Ceticismo

Jean-Paul Dumont

1. Significado do ceticismo antigo

1.1. Dados históricos

O fundador do ceticismo grego foi Pirro (fim do séc. IV a.C.). Ele não deixou nenhum escrito filosófico. Nasceu em Élis, pequena cidade do Peloponeso, onde viveu inicialmente como pintor, depois se interessou pela Filosofia, principalmente sob a influência de Anaxarco de Abdera, em companhia de quem seguiu Alexandre, o Grande, por ocasião da campanha da Ásia. Retornando a Élis, fundou uma escola filosófica que lhe valeu uma enorme reputação junto a seus concidadãos. Ele vivia pobre e simplesmente em companhia de sua irmã, Filista, que exercia a ocupação de parteira. Seu historiógrafo posterior, Antígone de Caristo, expressou em linguagem anedótica a indiferença de alma, a impassibilidade e o domínio de si que ele tinha. Ele teve por discípulo Tímon, autor de várias obras em versos e em prosa: as Sátiras, ou Considerações suspeitas (sendo que o verbo “satirizar” passou a significar, a partir de então, “lançar-se a uma crítica acerba”); as Imagens; um diálogo, o Python (jogo de palavras sobre Pirro?); dois tratados em prosa, Sobre as sensações e Contra os físicos. Porém, sua obra nos é apenas conhecida de modo muito fragmentário.

A escola cética conhece um eclipse que equivale a um desaparecimento. Certa forma de ceticismo é, então, praticada pelos neo-acadêmicos: Arcesilau (primeira metade do séc. III e início do séc. II a.C.), chefe da Nova Academia. Em seguida, a escola renasce graças à atividade de Enesidemo, de quem a obra é bastante conhecida, mas de quem a vida é de tal modo pouco conhecida que hesitamos sobre a época em que viveu (ele foi contemporâneo de Cícero ou viveu um século mais tarde?). Depois dele, a figura mais marcante é a de Agripa, mas da carreira dele nada conhecemos, a não ser os cinco argumentos que Diógenes Laércio lhe atribui. Aparece, em seguida, Sexto Empírico, o grande historiador do ceticismo, de quem também não sabemos quando e onde viveu (entre o início do séc. II e a segunda metade do séc. III d.C., sem dúvida na Grécia, posto que ele parece conhecer muito bem, além de Atenas, Alexandria e Roma). Ele pertencia à escola empírica, o termo “empírico” sendo quase sinônimo de médico. Esta escola foi erguida em honra ao médico Menodoto de Nicomédia, discípulo de Antíoco de Laodiceia. A história do ceticismo antigo termina no século III.

1.2. Divergências das tradições

O ceticismo grego é bem-conhecido, principalmente pelo testemunho dado por Sexto Empírico através de obras que expõem minuciosamente sua intenção e seus argumentos. Mais ou menos na mesma época, Diógenes Laércio dedicou uma parte importante do livro IX de suas Vidas à escola pirrônica. Em seguida, Eusébio de Cesareia (início do séc. III) expôs em sua Preparação evangélica (XIV, 18) um testemunho bastante longo, relativo à Tímon, e conservado pelo peripatético Arístocles de Mecena, que foi quase seu contemporâneo. Percebe-se, pois, que as fontes relativas ao ceticismo antigo são extremamente tardias, já que a doutrina foi fixada somente cinco séculos mais tarde.

As fontes latinas incluem um capítulo das Noites áticas de Aulo-Gélio (início do séc. II d.C.) que utiliza Favorinos, Gaulois de Arles, contemporâneo de Adriano, e que mantém uma distinção entre céticos e acadêmicos.

Resta Cícero. Como, frequentemente, Cícero é nossa fonte mais antiga em matéria de história de filosofia antiga. Assim como a exposição de Catão, em De Finibus, constitui o mais antigo trabalho do conjunto do estoicismo, os Acadêmicos e, em menor grau, as Tusculanas contêm um certo número de informações relativas aos aspectos morais do pirronismo e aos aspectos epistemológicos da filosofia acadêmica. Porém, é preciso limitar a importância do testemunho de Cícero por três razões. Primeiramente, (1) ele é, embora o mais antigo, muito posterior aos céticos. Por outro lado, (2) Cícero não conhece o termo grego, de modo que ele usa a palavra latina scepticus (não-clássica), com a qual ele não poderia interpretar corretamente o ceticismo. Enfim, (3) ele fala, sobretudo, de Arcesilau e de Carnéades, de quem conhece as polêmicas com o estoico Crisipo. Ora, é muito difícil admitir que o que ele atribui a Arcesilau e a Carnéades possa valer também para os discípulos de Pirro.

