É impressionante o número de pessoas que insistem em dizer que eu não sou um ateu. Parece bem óbvio para mim que eu não acredito que qualquer deus exista, e sinceramente acho que isso faz de mim um ateu. Contudo, aí estão essas pessoas, tão insistentes em dizer que eu não posso ser um ateu. “Você é muito bacana”, ela dizem, ou “na verdade, você acredita, só não sabe disso” (como é que é?). Às vezes eu ouço algo como “Você acredita em alguma coisa, e isto, na realidade, é deus” ou “você ainda está procurando, mas ainda vai encontrá-Lo” (ele está convidado a fazer uma visitinha à minha casa quando quiser). Quando eu tenho tempo de conversar com essas pessoas, elas geralmente me dizem isto: que, na verdade, eu sou agnóstico, pois estou querendo admitir que não sei se existe qualquer deus. É aparentemente tão importante para as pessoas acreditarem que eu seja “na verdade, apenas um agnóstico” que eu penso que isto é um sinal assustador do poder que a religião possui sobre as pessoas. É trágico que a simples ideia de que um bom amigo ou parente ser um verdadeiro e declarado ateu seja tão horrível que precise ser negada.
Às vezes tenho a chance de explicar que sou um ateu, não porque sei que não existe deus, mas porque acredito que não existe deus. Se alguém insistisse que seu peixe de estimação pode falar, eu não poderia dizer que sei que ele não fala, especialmente se não pudesse ir lá verificar, mas ainda seria sensato eu dizer que não existem peixes falantes. A importância disto é que acredito que deus exista da mesma maneira que acredito que peixes possam falar. Certamente, eu não examinei todas espécies de peixes, muito menos cada peixe no mundo, e nem poderia realizar tal façanha; mas a alegação de que eles existem é tão contrária à minha experiência pessoal e aos fatos observados, que eu simplesmente não irei acreditar nisto até que uma prova definitiva seja oferecida. É claro, se eu visitar alguém e seu peixe falar comigo, eu ainda serei sensato ao testar a possibilidade de truque ou de insanidade antes de acreditar que eles realmente possam falar. Mas, se eu me encontrar com vários peixes falantes, e pessoas confiáveis confirmarem isto, e cientistas publicarem estudos cuidadosamente pesquisados sobre eles, e a manchete dos jornais disserem “Descoberta incrível: peixes falantes!”, aí sim seria mais do que razoável acreditar que eles existam. Ninguém duvida de tal bom senso, até que ele seja aplicado à religião.
Eu nunca vi ou falei com um deus, nem vi um deus fazer algo que fosse, sem sombra de dúvida, divino. As pessoas insistem em dizer que sabem que um deus existe, mas a maioria delas afirma que apenas o sentem, e não oferecem nenhuma outra prova. De fato, é estranho que aqueles poucos que sinceramente oferecem a prova mais legítima, que é a de ouvir deus falando, sejam considerados loucos até pelos crentes. Os crentes estão provavelmente certos sobre isso, mas o seu “sentimento” de que deus existe, a meu ver, não é mais convincente. Qualquer um pode “sentir” que os peixes falam, mas isto não significa que tal fato seja verdade; nem seria uma maneira segura de saber que tal fato é verdade, se ele realmente fosse. As pessoas também dizem que existem bilhões de testemunhas da existência de deus; mas como a grande maioria apenas “sente” que deus existe, nem trilhões de testemunhas seriam suficientes. Eu estou impressionado com o número de pessoas que pensam que se a Terra parasse de girar, nós iríamos todos cair no espaço — elas apenas “sentem” intuitivamente que isto é verdade, apesar de exatamente o oposto acontecer (na verdade, as pessoas no Equador iriam ganhar alguns quilogramas). Eu acredito que bilhões de pessoas “sentem” que deus existe, mas sentimentos são apenas evidências que se sustentam em nossos corações e em nossos sonhos. Sentimentos não dizem muito sobre a realidade fora de nós mesmos.
As pessoas também afirmam que a Bíblia diz que deus existe. A Bíblia também diz que um cara viveu dentro da barriga de um peixe gigante durante três dias, de algum modo escapando de ser digerido pelos ácidos estomacais; e que uma enchente “tão grande” que cobriu todas montanhas aconteceu para satisfazer o desejo genocida de um deus aparentemente sem criatividade (Por que não fazer todo mundo desaparecer instantaneamente e evitar que as pessoas e os animais do mundo sofressem ao se afogarem?). Considerando que isto me soa como um conto de fadas, eu acho que deus provavelmente é um conto de fadas também. Basicamente, se a Bíblia diz que existem peixes falantes, eu não acreditaria nisso até que visse um por conta própria (a Bíblia realmente alega a existência de asnos falantes). Da mesma maneira, a Bíblia pode dizer que um deus exista, mas eu ainda não acreditarei nisso até que veja um por conta própria.
