Como criar uma pseudociência

Anthony R. Pratkanis

Toda vez que leio relatos acerca de novas pseudociências na Skeptical Inquirer ou observo o mais recente programa de televisão no estilo de “Em busca de…”, tenho a mesma resposta cognitiva: “Macacos me mordam! Como alguém pode acreditar nisso?”. Alguns exemplos recentes incluem: “Macacos me mordam! Por que as pessoas gastam US$ 3,95 por minuto para falar ao telefone com um ‘sensitivo’ que nunca previu o futuro?”; “Macacos me mordam! Por que as pessoas acreditam que uma dieta vegetariana totalmente crua é natural e, portanto, nutritiva?”; “Macacos me mordam! Por que dois policiais caçam o planeta Vênus pelas estradas, pensando que era uma espaçonave alienígena?”; “Macacos me mordam! Por que as pessoas gastam milhões de dólares por ano com fitas subliminares que simplesmente não funcionam?”.

Existem, é claro, muitas respostas diferentes para essas perguntas “Macacos me mordam!”. Mágicos podem duplicar façanhas pseudocientíficas e assim nos mostrar o quanto alguma prestidigitação e uma orientação errada podem nos iludir. Os sociólogos podem nos apontar as condições sociais que aumentam a prevalência de crenças pseudocientíficas. Os cientistas naturais podem descrever as propriedades físicas dos objetos para mostrar que o que aparenta ser sobrenatural é, na verdade, natural. Os psicólogos cognitivos já identificaram certas tendências mentais que frequentemente nos levam a distorcer a realidade social e a favorecermos fenômenos sobrenaturais. Estas perspectivas são úteis ao tratarmos das perguntas do tipo “Macacos me mordam!”; afinal, todas nos dão uma peça do quebra-cabeça para que possamos solucionar este mistério.

Aqui, descreverei como um psicólogo social responde a uma pergunta do tipo “Macacos me mordam!”. A psicologia social é o estudo da influência social — como os seres humanos e suas instituições influenciam e afetam uns aos outros. Nas últimas sete décadas, os psicólogos sociais vêm desenvolvendo várias teorias de influência social e testando a eficiência de várias táticas de persuasão. Defendo a tese de que muitas dessas táticas descobertas por eles são usadas todos os dias, talvez de forma não totalmente consciente, pelos divulgadores da pseudociência.

Para ver o quanto essas táticas podem ser usadas para divulgar tolices, vamos fazer de conta, por um momento, que queremos criar nossa própria pseudociência. Aqui estão nove táticas de propaganda muito comuns que poderiam nos levar ao sucesso.

1. Crie um fantasma

A primeira coisa que precisamos fazer é criar um fantasma — um objetivo inatingível que parece real e possível, como se pudesse ser alcançado desde que com o esforço certo, a crença certa, ou apenas a quantidade correta de dinheiro, mas que, na realidade, não pode ser obtido. A maioria das pseudociências é baseada na crença numa meta distante. Alguns exemplos de fantasmas pseudocientíficos: encontrar um extraterrestre, contatar um parente morto numa sessão espírita, receber a sabedoria do Universo através de um golfinho canalizado e melhorar o jogo de boliche ou superar o trauma de um estupro com uma fita de mensagens subliminares.

Os fantasmas podem ser mecanismos eficazes de propaganda. Se não tenho um fantasma desejável, sinto-me frustrado e inferiorizado como pessoa. Um pseudocientista pode tirar vantagem desses sentimentos de inferioridade oferecendo-nos um meio de alcançar esse objetivo. Numa corrida para aumentar a autoestima, suspendemos nosso bom senso e logo aceitamos a oferta da pseudociência.

O truque é levar o novo adepto a acreditar que o fantasma é possível. Não raro, a mera menção das delícias de um fantasma bastará para fascinar o nosso recruta. Afinal, quem não gostaria de melhorar sua vida sexual, sua saúde, aumentar sua paz de espírito, tudo por uma fita subliminar de US$ 14,95? O medo da perda de um fantasma também pode nos motivar a aceitá-lo como real. A ideia de que nunca falarei de novo com um ente querido falecido, ou que, no próximo mês, eu mesmo posso morrer de câncer, pode ser tão dolorosa que me fará suspender minha autocensura e me agarrar a uma esperança após outra de que o médium pode contatar os mortos ou que Laetrile funciona. Mas, às vezes, a coisa é mais difícil, e precisamos de nossa próxima tática de persuasão.