Como frequentemente na história do pensamento antigo, encontramo-nos diante de tradições fixadas posteriormente; o autor, que retranscreve a opinião dos antigos ou de seus predecessores, reconstitui a tese que ele lhes empresta. Conhecer em sua pureza uma tese antiga, fragmentada e retranscrita logo depois, é uma empreitada que convém renunciar. Todavia, a respeito da história do ceticismo, a impossibilidade de escolher uma maneira absolutamente decisiva entre uma ou outra tradição comporta consequências filosóficas incalculáveis. Se adotarmos o ponto de vista de Cícero, embora Cícero seja o único autor antigo a sustentá-lo, estamos condenados a fazer, dos céticos, filósofos que afirmam com ênfase que nada podemos conhecer. Os Acadêmicos são a fonte dos que — como Sêneca, santo Agostinho, Hume, Kant ou Hegel — oferecem do ceticismo antigo a imagem de um niilismo radical. Em compensação, se adotarmos o ponto de vista grego de Eusébio, de Sexto Empírico ou de Diógenes Laércio, o ceticismo é, ao contrário, uma filosofia cujo critério baseia-se na vida, na experiência e no fenômeno, excluindo apenas as especulações dogmáticas. Como dizem Sexto Empírico (Hypotyposes Pirrônicas, III, 179) e Diógenes Laércio (Vidas, IX, 104), “o fogo, que por essência queima, causa a cada um a representação de ser quente”. Vemos, então, nesta perspectiva, que a significação do ceticismo torna-se completamente diferente daquela de um pretenso niilismo que conduziria os homens à indiferença e à inação. Assim sendo, cabem duas questões: Por que o ceticismo grego constituiu-se como um fenomenismo? Por que, depois, um contrassenso foi cometido a respeito de seu verdadeiro significado?

1.3. O fenomenismo grego

A importância conferida pelo ceticismo ao conceito de fenômeno pode ser medida pelas palavras de Tímon: “O fenômeno prevalece sobre tudo, por toda parte onde ele se encontra” (Sexto Empírico, Contra os lógicos, I, 30; Diógenes Laércio, Vidas, IX, 105). No início, este conceito não pertence propriamente à linguagem filosófica, mas antes à física. Por fenômeno, os ouvintes do sofista Protágoras ou os leitores de Platão entendem uma realidade física, ou seja, uma imagem constituída de ar e de luz, que desempenha no processo da visão um papel determinante. Contrariamente aos cientistas dos tempos modernos que se acostumaram, depois de Kepler e Descartes, a comparar o olho ao dispositivo ótico da câmara escura, a antiguidade grega fez intervir na produção da visão um duplo fluxo luminoso: o objeto emite ou reflete a luz, mas ao mesmo tempo o olho, vendo, emite um raio que parte ao encontro daquele que o objeto está emitindo. Esta concorrência dos dois fluxos requer um meio transparente ou diáfano como o ar quando é de dia ou quando as trevas não o tornam opaco. Do encontro desses dois raios luminosos nasce um corpo, ou objeto material; portanto, um produto mediato, uma espécie de meio-termo visível, que leva o nome de fenômeno, designando a natureza luminosa da representação. Ele provoca uma dupla consequência. Por um lado, o objeto nunca é tomado ou apreendido conforme sua própria natureza ou tal qual ele é em si mesmo. Esse é o sentido que Sexto Empírico dá à antiga fórmula de Anaxágoras: “Os fenômenos são a visão do que permanece oculto”. O fenômeno é, portanto, como uma máscara ou cortina que se interpõe entre o objeto e olho; o visível é o que dissimula o real tornado invisível. Por outro lado, o fenômeno contém sempre alguma coisa que pertence ao sujeito; é por estar cheio de sangue que o olho percebe um fenômeno roxo e por estar com icterícia que vê tudo amarelo. Assim, tudo é relativo, o que leva, como Aristóteles o diz de Protágoras, a considerar que os fenômenos são o critério e a medida de todas as coisas.

Quando interpretamos filosoficamente uma física da visão desse tipo, somos levados a considerar que a realidade empírica do objeto não poderia constituir um dado absoluto e que o conhecimento efetua-se relativamente ao sujeito que participa de sua constituição. Assim, no tempo de Pirro, a física grega coloca a filosofia diante da seguinte alternativa: já que a realidade empírica não é uma realidade apreendida em si, é preciso afirmar, ou que não há ciência possível, a qual se reduz à sensação, ou que a ciência se fundamenta numa realidade inteligível; e essa é a última solução examinada por Platão. Mas, no primeiro caso, que é o do empirismo estrito, os fenômenos constituem o único critério ao qual podemos legitimamente nos ater. Consequentemente, não resta mais que uma coisa a fazer: tomar a sensação por guia — é o que fazem os cirenaicos — ou tomar a vida por guia — é o que fazem os pirrônicos. Se acreditarmos em Tímon, conforme o que indica Eusébio, o fato de constatar que as coisas não manifestam visivelmente ou fenomenicamente qualquer diferença absoluta entre elas e escapam igualmente à certeza e ao juízo que pretende conhecê-las absolutamente, permite-nos permanecer sem opinião e sem inclinação, de escapar a todo abalo ou dúvida da alma, de limitar-nos a dizer, de cada coisa, que ela não é mais isto que aquilo, o que conduz à afasia e à ataraxia (Eusébio, op. cit., XIV, 18). Consequentemente, o ceticismo antigo não é uma negação da ciência ou do saber; é, ao contrário, solidário ao desenvolvimento da física da percepção.

