fujio Egami [24], têm também sido oferecidos como um modelo das protocélulas. Egami descobriu que adicionando compostos simples como formaldeído e hidroxilamina (compostos formados facilmente sob condições da terra primitiva) à água do mar enriquecida com elementos tais como molibdênio, zinco e ferro, era possível produzir não apenas aminoácidos, lipídios e outros materiais bioquimicamente importantes, mas era até mesmo possível fazer com que os aminoácidos se polimerizassem em peptídeos e materiais semelhantes às proteínas. Melhor de tudo, se deixados por vários meses, a água do mar contendo esses polímeros apresentava pequeninas estruturas semelhantes a células — marigrânulos. Ao contrario das microesferas proteinoides de Fox, os marigrânulos são cercados por uma superfície de lipídios semelhante a uma membrana. A similaridade da estrutura dos marigrânulos com a estrutura das células comuns é um tanto maior do que aquela das microesferas. Como as microesferas, os marigrânulos são também capazes de crescimento e reprodução indisciplinada. Embora também possuam habilidades catalisadoras, os estudos do “metabolismo” dos marigrânulos ainda não progrediu como aqueles das microesferas de Fox.

Há algum tempo, em um encontro anual da American Association for the Advancement of Science (Associação Americana para o Avanço da Ciência), David Deamer [25] da Universidade da Califórnia em Davis relatou estudos que fez sobre materiais extraídos do meteorito Murchison. Alguns dos materiais gordurosos (lipídios) extraídos dos meteoritos [26] eram capazes de se autoagruparem em vesículas cercadas por membranas que se assemelhavam muito a pequenas células. Como as membranas das células verdadeiras, as membranas de Deamer eram capazes de incorporar compostos como pigmentos, tais como pireno, e exibiam algumas habilidades catalisadoras. É razoável supor que membranas como essas, formando estruturas vesiculares fechadas como resultado da espuma das ondas, teriam envolvido gotas de coacervados, microesferas proteinoides e marigrânulos, e teriam aumentado grandemente a complexidade das protocélulas. Com maior importância, tais protocélulas compostas, cercadas por membranas, seriam capazes de executar uma grande variedade de tarefas químicas diferentes simultaneamente, devido às diferentes capacidades de seus vários componentes. A complexidade e propriedades de tais protocélulas chegariam muito perto daquelas das células primitivas.

Talvez a característica mais importante das entidades protocelulares discutidas é que seriam capazes de mudança evolucionária através da seleção natural. Protocélulas adquirindo combinações úteis de protoenzimas e outros materiais úteis tenderiam a sobreviver, e protocélulas que não os tivessem tenderiam a se dissolver. A fusão de protocélulas capazes, separadamente, de importantes funções vitais teria levado a formas muito competentes com grande potencial de sobrevivência. Quase certamente, o princípio da “sobrevivência do mais apto” é mais antigo que a própria vida.

DNA: Os Primeiros serão os Últimos

Em todas as formas de vida atuais, o DNA é o repositório de informação hereditária. É a informação armazenada no DNA que faz a diferença entre um homem, um rato e um musgo. Nas células modernas, o DNA fica separado dos processos metabólicos, passando suas instruções adiante para o RNA “mensageiro”, que então conduz a síntese das proteínas — um processo altamente complexo e que é claramente o produto de uma longa série de desenvolvimentos evolucionários. O conjunto de regras que relaciona o “soletrar” da molécula de DNA à sequência de aminoácidos das proteínas é conhecido como “código genético”. [27]

É consenso geral que o DNA não estava presente nas primeiras células. Antes do advento do DNA, o RNA poderia ter servido como material genético nas primeiras células, exatamente como em certos vírus. A questão ainda permanece, entretanto, se as células primitivas poderiam ou não ter existido mesmo sem RNA, usando proteínas como principais moléculas de informação. Vimos anteriormente que os proteinoides de Fox têm a habilidade de formar mais proteinoides — sendo assim teoricamente capazes de formar sistemas autorreplicantes — e podem também catalisar a formação de DNA e RNA a partir de seus blocos de construção. A vida atravessou uma fase de proteínas antes da evolução do código genético? Ou as proteínas propriamente ditas (ao contrário dos proteinoides, que são de certa forma mais irregulares em sua estrutura que as proteínas) só são possíveis com um sistema de síntese dirigido por ácidos nucleicos?