2. Arme uma cilada racionalizadora

A cilada racionalizadora é baseada na seguinte premissa: faça a pessoa se comprometer com a causa o mais rápido possível. Isso feito, a natureza do pensamento muda. O coração comprometido não está muito interessado numa avaliação cuidadosa dos méritos do rumo de uma ação, mas sim em provar que está certo.

Para vermos como o comprometimento com uma pseudociência pode ser feito, vejamos um caso bizarro: os suicídios em massa liderados pelo líder religioso Jim Jones. Esta é a suprema pergunta do tipo “Macacos me mordam!”: “Por que matar a si e aos seus filhos por ordem de uma outra pessoa?”. Vendo de fora da seita, isso pode parecer estranho, mas para quem vê de dentro parece natural. Jones começava induzindo seus seguidores a comprometimentos fáceis (uma oferta para a igreja, assistir ao culto na quarta-feira à noite) e, então, ia aumentando o nível de comprometimento — mais dízimos, mais tempo no culto, juramentos de lealdade, admissão pública de pecados e as respectivas penitências, venda das casas dos fiéis, sexo forçado, mudança para a Guiana e, então, o suicídio. Cada passo era realmente pequeno. E onde os observadores externos viam um resultado estranho, os fiéis viam uma experiência crescente de engajamento.

Esse é um exemplo dramático, mas nem toda crença em pseudociência chega a tais extremos. Por exemplo, existem aqueles que ocasionalmente consultam um vidente ou ouvem uma fita subliminar. Em tais casos, o comprometimento pode ser garantido pelo que os psicólogos sociais chamam de “a técnica do pé na porta”. Funciona assim: você começa com um pedido pequeno, tal como aceitar um exame de coluna grátis com um quiroprático, tomar uma amostra de vitaminas ou completar um inventário de personalidade gratuito. Então um pedido maior vem em seguida — um realinhamento quiroprático de US$ 1.000, um regime à base de vitaminas ou uma cara série de seminários. O primeiro pequeno pedido cria o comprometimento: ora, por que você aceitaria aquele exame ortopédico, tomaria aquelas vitaminas ou completaria aquele teste se você não estivesse interessado e pensasse haver algo de bom nisso? Uma resposta extremamente comum: “Caramba! Acho que estou interessado!”. E a cilada racionalizadora está acionada.

Agora que garantimos o comprometimento da vítima com um objetivo fantasma, precisamos de algum apoio social para as crenças pseudocientíficas recém-descobertas. As próximas táticas foram projetadas para reforçar essas crenças.

3. Fabrique uma fonte de credibilidade e sinceridade

Nossa terceira tática é criar uma fonte de credibilidade e sinceridade. Noutras palavras, crie um guru, líder, místico, senhor ou outra autoridade genericamente aceitável e poderosa, uma em que as pessoas teriam de ser loucas para não acreditar. Por exemplo, praticantes de medicina alternativa frequentemente têm “diplomas de graduação” como quiropráticos ou homeopatas. Vendedores de fitas subliminares alegam possuir conhecimento especializado e treinamento em campos como o da hipnose. Defensores de avistamentos de OVNIS, muitas vezes, se tornam diretores de “centros de pesquisa”. “Detetives sensitivos” vêm com longos currículos de serviços policiais. Profetas recorrem a sucessos passados. Por exemplo, a maioria de nós “sabe” que Jeane Dixon previu o assassinato do presidente Kennedy, mas provavelmente não sabe que também previu uma vitória de Nixon em 1960. Como as relações públicas modernas nos têm mostrado, ganhar credibilidade é mais fácil do que poderíamos normalmente pensar.