1.4. Evolução do relativismo

Entretanto, o século III a.C. é marcado por uma profunda subversão a propósito da teoria da percepção, e os principais responsáveis por esta evolução científica são os estoicos. Zenão e, principalmente, Crisipo se distinguiram de seus predecessores em dois pontos essenciais.

Por um lado, recusam-se, de modo absoluto, a admitir, como Platão ou Aristóteles, a existência de realidades inteligíveis, mesmo que concebidas como imanentes ao objeto empírico. Eles se apresentam como empiristas no sentido estrito. É por isso que eles são nominalistas, consideram os conceitos como abstrações e desenvolvem uma lógica original que suprime as classes e que prefigura a lógica proposicional dos modernos. Assim, eles dão razão, aparentemente, aos pirrônicos, contra Platão. Lembramos, ainda, que o final do século III é marcado pelo triunfo do pensamento empírico.

Mas, por outro lado, os estoicos rejeitam também a antiga física fenomênica. Na realidade, eles consideram a sensação como uma pura e simples afecção concebida conforme o modelo da impressão deixada na alma pelos objetos exteriores. Certamente, a impressão não se confunde com a realidade empírica destes. Portanto, a sensação nada apreende do objeto exterior: ela é passiva. Mas, ao mesmo tempo em que a alma recebe a sensação, ela imagina espontaneamente e instantaneamente a causa da sensação; e é por isso que a imaginação é dita compreensiva, porque percebe a causa da qual a sensação é o efeito. Como se vê, os estoicos contornam a dificuldade levantada pelo estatuto físico do fenômeno, e compreende-se, ao mesmo tempo, que, neste contexto diferente e renovado, tenham se desenvolvido polêmicas entre os estoicos e os defensores da Nova Academia.

É por essa época que deve se situar a intervenção de Enesidemo. Sua recusa do dogmatismo estoico consiste, essencialmente, em criticar a teoria da representação compreensiva, isto é, a possibilidade da alma imaginar corretamente e espontaneamente a causa da sensação que ela experimenta, utilizando, segundo um registro filosófico, o antigo modelo físico desvalorizado fornecido pelo conceito de fenômeno. Esta é a razão pela qual ele desenvolve uma série de argumentos destinados a exaltar o relativismo e a mostrar que toda representação, pretensamente compreensiva, não pode perceber a essência da coisa. Estes argumentos são conhecidos sob a denominação de Dez Tropos ou Modos de Enesidemo; e é sua exposição que, nas antigas Enciclopédias — por exemplo, a de Diderot e d’Alembert —, constitui o ponto central da exposição das teses céticas. Nós nos limitaremos, de nossa parte, a apresentar as conclusões a que nos conduziu o estudo destes tropos.

Os tropos ditos de Enesidemo são conhecidos por três exposições sucessivas e um testemunho complementar. A mais antiga versão é a oferecida por Fílon de Alexandria (Da embriaguez, 171-202) e ela compreende oito tropos. O primeiro tropo ressalta a diversidade dos animais e dos órgãos dos sentidos. Ele conclui que as sensações são relativas ao sujeito que as experimenta. O segundo tropo constata que um mesmo homem pode, segundo as circunstâncias, ser diferentemente afetado por um mesmo objeto. O terceiro tropo denuncia a relatividade das circunstâncias, como saúde e doença, sonho e vigília, idade, movimento e repouso, etc., que concorrem para a instabilidade dos fenômenos. O quarto tropo destaca a relatividade dada pelas posições, pelas distâncias e pelos lugares. O quinto tropo considera a quantidade e a composição das substâncias, cujas propriedades mudam conforme a fórmula de sua composição. O sexto tropo é o da relação. Este modo torna-se o mais importante na versão de Sexto Empírico e Diógenes Laércio, pois é o que funda o relativismo universal. O sétimo tropo revela o caráter misturado dos eflúvios provenientes de um objeto exterior. O oitavo tropo constata a diversidade dos costumes, das leis, da moral, das crenças e das convicções.

A essa exposição em oito tropos que se encontra em Fílon corresponde a afirmação de Eusébio, segundo a qual Enesidemo teria formulado nove tropos, assim como a presença, em Sexto Empírico e em Diógenes Laércio, de exposições quase parecidas e que somente diferem pela ordem dos argumentos, que, em compensação, são em número de dez. Nós resolvemos este problema propondo que se considere que a versão retranscrita por Fílon remete a um escritor cético anônimo (e por que não ao tratado de Tímon, Sobre as sensações?), ao qual Enesidemo teria acrescentado um novo modo, aquele que, em Sexto Empírico e em Diógenes Laércio constitui o terceiro e que é relativo à diferença de disposição dos órgãos dos sentidos. Não foi senão mais tarde que Favorinos teria acrescentado um décimo argumento que ocupa o nono lugar na enumeração de Sexto Empírico e constitui uma variação pouco importante sobre o tema da frequência e da raridade das ocorrências.