Tem-se publicado um grande número de trabalhos técnicos sobre a origem do código genético, e não é possível resumir tudo aqui. Entretanto, deve-se mencionar as sugestões impressionantes feitas recentemente por A. G. Cairns Smith de que o ciclo DNA-RNA-Proteína das células modernas foi precedido por formas primitivas que não possuíam nenhum dos compostos bioquímicos principais que são agora característicos das células. De acordo com Cairns Smith, os primeiros sistemas replicantes não eram nem mesmo orgânicos, eram minerais! Especificamente, eram cristais de argila autorreplicantes. Sombras do Gênesis, capitulo dois!

Cairns-Smith deixa claro que os cristais de argila não apenas se replicam, mas podem até mesmo transmitir informação de uma geração de cristais para a próxima. Defeitos nos cristais, análogos às mutações, podem ser passados adiante do cristal pai para o cristal filho. Ele mostra que um tipo de seleção natural pode operar em populações de cristais de argila, e que cristais de argila podem facilmente ter começado a criar e usar substâncias orgânicas para estabilizar seus microambientes e aumentar suas chances de sobrevivência e reprodução. Uma vez que se conhece várias argilas que podem catalisar a formação e a polimerização de aminoácidos, imitar a fotossíntese e dirigir a formação de ácidos nucleicos, é apenas assombroso — e não forçado — supor que uma montagem de código genético de RNA e proteínas possa ter acontecido sobre a superfície de um cristal de argila e, quando a combinação certa surgiu, poderia ter subsistido sem a ajuda do substrato de argila.

Cairns-Smith compara o sistema delicadamente balanceado de ácidos nucleicos-proteínas com um arco. Da mesma forma que um arco não pode deixar de cair sem a presença da chave, e a chave não pode deixar de cair sem a presença do resto do arco, assim também nas células vivas os ácidos nucleicos não podem funcionar sem a atuação de proteínas enzimáticas e as proteínas enzimáticas não podem ser produzidas sem a ajuda dos ácidos nucleicos.

Para fazer um arco de pedras é necessário um andaime de algum tipo para apoiar as pedras antes de elas estarem todas no lugar e poderem apoiar umas às outras. É frequente o caso de um processo de construção incluir coisas que estão ausentes no resultado final. Da mesma forma, na evolução, pode-se subtrair coisas. Isso pode levar a um tipo de dependência mútua de componentes, que é uma característica marcante do maquinário central bioquímico. [28]

O que quer que as pesquisas futuras possam mostrar a respeito de qual foi o caminho no caso dos cristais de argila como andaimes que permitiram a construção do código genético, é bastante claro que o DNA — o primeiro ministro do governo bioquímico — foi na verdade um refinamento posterior e não fazia parte das primeiras células.

Enviado

As coisas vivas mais primitivas que podem realizar a fotossíntese o fazem liberando oxigênio molecular na atmosfera. Não está claro quanto tempo esse tipo de fotossíntese dominou o cenário primitivo. Por volta de 1,5 bilhão de anos atrás, entretanto, um certo número de algas fotossintéticas evoluiu, desenvolvendo uma forma nova e melhorada de fotossíntese que liberou oxigênio no oceano e na atmosfera. Para as primeiras formas de vida, o oxigênio foi a primeira forma de “lixo tóxico”, e a seleção natural levou ao desenvolvimento de enzimas (como a catalase) que podiam proteger as células dos efeitos danosos do oxigênio. [29] Por fim, as células adquiriram a habilidade de converter a adversidade em vantagem e, na verdade, vieram a usar o oxigênio como um meio de “queimar” seu combustível (açúcar e outras moléculas simples) para fornecer quantidades de energia grandemente aumentadas, com a qual executar vários tipos de novas atividades.