Produzir credibilidade é um recurso eficaz de propaganda por pelo menos duas razões. Primeira, nós frequentemente processamos mensagens persuasivas num estado de desatenção — seja porque não estamos motivados para pensar, não temos tempo para refletir ou por falta das habilidades necessárias para entender o assunto. Nesses casos, a presença de uma fonte confiável pode nos levar a concluir rapidamente que a mensagem tem valor e deve ser aceita.

Segunda, produzir credibilidade pode fazer cessar o questionamento (Kramer e Alstad, 1993). Afinal de contas, o que lhe dá o direito de questionar um guru, um profeta, a imagem da Virgem Maria ou um sincero pesquisador dos potenciais ocultos da vida? Esclarecerei esse ponto com um exemplo. Suponha que lhe diga que a afirmação seguinte é uma previsão do desenvolvimento da bomba atômica e do avião de combate:

Eles pensarão ter visto o Sol à noite
Quando verão o porco meio-humano
Barulho, canção, a batalha feita no céu percebida,
E se ouvirá o diálogo de bestas brutas.

Você provavelmente responderia: “Hã? Não vejo como se deduz a bomba atômica disso. Essa poderia muito bem ser a previsão de uma exibição do filme do Dr. Doolittle numa viagem de avião ou o advento de uma partida de beisebol no campo de Wrigley”. No entanto, atribua a afirmação a Nostradamus e a dinâmica muda. Nostradamus foi um homem que supostamente curava doentes da peste, predisse quem iria ser papa, antecipou o futuro de reis e rainhas, e até mesmo encontrou um pobre cachorro perdido pelo pajem do rei. Um vidente e profeta de tamanha grandeza não pode estar errado. A mensagem implícita aqui é esta: o problema é com você; ao invés de questionar, por que você não desliga sua mente linear, imperfeita, até conseguir o discernimento necessário?

4. Estabeleça um “granfalloon”

Onde estaria um líder sem ninguém para liderar? Nossa próxima tática dá a resposta. Estabeleça o que Kurt Vonnegut denomina um “granfalloon”, uma associação de pessoas orgulhosa e desprovida de significado. Um dos achados mais notáveis da psicologia social é a facilidade com que os “granfalloons” podem ser criados. Por exemplo, o psicólogo social Henri Tajfel meramente trouxe algumas pessoas ao seu laboratório, jogou uma moeda e as dividiu aleatoriamente em dois grupos, os Xs e os Ws. No final do estudo, perfeitos estranhos entre si estavam agindo como se aqueles em seu “granfalloon” fossem parentes próximos e os do outro grupo fossem seus piores inimigos.

Os “granfalloons” são poderosos meios de propaganda porque são fáceis de criar e, uma vez estabelecidos, o “granfalloon” define a realidade social e mantém as identidades sociais. A informação é dependente do “granfalloon”. Uma vez que a maioria dos “granfalloons” rapidamente desenvolve grupos dissidentes, as críticas podem ser atribuídas a esses “malvados” de fora do grupo, que são, assim, reprimidos. Para manter uma identidade social desejada, tal como a de um pesquisador ou de um rebelde da Nova Era, deve-se obedecer aos ditados do “granfalloon” e seus líderes.

A sessão espírita clássica pode ser vista como um “granfalloon” ad hoc. Note o que acontece quando você se senta na escuridão e ouve uma pancada. Você depende do grupo conduzido por um médium para a interpretação do som. “O que é isto? Um joelho contra a mesa ou meu há muito falecido Tio Ned? O grupo acredita que é o Tio Ned. Discordar abertamente [Rocking the boat] seria descortês. Além disso, vim aqui para ser um pesquisador”.

É essencial para o sucesso dessa tática a criação de uma identidade social compartilhada. Ao criá-la, eis algumas coisas que você pode querer incluir:

(a) rituais e símbolos (ex.: uma varinha de rabdomancia, símbolos secretos e maneiras especiais de preparar a comida): eles não apenas criam uma identidade, mas fornecem itens para uma venda lucrativa;

(b) jargões e crenças que só os membros do grupo entendem e aceitam (ex.: você está numa cúspide com a ascensão de Júpiter): jargão é um meio eficaz de controle social, já que pode ser usado para ajustar e enquadrar a interpretação dos eventos;