Em todo caso, esses argumentos são destinados a contestar o caráter absoluto do conhecimento sensível e a recusar a pretensão dogmática e estoica de escapar ao antigo relativismo. A época de Enesidemo é a do relativismo filosófico.

Sem dúvida, é também nesta época que se encontra reafirmada a vocação moral do ceticismo. Se, como pensa P. Couissin, a palavra epoché — isto é, “suspensão do juízo” — foi tomada emprestada de Zenão por Arcesilau e não criada por Pirro, bem que a ideia esteve certamente no próprio Pirro, e é o relativismo filosófico de Enesidemo que melhor contribui para definir a suspensão do juízo como a regra não-dogmática da vida cética. O cético denuncia como vãs as concepções noumênicas e, recusando exercer dogmaticamente seu entendimento, limita-se a constatar a relatividade dos fenômenos, opondo entre eles as representações presentes e passadas e tirando de seu conflito argumentos para uma vida tranquila e silenciosa.

1.5. Os novos céticos

O lugar da alma no qual se dá o jogo das oposições entre fenômenos e nôumenos é, segundo Enesidemo, a memória. A uma representação presente, pode-se opor uma representação passada, ou até, a imaginação de uma coisa futura. É a razão pela qual, na prática da dúvida cética, a alma não se encontra totalmente engajada. Mais tarde, veremos Descartes, convicto da unidade do espírito humano, experimentar a dúvida como uma angústia que interessa à totalidade das faculdades. Ao contrário, com Enesidemo ou Sexto Empírico, é feita uma separação entre a faculdade sensitiva e a faculdade de imaginar ou de conceber, embora a dúvida possa permanecer a expressão feliz e tranquila de uma imaginação e de um entendimento suspensos ou, se se preferir, dogmaticamente inativos. Entretanto, para chegar a este silêncio do entendimento colocado na impossibilidade de se pronunciar sobre a natureza em si do objeto empírico, é preciso poder dispor de remédios apropriados e, sobretudo, cuidadosamente dosados a fim de não ocasionar, pela refutação de uma tese, a adesão do espírito a uma tese contrária. É a razão pela qual os céticos inventam, com Agripa, e praticam, com Sexto Empírico, uma nova lógica. Enquanto que, nas escolas gregas de filosofia, a lógica ou a dialética cumprem uma função defensiva contra os adversários do sistema, aqui a dialética é o instrumento de uma terapêutica destinada a dividir a alma em duas, ou seja, a impedir o entendimento de dogmatizar, concedendo plena confiança aos sentidos e à vida.

Os novos céticos imaginaram cinco argumentos. O primeiro é o da discordância. Ele consiste em reconhecer a oposição entre as opiniões e as teses; assim; na frase “A neve é branca, mas a água é escura” é impossível saber qual é essencialmente a cor da água, e convém suspender o juízo quanto a este ponto. O segundo argumento é o da regressão ao infinito. Ele consiste em considerar que a prova a que o dogmático quiser recorrer remete a uma outra prova, e assim ao infinito; por exemplo, pretender dar uma definição absoluta de qualquer coisa expõe quem formula esta pretensão a uma regressão ao infinito, já que o que define requer que ele mesmo seja definido, e assim por diante. O terceiro argumento é o da relação. Ele consiste em constatar que não somente os objetos são relativos entre si, mas que toda representação é sempre uma representação para um sujeito e relativa a ele. Este argumento retoma o da relação tal como Enesidemo o expressara. Esquerda e direita, pai e filho são relativos. Significante e significado são relativos. Tudo é relativo, o que exclui a universalidade. A própria fórmula “tudo é relativo” deve ser entendida no sentido de “tudo nos aparece ou nos é representado conforme um fenômeno relativo”. Este argumento manifesta a herança filosófica de Protágoras. Ele estabelece um relativismo universal. Ele denuncia a pretensão do entendimento de se referir a uma certeza absoluta, ao conhecimento do real. O quarto argumento é o da hipótese. Quando os dogmáticos querem escapar do regresso ao infinito, eles colocam no início da cadeia de razões algo indemonstrável do qual convém admitir o caráter hipotético. Isto é o que fazem os geômetras que procedem por axiomas, definições e postulados. Mas o cético recusa-se a aceitar o que eles pedem e esquecer o caráter hipotético dos princípios nos quais a dedução se fundamenta. Assim, a geometria euclidiana ou a geometria estoica são denunciadas como sistemas hipotéticos: a outras hipóteses corresponderiam outras geometrias. O último argumento é o do dialelo ou círculo vicioso. Quando a gente pretende fundamentar circularmente uma prova sobre uma consequência daquilo que a gente procura demonstrar, a gente cai num círculo vicioso. O silogismo aristotélico que pretende deduzir da maior universal “todo homem é animal” a conclusão que “Sócrates é animal” cai no círculo vicioso. Pois a proposição “todo homem é animal” é, na realidade, fundada na indução que inclui todos os homens conhecidos: Sócrates, Platão, Díon. Consequentemente, é a conclusão, “Sócrates é animal”, que serve para fundamentar a hipótese “todo homem é animal” de tal modo que a gente cai num círculo vicioso.