Uma vez que se tornou possível, graças à respiração aeróbica baseada no oxigênio, gerar enormes quantidades de energia em períodos de tempo muito curtos, as células puderam se tornar mais móveis, e os primeiros animais unicelulares se tornaram possíveis. O movimento é a essência da animalidade, e movimento significativo era inviável antes do aproveitamento do oxigênio. Foi o aproveitamento do oxigênio que levou ao surgimento de heterótrofos secundários, os animais. Não há almoço grátis na natureza, e as células que adquiriram mutações que lhes permitiram se mover facilmente em seu mundo aquático — tornando possível evitar ambientes perigosos e buscar os mais saudáveis, mesmo no escuro quando a energia solar estava indisponível — tiveram que sacrificar o maquinário necessário para realizar a fotossíntese. Em vez de criar sua própria comida a partir de elementos brutos, podiam simplesmente engolfar seus vizinhos mais lentos e digeri-los através de enzimas que haviam desenvolvido muito tempo antes.

Uma vez que o passo dos movimentos celulares acelerou para a atividade animal, o curso futuro da evolução tornou-se claro, pelo menos em linhas gerais. Haveria vantagem seletiva para células que se agrupassem para formar organismos multicelulares, animais grandes o bastante para buscar e devorar qualquer um da vegetação primitiva no mar. Uma vez que os animais herbívoros se tornaram abundantes, a seleção natural levaria ao surgimento dos carnívoros — animais que geralmente precisariam ser mais móveis (e portanto mais inteligentes) que os herbívoros.

Isso deu início à primeira versão da “corrida armamentista”, que continua até hoje. Com os carnívoros caçando os herbívoros, a seleção natural tenderia a selecionar os herbívoros mais rápidos e mais espertos, tornando-os caças mais difíceis para os carnívoros. Isso, por sua vez, provocou a seleção de carnívoros ainda mais rápidos e mais espertos. Por fim, certos carnívoros adquiriram a habilidade de usar e fazer ferramentas — armas com as quais obter uma vantagem decisiva e irreversível sobre os herbívoros. O oxigênio propiciaria ainda um segundo tempo na história da vida — na descoberta do fogo.

O Homo sapiens seria mais bem descrito como Homo prometheus devido ao herói mítico que roubou o fogo dos deuses e o trouxe à terra para o bem de nós, mortais. Pois a história humana é, em um sentido profundo, a história do fogo e das tecnologias secundárias que gerou, e a ciência é uma parte dessa história. Com o fogo, Sidney Fox aquece rochas magmáticas, borrifa-as com soluções de aminoácidos e analisa os proteinoides que se formaram sobre suas superfícies. Stanley Miller passa centelhas através de atmosferas primitivas para testemunhar a formação da química da vida. As centelhas elétricas, é claro, resultam de correntes elétricas geradas a quilômetros de distância pelos fogos do carvão e do petróleo das usinas geradoras. Os fogos da ciência brilham fortemente graças ao processo gerador de oxigênio desenvolvido por humildes algas há tantos éons — algas que agora procuramos entender.

A pergunta que Darwin não esperou poder responder — a questão que Newton, Galileu e os gênios antigos não ousaram sequer perguntar — está muito próxima de ser respondida. Milhares de cientistas em centenas de laboratórios estão se aproximando do problema da origem da vida. É fascinante contemplar o progresso que tem sido feito, apesar do fato de que o estudo experimental da biopoiese é apenas ligeiramente mais velho que a memória da Segunda Guerra Mundial. Quando nasci, há uns sessenta anos, dificilmente alguém poderia suspeitar que os produtos químicos da vida se mostrariam tão simples e fáceis de produzir. Quando me formei na faculdade, ninguém poderia ter suspeitado a facilidade com a qual protocélulas como marigrânulos poderiam se formar na água do mar. E quem esperaria encontrar a construção de membranas celulares em meteoritos?

Se a vida como nós a conhecemos é ou não o resultado de um “golpe de estado genético” — de sistemas orgânicos suplantando os sistemas autorreplicantes minerais — ou se o código genético teve uma origem ainda insuspeita, isso permanece por ser definido. Mas saberemos a resposta, e a resposta está vindo logo.