(c) objetivos comuns (ex.: acabar com as guerras, espalhar a fé e os produtos a ela relacionados, desenvolver o potencial humano de alguém): tais objetivos não apenas definem o grupo, mas motivam a ação enquanto os crentes tentam alcançá-los;

(d) sentimentos comuns (ex.: o entusiasmo de uma profecia que pode parecer verdadeira ou a racionalização coletiva de crenças estranhas para os outros): sentimentos comuns reforçam o senso de comunidade;

(e) informação especializada (ex.: o governo dos EUA faz parte de uma conspiração para encobrir os OVNIS): isso ajuda a vítima a se sentir especial porque ele ou ela faz parte “dos que sabem”.

(f) inimigos (ex.: praticantes de medicina alternativa se opondo à Associação Americana dos Médicos ou à Food and Drug Administration [agência americana que avalia, aprova e controla a qualidade das drogas e alimentos comercializados nos EUA], companhias de fitas subliminares menosprezando os psicólogos acadêmicos, e espiritualistas condenando Randi [um polêmico ex-mágico dedicado a desmascarar alegações de paranormalidade, espécie de Quevedo secular americano] e outros investigadores): inimigos são muito importantes, pois você, como um pseudocientista, precisará de bodes expiatórios para culpar por seus problemas e falhas.

5. Use persuasão autogerada

Uma outra tática para promover uma pseudociência e uma das mais poderosas já identificadas por psicólogos sociais é a persuasão autogerada — o sutil planejamento de uma situação que leve os alvos a convencerem a si mesmos. Durante a Segunda Guerra Mundial, Kurt Lewin foi capaz de levar os americanos a comer mais miúdos de carne fazendo-os formar grupos para discutir como poderiam persuadir outras pessoas a comer esses alimentos.

Os comerciantes dos assim chamados produtos nutricionais descobriram esta técnica transformando os clientes em vendedores. Para criar uma organização de vendas com múltiplos níveis, o comerciante de “alimentos” recruta clientes (que recrutarão ainda mais clientes) para servir como representantes de venda para o produto. Esses clientes são recrutados como um teste de sua crença no produto ou com a esperança de obter muito dinheiro (muitas vezes para comprar mais produtos). Ao tentar vender o produto, o vendedor-que-era-cliente se convence ainda mais de valor da mercadoria que está vendendo. Um chefe de múltiplos níveis diz a seus novos representantes de venda para “responderem a todas as objeções com testemunhos. Esse é o segredo para motivar as pessoas”, e é também o segredo para convencer a si mesmo.

6. Construa apelos vívidos

Joseph Stalin comentou certa vez: “A morte de um único soldado russo é uma tragédia. Um milhão de mortes é uma estatística”. Em outras palavras, um estudo de caso ou exemplo bem-apresentado pode causar uma impressão duradoura. Por exemplo, as pseudociências estão repletas de histórias vívidas de aviões e navios perdidos no Triângulo das Bermudas, alienígenas do espaço examinando os órgãos sexuais de seres humanos, eventos bizarros em Borley Rectory ou Amytiville, Nova Iorque [localidade imortalizada numa famosa série de filmes de terror], e cirurgias espirituais removendo tumores cancerosos.

Uma apresentação vívida provavelmente será memorável e difícil de refutar. Não importa quantos argumentos lógicos sejam usados para se opor à alegação pseudocientífica, a imagem daquele incidente ainda permanece e vem logo à mente para uma resposta: “Sim, mas e a casa assombrada em Nova Iorque? É difícil explicar aquilo”. A propósito, uma das melhores maneiras de conter um apelo vívido é com um igualmente vívido que lhe seja contrário. Por exemplo, para refutar histórias sobre cirurgias espirituais nas Filipinas, Randi conta uma igualmente vívida história de um cirurgião espiritual manejando órgãos de galinha e fingindo removê-los de uma paciente doente (e agora menos rica).

7. Use a pré-persuasão

Pré-persuasão é quando se define a situação ou o cenário de modo que se possa vencer, às vezes sem ter o trabalho de levantar um argumento válido. Como se faz isso? Pelo menos três passos são importantes.