Até estes últimos anos, alguns eruditos ficaram exasperados pela multiplicação dos argumentos que Sexto Empírico propôs, enquanto que um espírito tão fino como o de Henri Estienne encontrou neles um grande deleite. Com efeito, é preciso ver bem que este estoque de argumentos dialéticos reuniu uma farmacopeia extremamente diversificada, comportando analgésicos, calmantes e tranquilizantes da alma, objetos necessários para o cientismo da época, isto é, a pretensão dogmática de tudo conhecer.

Ora, da mesma forma como observamos a propósito do pirronismo, quando, longe de derrubar toda ciência, a dúvida é solidária de um estado dado da ciência, constatamos também em Sexto Empírico uma evolução particularmente significativa. Seu último tratado, Contra os astrólogos, não é dirigido contra a astronomia experimental, mas contra o charlatanismo dos caldeus. Ele admite a utilidade e a legitimidade de uma astronomia experimental que permita regular os trabalhos da agricultura e prever as cheias dos rios. Vemo-lo discutir os problemas postos para a medida do tempo por meio de um relógio d’água e refletir sobre o ajuste das simultaneidades. Enfim, o empirismo resulta em pesquisas comparáveis aos futuros métodos indutivos de Stuart Mill e coloca a possibilidade de edificar uma ciência não-dogmática, que seria experimental.

Ainda que isso seja dito muito claramente pelos textos céticos, essa afirmação pode, entretanto, surpreender. Ela decorre do fato de que, em matéria de ceticismo, o contrassenso parece ter conseguido mais força que a própria verdade histórica; mais exatamente, é o próprio contrassenso que é histórico a ponto de se impor contra a letra dos textos. Consequentemente, é a este aspecto tradicional do ceticismo que convém agora voltarmos nossa atenção.

2. As transformações do ceticismo

2.1. História da história do ceticismo

A história do ceticismo moderno é inseparável da interpretação que os modernos propõem do ceticismo antigo. Todos os que se declaram céticos em certo sentido, como Montaigne ou Hume, fazem-no referindo-se a certa ideia do ceticismo. Mas, por outro lado, os partidários de certo ceticismo não são os únicos a falar e a se posicionar em relação à ideia que eles fazem do mesmo. Assim, é necessário definir a imagem que os grandes filósofos deram do ceticismo antigo.

Esta é, entretanto, uma tarefa difícil. É preciso, com efeito, lançar-se também a uma elucidação histórica das razões pelas quais sucessivamente o ceticismo antigo foi apresentado. Tal história em segundo grau — cujo projeto é o de dar conta do estado do conhecimento das fontes em épocas diversas e da motivação das preferências interpretativas — exigiria, para ser completa, que, ao mesmo tempo, se pudesse dar conta das metamorfoses do ceticismo antigo, do estado do conhecimento das fontes em épocas diferentes e das motivações das preferências interpretativas pelas quais os intérpretes se tornaram responsáveis. É claro que, nas épocas em que os textos pirrônicos são bem-conhecidos, o ceticismo é de preferência encarado como um empirismo e como um fenomenismo. Em compensação, quando a influência de Cícero é predominante, é a interpretação acadêmica de um ceticismo negador que tende a se impor. Mas, por outro lado, as famílias espirituais, às quais se ligam os intérpretes, orientam tão profundamente sua ligação seja à corrente do pensamento cristão, seja à corrente do pensamento racionalista, que convém dar conta esquematicamente agora.

2.2. Cristianismo e ceticismo

O primeiro filósofo a ter retomado os gregos e a ter, de algum modo, vivido de novo a experiência da dúvida foi santo Agostinho. Uma grande parte de sua obra é dedicada a um esclarecimento das razões que a gente poderia ter para pôr em dúvida os conhecimentos humanos. O diálogo Contra os acadêmicos apresenta, na sua terceira parte, toda a matéria das razões para duvidar que constituíram “alimento tão comum remastigado pela Meditação primeira de Descartes. Entretanto, o modelo ao qual santo Agostinho se refere não é o pirronismo, mas a dúvida acadêmica, que oferece o exemplo de uma verdade impossível de descobrir e de uma busca destinada a não terminar. Por outro lado, santo Agostinho não se sente à vontade na dúvida. Enquanto que a suspensão do juízo aparecia voluptuosa a Enesidemo, ela o mergulha num verdadeiro desespero diante da certeza inencontrável, a desesperatio veri.