 

Ex-professor de biologia e geologia, Frank R. Zindler é atualmente divulgador da ciência. É membro da Associação Americana para o Avanço da Ciência, da Academia de Ciência de Nova York, da Sociedade de Literatura Bíblica e das Escolas Americanas de Pesquisas Orientais. Também é editor da American Atheist.

Notas

[1] Alexandr I. Oparin, Proiskhozhdenie Zhizni [The Origin of Life] (Moscow: Izd. Moskovskii Rabochii, 1924).

[2] Alexandr I. Oparin, Vozniknovenie Zhizni na Zemle, 1ª ed. (Izd. Akad. Nauk SSSR, 1936); The Origin of Life on Earth, 3d English ed., trad. Ann Synge (New York: Academic Press, Inc., 1957).

[3] J. B. S. Haldane, “The Origin of Life”, Rationalist Annual, 1928; Science and Human Life (reedição; New York and London: Harper & Brothers, 1933).

[4] Oparin, The Origin of Life on Earth, p. 79.

[5] Haldane, Science and Human Life, pp. 143-144.

[6] Harold J. Morowitz and Mark E. Tourtellotte, “The Smallest Living Cells”, Scientific American, Março 1962, pp. 117-126.

[7] Existe uma forma primitiva de fotossíntese encontrada em certas bactérias que, embora utilize energia luminosa, não produz oxigênio como subproduto.

[8] Várias definições de redução e oxidação podem ser encontradas na literatura de química. Originalmente, “oxidar” significava adicionar oxigênio e “reduzir” significava adicionar hidrogênio, geralmente para substituir o oxigênio. Uma definição mais moderna e genérica de “oxidar” inclui a remoção do hidrogênio ou de um elétron de uma molécula, e “redução” é a sua adição. Diz-se que materiais ricos em hidrogênio são “redutores”.

[9] É importante que esses experimentos reproduzam condições e processos naturais de modo que não seja necessária uma inteligência orientadora. De outra forma, tais experimentos não são mais que melhoras na teologia!

[10] Embora o alumínio tenha pouca importância nas coisas vivas hoje, ele (e o silício) pode ter sido de grande importância nos primeiros sistemas quase-vivos, como veremos na parte final deste artigo.

[11] No total há oito nucleotídeos comuns: quatro ribonucleotídeos, contendo o açúcar ribose e que são os blocos de construção do RNA, e quatro desoxirribonucleotídeos, que contêm o açúcar desoxirribose e que são os blocos de construção do DNA. Tanto o DNA como o RNA contêm as bases adenina, citosina e guanina, mas no RNA a uracila substitui a timina encontrada no DNA.

[12] O ATP (trifosfato de adenosina) é extremamente importante como moeda universal de energia nas células modernas. A energia coletada do sol ou produzida a partir do alimento é armazenada na forma de ligações de fosfato de alta energia na forma de ATP. Essa pode ser utilizada para energizar produtos químicos recalcitrantes e fazê-los executar truques que seriam termodinamicamente improváveis sem o pastoreio do ATP.

[13] Kobayashi, K., et al., “Abiotic synthesis of nucleosides by electric discharge in a simulated primitive earth atmosphere”, Origins of Life and Evolution of the Biosphere, Volume 16, Nos. 3/4 (1986), pp. 277-8.

[14] A letra L vem da palavra latina lævus, “esquerda”, e a letra D vem de dexter, “direita”.

[15] Folsome, Clair Edwin, The Origin of Life: A Warm Little Pond, W.H. Freeman & Co., San Francisco, 1979, p. 150.

[16] Schmeck, Harold M., “Clay on Shores of Ancient Seas Viewed as Key to Origin of Life”, The New York Times, Outubro 15, 1977, p. 26C.

[17] Esta página da revista contém informação devido à maneira altamente não-aleatória, e ainda assim imprevisível, na qual os elementos que chamamos de letras são arranjados em sua superfície. Se cortássemos todas as palavras, misturássemos e despejássemos sobre uma página em branco, o conteúdo de informações seria grandemente reduzido. Se as palavras fossem cortadas em letras individuais e as letras dispostas ao acaso, o conteúdo de informações seria completamente perdido. Da mesma forma, uma célula “contém” informações devido à maneira como seus elementos moleculares são arranjados no espaço e no tempo. A maneira como o DNA (o material genético da célula) contém informações — com seus quatro tipos de “letras” (A, C, G e T) que se enfileiram para formar mensagens longas — é exatamente análogo à maneira como esta frase contém informação devido à maneira na qual as letras do alfabeto romano foram dispostas.