Primeiro, estabeleça a natureza da questão. Por exemplo, para evitar a ira da FDA, os defensores da medicina alternativa definem a questão como sendo de liberdade de saúde (você deve ter o direito à alternativa de saúde de sua escolha), evitando cair na de proteção ao consumidor ou de qualidade do tratamento. Se a questão se define como sendo acerca de liberdade, o defensor da medicina alternativa vencerá porque “Quem se opõe à liberdade?”. Outro exemplo dessa técnica é criar um problema ou uma doença, tal como hipoglicemia reativa ou alergia a leveduras, que simplesmente parecem ser “curáveis” com qualquer charlatanice que você tenha para vender.

Outra forma de definir a questão é através da diferenciação. Empresas de fitas subliminares usam a diferenciação de produtos para responder a estudos com conclusões negativas acerca da eficácia de sua mercadoria. A alegação: “Nossas fitas têm uma técnica especial que as fazem superiores àquelas usadas no estudo e que não conseguiram mostrar o valor terapêutico das fitas subliminares”. Portanto, os resultados nulos são usados para fazer uma determinada fita subliminar parecer superior. A Psychic Network [rede americana de consultas por telefone com supostos videntes] tem uma abordagem similar: “Cansado daquelas estatísticas falsas? As nossas são comprovadas”, diz o anúncio.

Segundo passo: crie expectativas. Elas podem nos levar a interpretar informações ambíguas de maneira a confirmar uma hipótese original. Por exemplo, a crença no Triângulo das Bermudas pode nos levar a interpretar uma queda de avião na costa de Nova Iorque como evidência dos efeitos sinistros do Triângulo. Recentemente, conduzimos um estudo que mostrava como uma expectativa pode fazer as pessoas pensarem que as fitas subliminares de fato funcionam quando, na verdade, isso não acontece. Em nosso estudo, as expectativas foram criadas através da troca dos rótulos de metade das fitas. Os resultados mostraram que cerca da metade dos sujeitos pensaram que haviam melhorado (embora não houvessem) baseados no que dizia o rótulo da fita (e não no conteúdo real). O rótulo os levou a interpretar seu comportamento em favor das expectativas, no que chamamos de “efeito placebo”.

Uma terceira maneira de pré-persuadir é especificar os critérios de decisão. Por exemplo, aqueles que acreditam em videntes desenvolveram diretrizes sobre o que poderia ser visto como evidência aceitável de habilidades paranormais — tais como usar experiências pessoais como dados, pondo o ônus da prova sobre o crítico e não sobre o declarante, e acima de tudo manter James Randi e outros psi-inibidores fora da sala de testes. Aceitando-se esses critérios, qualquer um concluirá de que o paranormal é uma realidade. A colaboração de Hyman e Honorton é uma tentativa positiva de estabelecer uma discussão justa.

8. Use heurísticas e lugares-comuns com frequência

Minha próxima recomendação para o futuro pseudocientista é usar heurísticas e lugares-comuns. Heurísticas são regras condicionais simples do tipo “Se… então…” amplamente aceitas; por exemplo, se algo é mais caro, então deve ser mais valioso. Já os lugares-comuns são crenças amplamente aceitas que servem como base para um apelo; por exemplo, a reforma governamental da saúde deve ser rejeitada porque os políticos são corruptos (admitindo-se a corrupção política como uma crença muito difundida). As heurísticas e os lugares-comuns obtêm seu poder do fato de terem grande aceitação e, portanto, induzirem pouca reflexão quanto a se a regra ou o argumento são apropriados.

Para criar e difundir uma pseudociência, borrife generosamente o seu apelo com heurísticas e lugares-comuns. Aqui vão alguns exemplos:

(a) A heurística da escassez — ou: se é raro, é valioso. A Psychic Friends Network custa salgados US$ 3,95 por minuto e, portanto, deve ser valiosa. Por outro lado, um professor médio da Universidade da Califórnia custa cerca de US$ 0,27 por minuto e, portanto, tem pouco valor!

(b) A heurística do consenso — ou: se todos concordam, deve ser verdade. Fitas subliminares, anúncios de videntes por telefone e medicina fajuta sempre mostram testemunhos de pessoas que encontraram aquilo que procuravam.