O ceticismo ganha, com santo Agostinho, três características novas. Primeiramente, a dúvida é vivida. Se pensarmos no caráter existencial que toma a dúvida cartesiana e que revestirá a consciência infeliz de Hegel, devemos reconhecer em santo Agostinho o mérito surpreendente de inaugurar para o ceticismo uma função totalmente nova. A razão disso é a impossibilidade agostiniana de separar as funções da alma, assim como o faziam os discípulos de Enesidemo. A unidade de espírito humano confere à dúvida a dimensão total de um completo desespero. Em segundo lugar, ao ser ao mesmo tempo desesperadora e existencial, a dúvida é uma experiência. Enquanto experiência — o que lhe confere uma intensidade particular —, a dúvida é passageira e dura um momento. Deste modo, a busca cética deixa de ser a busca zetética dos meios da suspensão, para tornar-se o momento da procura de uma verdade que ainda não se possui porque não está no poder da ciência possuí-la. É preciso notar este desvio do sentido grego da investigação cética para o sentido cristão de uma investigação da verdade. Em terceiro lugar, ao mesmo tempo em que a dúvida constitui uma experiência, ela é, não obstante, também um momento no sentido dialético do itinerário filosófico. O desespero é a expressão do momento da negatividade. A dúvida marca, na literatura cristã, o ponto da passagem obrigatório que constitui a permanência no purgatório, a prova necessária do pecado, o encontro das trevas do erro, cuja função revela as insuficiências de uma ciência ateia ou de uma certeza não-fundada num Deus garantidor das verdades eternas. A dúvida é, pois, o momento da negação que transforma o saber humano numa certeza fundada na segurança de uma fé divina. Por isso mesmo, a experiência cética ocupa, na vida do crente, um lugar privilegiado, já que ela é a expressão da insuficiência do paganismo e a afirmação já presente de uma certeza de uma ordem inteiramente nova. É porque Descartes e Hegel são, no fundo, tão cristãos quanto santo Agostinho, que um propõe dar, à dúvida unicamente metódica do Discurso do método, a dimensão espiritual do desespero existencial das Meditações; e que o outro concebe o desenvolvimento da consciência como passando para um instante necessário do erro com o objetivo de chegar a uma certeza fundamentada. O ceticismo é um instante do purgatório em que a fé desolada e perdida se despoja das ilusões sensíveis, antes de ultrapassar o instante da crítica e da busca, para a apreensão de uma certeza tornada sólida, porque endurecida por ocasião desta própria prova.

Daí decorre que o ceticismo, que a gente poderia acreditar espontaneamente que ele é rejeitado como um pecado e como uma abominação pelos teólogos, seja, na realidade, considerado pelos pensadores cristãos como um precioso auxiliar da fé em oposição à ciência. O exemplo mais claro é o uso pascaliano do pirronismo destinado a revelar a “fraqueza do homem” através de seus “discursos de humildade”. “Zombar da filosofia é, em verdade, filosofar (…) Nós não acreditamos que toda a filosofia valha uma hora de aflição (…) O pirronismo é a verdade.” O ceticismo cumpre, nos Pensamentos, uma função apologética: humilhar a inteligência, rebaixar o saber humano e manifestar a miséria de um entendimento abandonado por Deus.

Porém, é preciso sublinhar o caráter, no fundo, banal e extremamente clássico desta concepção do ceticismo. A voz pascaliana é somente uma dentre outras no meio de um concerto de personagens menos ilustres que, todavia, tiveram em seu tempo uma influência considerável. Nicolau de Cusa tinha, na metade do século XV, dado um esclarecimento particular, sob o nome de docta ignorantia, à ignorância reconhecida pelos neoplatônicos como a condição do homem diante da infinita grandeza de um Deus situado para além de todo o conhecimento humano. Erasmo, no Elogio da loucura, retoma a expressão de são Paulo: “Eu não falo segundo Deus, mas como se fosse louco”. Agrippa de Nettesheym, em De incertitudine e vanitate omnium scientiarum e artium líber, que conheceu um sucesso duradouro, denuncia a nociva presunção da ciência de se igualar à palavra de Deus. Henri Estienne, em seu prefácio às Hypotyposes pirrônicas de Sexto Empírico, apresenta o pirronismo como o melhor remédio contra a impiedade dos filósofos dogmáticos. Para Gentien Hervet, editor de Adversus mathematicos, a obra de Sexto Empírico exalta as fraquezas da razão humana e reconduz naturalmente o espírito para o caminho da religião católica. No século XVII, La Mothe le Vayer (Da virtude dos pagãos, 1641; Solilóquios céticos, 1670) e Huet, bispo de Avranches (Tratado da fraqueza do espírito humano, obra póstuma, 1722), retomam ainda o mesmo tema: “Minha razão não podia me fazer conhecer com uma inteira evidência e uma perfeita certeza se há corpos, qual é a origem do mundo e várias outras coisas semelhantes, mas depois que eu aceitei a fé todas estas dúvidas se esvaeceram como espectros ao levantar do sol”.