Porém, a maioria das pessoas que encontro não percebe que sou antes de tudo um livre-pensador, e só sou um ateu devido à aplicação desse livre-pensamento sobre as evidências disponíveis. As razões que tenho para ser um livre-pensador são na realidade bem diferentes das razões que tenho para não acreditar em um deus. Às vezes uso uma camisa que diz: “Nós todos precisamos de humanidade, não de religião; de razão, não de fé”. Isso tem originado conversas interessantes sobre o porquê de eu ser um livre-pensador. “Isso é um tanto indelicado”, dizem alguns que leem a camisa. Eu pergunto por quê. Parece-me sensato que se a religião fosse banida da Terra, mas fosse substituída por uma raça humana inteira trabalhando em conjunto, não perderíamos nada, e ganharíamos tudo. Logo, nós precisamos de humanidade — isto é, a nossa própria humanidade, a espécie humana como um todo. Mas nós não precisamos de religião — ela não oferece nada que não possa ser obtido através de outros meios.
Também me parece sensato que se as pessoas vivessem pela razão ao invés de pela fé, muitas tragédias enormes teriam sido evitadas, e um número igual de avanços teria sido feito, especialmente no comportamento humano. Eu não afirmo que isto seja uma receita para a utopia, apenas uma receita para melhoras significativas. Quantas vezes nos encontramos comentando sobre um criminoso ou um político: “Eles são tão estúpidos! Qualquer pessoa racional teria agido de modo totalmente diferente!”. Um criminoso ou um político pode ter a fé que quiser, mas ainda fará coisas estúpidas — e esse é o problema. Portanto, nós só precisamos que as pessoas ajam de maneira inteligente. Nós podemos fazer isso sem fé. Na realidade, a “fé” dos homens-bomba islâmicos e dos destruidores de clínicas de aborto são uma ameaça real à humanidade, da mesma maneira que a “fé” dos membros do Partido Comunista em sua crença de que o comunismo iria nos levar à utopia. As pessoas podem viver sem fé. Porém, elas não podem viver sem razão.
É claro, geralmente se afirma que precisamos da religião para que a humanidade se comporte e trabalhe em conjunto. Todas as evidências dizem o contrário. A religião notadamente não tem melhorado o comportamento humano. Os pagãos romanos eram muito mais gentis do que os cristãos da Inquisição. A religião também não tem unido cristãos, muçulmanos, budistas e judeus. Com certeza, ela os tem dividido. Na verdade, a religião nunca irá uni-los, isso porque a religião exige que eles compartilhem as mesmas crenças, sem oferecer evidência suficiente de que suas ideias sejam mais corretas que a de qualquer outra pessoa. Por outro lado, a razão é a única coisa que pode realmente unir as pessoas com opiniões divergentes. A razão, por definição, baseia suas decisões nas evidências disponíveis a qualquer um, e permite às pessoas discordarem quando há falta de evidências. A religião nunca fará isto, e esse é o seu problema.
Também é frequentemente dito que nós precisamos de fé tanto quanto nós precisamos da razão. Geralmente essa afirmação é baseada em uma definição bem ampla de “fé”. Muitos têm dito que os ateus possuem fé como todos os outros, e que ninguém pode viver sem ter fé em algo. No entanto, isto é enganoso. Se você quer dizer que “fé” significa “crença”, então você pode dispensá-la por completo. Na realidade, fé é geralmente empregada para descrever uma justificativa particular para a crença em algo, ao invés de simplesmente dizer que você acredita nesse algo. Se eu digo que acredito que não existam peixes falantes, não é muito produtivo dizer que isso prova que tenho “fé” que peixes não falam; isso porque eu não acredito nisso com fé. Eu acredito nisto por causa das evidências dos meus sentidos e das evidências apresentadas por pessoas empregando o método racional de obtenção da verdade sobre as coisas. Contudo, dizer que você tem “fé” que deus existe significa mais do que apenas dizer que você acredita nisto. Significa que você acredita que deus existe porque você tem fé que ele exista. É a esse significado de fé que a razão se opõe. Eu não acredito em nada com fé. Eu só acredito nas coisas porque eu tenho boas evidências para sustentá-las. E isto é o que significa razão: basear todas as crenças nas evidências dos sentidos, e em nada mais.