(c) A heurística do comprimento da mensagem — ou: se a mensagem é longa, é válida. As brochuras sobre fitas subliminares frequentemente listam centenas de estudos subliminares a favor de suas afirmativas. Contudo, a maior parte desses estudos não lida com a influência subliminar e, por isso, são irrelevantes. Um observador desinformado se impressionaria com o peso da evidência.

(d) A heurística da representação — ou: se um objeto lembra outro (em algum aspecto de destaque), então agem da mesma forma. Por exemplo, na medicina popular, a cura muitas vezes lembra a causa aparente da doença. A homeopatia é baseada na noção de que pequenas quantidades de substâncias que podem causar os sintomas de uma doença curarão essa doença. A Doutrina Chinesa das Assinaturas declara que a similaridade da forma determina o valor terapêutico; assim, chifres de rinoceronte, galhos de veados e a raiz do ginseng têm forma fálica e supostamente aumentam a vitalidade.

(e) O lugar-comum do natural — ou: o que é natural é bom e o que é artificial é ruim. As medicinas alternativas são divulgadas com a palavra “natural”. Habilidades psíquicas são retratadas como capacidades naturais, mas perdidas. Alimentos orgânicos são naturais. É claro que grãos de visco também são, e eu não recomendo uma dieta baseada neles.

(f) O lugar-comum do deus interior — ou: os humanos têm um lado espiritual que é negligenciado pela moderna ciência materialista. Este lugar-comum vem da noção da alma, que foi modernizada por Mesmer como magnetismo animal e então convertida pela Psicanálise no poderoso e oculto inconsciente. A pseudociência joga com esse lugar-comum oferecendo meios de entrar em contato com o inconsciente, tais como fitas subliminares, de provar que este poder oculto existe através da percepção extra-sensorial (PES), ou de falar com os remanescentes dessa espiritualidade através da canalização e da sessão espírita.

(f) Os lugares-comuns da Ciência. Os pseudocientistas usam a palavra “Ciência” de forma contraditória. Por um lado, a palavra é usada à larga pela maioria deles: fitas subliminares fazem uso da “mais recente tecnologia científica”; videntes são “cientificamente testados”; novidades terapêuticas são “o que há de mais avançado na Ciência”. Por outro, a Ciência é muitas vezes mostrada como algo limitado. Por exemplo, um artigo na revista Self falava de nossos estudos com fitas subliminares mostrando não haver evidências de que elas funcionam e então afirmava: “Os fabricantes das fitas debatem sobre a objetividade dos estudos. Dizem que a Ciência nem sempre pode explicar os resultados da Ciência convencional também”. Em cada caso, um lugar-comum sobre Ciência é usado: (1) “A Ciência é poderosa” e (2) “A Ciência é limitada e não pode substituir o pessoal”. O uso seletivo desses lugares-comuns permite que uma pseudociência alegue possuir o poder da Ciência, mas ter uma saída conveniente para o caso de a ciência não servir aos seus propósitos.

9. Ataque os oponentes destruindo seu caráter

Finalmente, você vai querer que a sua pseudociência fique a salvo de ataques externos. Já que a melhor defesa é o ataque, ofereço-lhe o conselho de Cícero: “Se você não tem um bom argumento, ataque o demandante”.

Deixe-me dar um exemplo pessoal desta tática em ação. Após a nossa pesquisa mostrando que as fitas subliminares não têm valor terapêutico ter sido divulgada, meus co-autores, Tony Greenwald, Eric Spangenberg, Jay Eskenazi e eu fomos alvo de muitas insinuações. Um boletim sobre as fitas subliminares editado por Elson Taylor, Michael Urban e outros alegou que a nossa pesquisa era um estudo mercadológico projetado não para testar as fitas, mas “para demonstrar a influência das práticas de mercado nas percepções dos consumidores”. O artigo diz ainda que todo o corpo de dados apresentado por Greenwald representa uma dissertação de mercado de Spangenberg e pergunta por que Greenwald é citado como autor. O boletim faz também outros ataques, afirmando que nossa pesquisa carecia de um grupo de controle; que nós, na verdade, encontramos efeitos significativos das fitas; que violamos a ética da American Psychological Association, dando uma dica de que haveria uma investigação; que relatamos prematuramente os nossos achados de maneira similar à daqueles que anunciaram prematuramente a fusão a frio; e que estávamos conduzindo uma campanha caluniosa no estilo de Willie Horton contra os que buscavam ajudar os americanos a alcançar suas metas pessoais.