O principal responsável pelo sucesso do ceticismo foi, bem-entendido, Montaigne. Montaigne exerceu uma influência determinante sobre Descartes, Pascal… No entanto, seu caso merece ser considerado inteiramente à parte. Com efeito, seu conhecimento do ceticismo antigo é singularmente rico e exato. Por um lado, ele é um dos raros autores da Renascença e o primeiro historiador da filosofia moderna a estabelecer uma distinção entre o niilismo dos acadêmicos e o pirronismo. Por outro lado, mesmo que a única obra que ele tenha lido seja as Hypotyposes pirrônicas, ele conhece muito bem Sexto e o utiliza abundantemente. Além disso, se Montaigne atribui ao ceticismo, na Apologia de Raymond Sebond, o mesmo papel que Pascal lhe concederá em relação à fé, ele não é, por um lado, como Pascal, um homem de fé; e, por outro, o modelo do ceticismo ao qual se refere é estritamente pirrônico. Enfim, por esta razão, Montaigne reata com a tradição grega: sua convicção é a de um relativismo universal. Ele está intimamente persuadido que o sujeito singular é incapaz de ultrapassar a singularidade de suas impressões e de sua imaginação para alcançar um conhecimento válido universalmente. Houve um tempo em que comprazia-se em separar, em Montaigne, os momentos estoico, cético e epicurista de seu pensamento. Isto decorria de uma ilusão grave, e também de um desconhecimento da natureza do pirronismo. Montaigne jamais praticou o desespero acadêmico, mas ele foi de início ao fim pirrônico, tendo considerado que a honestidade o forçava a falar da maneira singular com a qual ele via o mundo através dele mesmo, ao invés de adotar sobre o mundo um ponto de vista universal, decidido e dogmático. É por isso que este autor, que cita tão abundantemente os antigos, declara preliminarmente ser ele mesmo “a matéria de seu livro”; entendamos que, para ele, todo dado é relativo a um sujeito, isto é, aos sentidos e à imaginação particular.

2.3. Racionalismo e ceticismo

O racionalismo não pode senão afastar como estéril e como errôneo o ceticismo acadêmico. A expressão de um saber que se resumiria na proposição “não sei nada”, mesmo que se tratasse do não-saber de Metrodoro, da verdade inapreensível de Demócrito ou do nihil scire de Arcesilau, é tradicionalmente denunciada como se destruindo a si mesma. Já Sócrates, no Eutidemo de Platão (286c), denuncia este tipo de tese que, querendo derrubar as outras, destrói-se ao mesmo tempo. Assim, Hume sublinha os danos daquilo que ele chama (erroneamente!) o pirronismo: a dúvida cética é uma “doença” (Tratado da natureza humana). O ceticismo é considerado “extravagante” (ibid.). A ação, o trabalho e as ocupações da vida ordinária destroem o pirronismo (Investigação). Igualmente, Kant observa que o ceticismo em geral se destrói a si mesmo, e considera os céticos como nômades, “sem domicílio fixo” (Crítica da razão pura). É evidente que os sucessos da ciência moderna parecem descartar o ceticismo entendido como o niilismo acadêmico.

Entretanto, certo pirronismo, ora reconhecido como tal, ora praticado como uma filosofia original reconstruída independentemente de sua fonte grega, continuará a existir em função do próprio racionalismo. No século XVII, a análise cartesiana do sensível faz surgir um empirismo cujos traços encontramos em Malebranche, Gassendi, Bayle ou Locke. Pois, se as matemáticas escapam a toda incerteza, não se pode dizer o mesmo das realidades empíricas e sensíveis. Para os cartesianos, as qualidades sensíveis dos objetos, como o calor, o odor e as cores não estão, assim como o nota Bayle, nos objetos de nossos sentidos: “Estas são modificações da alma; eu sei que os corpos não são tais como me aparecem” (Dicionário). “Bem que desejaríamos excetuar a extensão e o movimento, mas não podemos; porque se os objetos dos sentidos nos parecem coloridos, quentes, frios, com cheiro, ainda que eles não o sejam, por que eles não poderiam parecer extensos e figurados, em repouso e em movimento, ainda que eles não fossem nada disso?” (ibid.).

Em certo sentido, portanto, o autêntico pirronismo, o que significa dizer, o relativismo fenomênico, encontra nas análises dos cartesianos um terreno propício para sua renovação. O ponto fraco do cartesianismo não consiste, precisamente, na dificuldade encontrada para demonstrar a existência das coisas exteriores? Ora, é evidente que, se Deus garante sua existência, ele não poderia fazer que as qualidades sensíveis não fossem relativas aos sentidos que as apreendem. Quando Descartes analisa o pedaço de cera (Meditação segunda), é difícil não se perguntar qual teria sido sua atitude frente à objeção de Sexto Empírico ao analisar a maçã “lisa, de aroma agradável, de sabor doce e amarela” (Hypotyposes pirrônicas, 1, 94) e se interrogar sobre como seria nossa percepção se fôssemos surdos e cegos, ou seja, se somente dispuséssemos do tato, do paladar e do olfato, ou se possuíssemos um sentido suplementar (I, 96).