É claro que alguns tentam se aproveitar disso. Por exemplo, eles dizem que eu simplesmente substituí minha fé em deus pela fé na razão. Contudo, só acredito na razão porque as evidências dos meus sentidos têm confirmado que a razão é confiável. Eu não acredito nela com fé. As pessoas também dizem que eu, na verdade, acredito nas coisas que eu nunca vi serem demonstradas, como a existência do urânio ou que meus amigos iriam me defender numa situação de vida-ou-morte. E isso, dizem eles, prova que eu realmente tenho fé em algumas coisas. Porém, nem mesmo essas crenças são realmente baseadas na fé. As evidências dos meus sentidos têm provado até agora que certas fontes são confiáveis o suficiente para que eu acredite nelas se não existirem evidências afirmando exatamente o contrário. A ciência, o jornalismo responsável e as pessoas que eu sei que honestamente utilizam métodos já conhecidos e testados; todos eles têm se provado dignos de confiança pelos meus próprios sentidos. Se suas alegações repentinamente contradissessem a minha experiência pessoal, eu iria parar de acreditar em suas afirmações. As alegações da Bíblia obviamente caem na categoria de “inacreditáveis”. É por isso que eu acho que a existência do urânio é muito mais provável que a existência de um deus. Eu não acredito nisso devido à minha fé na ciência, mas porque as evidências dos meus sentidos dizem que a ciência acerta muito mais vezes do que a Bíblia. Mais do que isso, a ciência admite muito mais rapidamente seus erros do que qualquer religião um dia admitirá. Do mesmo modo, a fé em meus amigos também é baseada em experiências anteriores. As evidências dos meus sentidos provam até agora que as pessoas honestas, misericordiosas e maduras irão defender seus amigos. Logo, todas minhas crenças são baseadas em evidências, e não na fé.
Por que eu penso dessa maneira? Parece até ingênuo fazer tal pergunta. Realmente faz sentido basear suas crenças em coisas para as quais você não possui boas evidências? “Fé em deus” não é o mesmo que fé na ciência ou nos amigos, ou até em suposições cotidianas como “um peixe não escreveu este ensaio”. Fé em deus significa fé de que algo impressionantemente impossível de acreditar, tanto não provado quanto improvável que seja verdade. Isso simplesmente não é sensato para mim. Eu nunca irei basear minhas crenças em tais produtos da imaginação, pois isso facilmente leva ao erro e à autoilusão. Apesar de o meu coração me dizer coisas úteis sobre mim mesmo, apenas minha mente tem algo de útil para dizer sobre o mundo externo. E ela me diz que deus, assim como peixes falantes, é a maior das ficções.
Eu suspeito que muitas pessoas pensam que precisam acreditar em deus para que suas vidas tenham sentido, e esta pode muito bem ser a única razão para que acreditem em deus. Mais do que uma suspeita, essa teoria tem sido confirmada várias vezes através de declarações abertas de crentes com os quais falei. Contudo, não é racional acreditar em algo apenas porque você precisa, especialmente quando esse algo possui grandes chances de ser falso. Não é sábio construir um elo emocional com qualquer ideia que possa estar errada, ainda mais se ligar a uma má ideia que pode levá-lo ao erro e à desgraça. Nós todos podemos facilmente ver que um jogador compulsivo “precisa” acreditar que vai ganhar a fim de continuar apostando, mas essa necessidade não possui qualquer correspondência com a verdade. Se as chances são 10 contra 1, não importam as necessidades de um jogador, ele provavelmente estará errado sobre suas chances de ganhar a aposta.
Considerando que eu sempre vivi a minha vida com significado e alegria, sem a necessidade da crença em um deus ou em uma vida após a morte, eu sei que tais crenças são desnecessárias. Eu também tenho encontrado pessoalmente centenas de outras pessoas que encontram um amplo sentido para a vida sem precisarem da crença em deus ou no paraíso; logo, eu sei que não sou apenas uma aberração da Natureza. Então, quando qualquer pessoa me pergunta por que eu sou um livre-pensador, eu geralmente começo com a resposta curta: não é necessário ou sensato pensar de outra maneira. E, como um livre-pensador, se qualquer crente tentar discutir que você não pode provar que um deus não existe, simplesmente peça para que ele prove que este ensaio não foi escrito por um peixe. Talvez a partir daí ele comece a entender.