Muitos céticos podem mostrar tipos de ataques parecidos. No século XIV, o bispo Pierre d’Arcis, um dos primeiros a contestar a autenticidade do Sudário de Turim, foi acusado pelos defensores deste de o fazer motivado pela inveja e pelo desejo de possuir o sudário. Hoje, James Randi é descrito pelos defensores de Uri Geller como “um poderoso paranormal tentando convencer o mundo de que tais poderes não existem de modo que possa assumir a liderança no mundo dos paranormais”.

Por que essas insinuações são um recurso de propaganda tão poderoso? Os psicólogos sociais apontam três categorias de resposta. Primeira, as acusações mudam o tema da discussão. Note que a “nova” discussão sobre as fitas subliminares não é sobre se valem seu dinheiro ou não. Em vez disso, estamos discutindo se sou ou não ético, se sou um pesquisador competente, e até mesmo se cheguei a fazer mesmo a pesquisa.

Segunda, as insinuações levantam dúvidas sobre o caráter da pessoa atacada. Essas dúvidas podem ser especialmente poderosas quando há pouca informação de outras fontes sobre as quais se poderia basear um julgamento. Por exemplo, o leitor mediano do boletim subliminar que citei provavelmente sabe pouco sobre mim, minha pesquisa, o processo de revisão em grupo que a avaliou, e não sabe que vivo do magistério universitário e não da venda das fitas subliminares. Esse leitor médio ficará com a impressão de que sou um cientista antiético e incompetente que está fora de controle. Quem em sã consciência acreditaria no que tal pessoa tem para dizer?

Finalmente, as insinuações e rumores negativos têm um efeito inibidor. A vítima começa a se questionar quanto à sua própria reputação e se a luta vale a pena. Um processo judicial fútil é uma maneira efetiva de aumentar esse efeito.

A Ciência pode ser divulgada com propaganda?

Estaria sendo negligente se não debatesse mais uma questão: podemos vender a Ciência com as táticas de persuasão da pseudociência? Sejamos honestos: a Ciência, algumas vezes, recorre a essas táticas. Por exemplo, carrego na carteira um cartão de sócio do Aquário de Monterey Bay com uma foto da mais linda lontra que você jamais verá na vida. Estou no “granfalloon” da lontra. Em algumas ocasiões, os céticos têm sido exagerados com seus argumentos e ataques. Apenas como exemplo, veja o artigo de George Price na Science de 1955 atacando o trabalho de Rhine e Soal sobre a percepção extra-sensorial — um ataque que foi bem além dos dados disponíveis.

Até compreendo o uso dessas táticas. Se uma lontra bonitinha pode inspirar uma criança a buscar entender a Natureza, então que assim seja. Mas devemos lembrar que tais táticas podem ser ineficazes se não forem seguidas por um envolvimento no processo científico — o processo de questionar e descobrir. E devemos estar atentos para o fato de que o uso de técnicas de propaganda tem seu preço. Se basearmos nossas alegações em táticas baratas de propaganda, então será fácil para o pseudocientista desenvolver outras ainda mais efetivas e ganhar o dia.

Mais fundamentalmente, a propaganda funciona melhor quando estamos distraídos, pensadores simplistas tentando racionalizar nosso comportamento para nós mesmos e para os outros. A Ciência funciona melhor quando somos ponderados e críticos, examinando cuidadosamente as declarações que ouvimos. Nosso trabalho deve ser divulgar essa ponderação e esse exame. Devemos ser cuidadosos ao selecionar nossas estratégias de persuasão para que sejam coerentes com esse objetivo.

 

Publicado na revista Skeptical Inquirer vol. 19, nº 4 (julho-agosto/1995), pp. 19-25, com o título “How to sell a pseudoscience”.