[18] Sidney W. Fox, The American Biology Teacher, vol. 43, nº 3, Março 1981, p. 129.

[19] Deve-se lembrar que tem sido demonstrado que as moléculas de porfirina se formam espontaneamente sob as condições da terra primitiva, e vários tipos de porfirina têm sido encontrados em meteoritos, objetos formados na nebulosa solar antes da terra se tornar um planeta.

[20] Na catalase, como em outras enzimas, apenas uma pequena parte da estrutura da proteína está envolvida na formação do assim chamado local ativo, a parte da célula que realmente porta os compostos químicos necessários à célula. Frequentemente, grandes partes de uma enzima são refinamentos evolucionários que determinarão se a molécula será dissolvida no citoplasma da célula ou se se ligará às membranas da célula, que determinarão as circunstâncias sob as quais a enzima ficará ativa ou inativa, etc. Das centenas de aminoácidos que formam uma enzima típica, é geralmente o caso que apenas uma dúzia delas, aproximadamente, esteja criticamente envolvida em sua atividade catalisadora; e no resto das moléculas é geralmente possível fazer várias substituições de aminoácidos sem alterações mensuráveis na atividade enzimática. As primeiras enzimas quase certamente eram moléculas muito pequenas, contendo apenas a sequência de aminoácidos essencial à atividade enzimática. Quanto menor a enzima, é claro, maior a probabilidade de ela formar-se espontaneamente.

[21] Alexandr I. Oparin, Proiskhozhdenie Zhizni [The Origin of Life] (Moscow: Izd. Moskovskii Rabochii, 1924).

[22] Devido às restrições da Segunda Lei da Termodinâmica, compostos orgânicos simples seriam os componentes mais comuns da “sopa”, e os mais complexos seriam os menos comuns. As moléculas mais complexas geralmente teriam o conteúdo de informações mais alto e seriam menos favorecidas de um ponto de vista termodinâmico.

[23] Duane L. Rohlfing, “The Development of the Proteinoid Model for the Origin of Life”, Molecular Evolution and Protobiology, ed. Koichiro Matsuno, Klaus Dose, Kaoru Harada, and Duane L. Rohlfing (New York: Plenum Press, 1984), pp. 29-43.

[24] Fujio Egami, “Chemical Evolution in the Primordial Ocean and the Role of Transition Element Íons” [em Russo], Izvestiya Nauk SSSR, Seriya Biologicheskaya, no. 4, 1980, pp. 519-526.

[25] David W. Deamer, “Amphiphilic Components of Carbonaceous Meteorites: Origins of Membrane Structure”, AAAS Abstracts: 14-19, Janeiro 1989, San Francisco, p. 24.

[26] Deve-se lembrar que muitos meteoritos contêm material primordial criado na nebulosa solar mesmo antes da formação da terra. Encontrar materiais formadores de membranas em meteoritos é um indício muito bom de que materiais semelhantes estariam presentes na terra nascente.

[27] O código genético é frequentemente confundido com a mensagem genética. A mensagem genética é o conteúdo inteiro de informações da molécula de DNA — a receita que ela contém. O código genético é a regra de correspondência entre a estrutura do DNA e a estrutura da proteína.

[28] A. G. Cairns-Smith, Seven Clues to the Origin of Life: A Scientific Detective Story (Cambridge University Press, 1985), p. 115.

[29] O oxigênio, devido à sua alta reatividade química, quando corre solto na célula, é como um touro em uma loja de cristais. A não ser que seus movimentos sejam direcionados cuidadosamente, é provável que ataque e arruíne muitas das moléculas informacionais da célula. Pode até mesmo matá-la.

  • autor: Frank Zindler
  • tradução: Arnaldo Elias
  • fonte: Sociedade da Terra Redonda
  • original: American Atheist, Fevereiro, Março e Abril de 1999