A especulação filosófica do século XVIII é inteiramente dominada pelo problema da percepção. Num sentido, Hume é o herdeiro, ao mesmo tempo, do pirronismo e do cartesianismo. “Se nós levarmos nossa investigação para além das aparências sensíveis dos objetos”, escreve ele a propósito de Newton, “a maior parte de nossas conclusões serão, eu o receio, cheias de ceticismo e de incerteza (…). A natureza real da posição dos corpos permanece ignorada. Nós conhecemos somente seus efeitos sensíveis e seu poder de receber um corpo. Nada mais está de acordo com esta filosofia do que um ceticismo limitado a certo grau e uma bela confissão de ignorância nos assuntos que ultrapassam toda capacidade humana” (Tratado da natureza humana). Reconhecemos nisso, neste limite atribuído ao empirismo, os traços do positivismo moderno. Hume será probabilista. Ele considerará que o que nós afirmamos ser leis da Natureza não são, na realidade, senão leis do espírito humano que imagina uma conexão constante entre os fenômenos, dos quais a percepção sensível somente oferece a imagem de uma conjunção. É porque a imaginação faz associações e tem uma função reprodutora, isto é, espera ver se repetir o que ela já constatou (tal será em Kant o sentido da síntese da repetição na imaginação), que ela introduz em sua visão da Natureza uma conexão e uma ordem somente prováveis e não-necessárias. Todo empreendimento kantiano consiste, ao nível da primeira Crítica, em tentar fundamentar o caráter universal e necessário dessa conexão. Mas o importante é que o quadro dessa especulação seja ainda o fenomenismo.

Um outro aspecto importante do uso racionalista do ceticismo é a exaltação do espírito de tolerância. Foi para dar término às querelas religiosas e mostrar a vaidade das oposições entre os dogmatismos fanáticos que Huart vulgarizou em francês, em 1715, as Hypotyposes de Sexto Empírico. Nós nos limitaremos aqui a destacar este ponto.

Nós já indicamos mais acima, falando de Hegel, como o ceticismo pode ser o momento da negatividade no desenvolvimento de seu conceito. A reintegração, na história do conceito ou no campo da filosofia, do pensamento cético tem por efeito falsificar a apreciação oferecida do fenomenismo. A imagem do ceticismo que Hegel preferiu dar é a da negatividade radical professada por Arcesilau. Na medida em que Hegel considera a filosofia como una, em detrimento das oposições entre as escolas, é-lhe impossível considerar que as filosofias se excluam mutuamente. Essas exclusões são apenas aparentes: é a filosofia que está em luta contra si mesma, tanto na afirmação do ceticismo radical, como no instante de sua superação.

Atualmente, o pirronismo tornou-se uma filosofia quase universalmente praticada sob o nome de positivismo. É claro que todo nosso conhecimento, por muito aperfeiçoados que sejam os instrumentos, é um conhecimento da Natureza que opera pela mediação dos sentidos. Consequentemente, todo nosso saber é relativo aos sentidos. A ideia de uma relatividade, a crítica einsteiniana da noção de simultaneidade, que não existe senão relativamente a um dado observador, os limites engendrados pelas relações de incerteza de Heisenberg a respeito de nossa apreensão dos fenômenos se produzindo pela cadeia molecular, revigoraram o antigo relativismo de Protágoras, de Pirro e de Sexto Empírico. Nenhuma época sente tão vivamente quanto a nossa o caráter historicamente relativo dos costumes, das instituições, das linguagens e das civilizações. Isso não significa que nós estejamos desesperados, convictos do não-saber do saber, mas que sabemos que não há saber sem o homem, nem conhecimento empírico fora dos homens que os constroem.

O ceticismo é, portanto, uma noção de duplo sentido. Historicamente, para os gregos que o fundaram, é um fenomenismo. Mas, ao lado deste relativismo, expressou-se, com mais ou menos força, conforme diversos contextos, uma tendência do espírito humano em reivindicar o poder infinito da negatividade. Os problemas filosóficos que dela resultam são de vários tipos: (1) É verdade que nós estamos totalmente condenados ao relativismo? É legítimo formular, fora da prática das ciências positivas, a exigência de um conhecimento racional absoluto apoiado na fé da razão ou na crença num Deus “medida de todas as coisas” como o de Platão, ou garantidor das “verdades eternas” como o de Descartes? (2) De onde vem esta vertigem, esta aspiração ao nada, este apetite pela negação, esta tendência a radicalizar a dúvida que leva o homem, contra toda evidência, a proclamar o nada de seus conhecimentos e a vaidade da ciência? Por que Pascal assusta-se com o “pirrônico Arcesilau”, como com o silêncio dos espaços infinitos? Por que o pensamento dialético quer que a filosofia trabalhe para se negar a si mesma? (3) Podemos esperar atualmente do ceticismo que ele cumpra sua dupla função grega, ou seja, reduzir o entendimento ao silêncio, mostrando as contradições dos dogmáticos e a vaidade das explicações metafísicas e religiosas que pretendem dar ao homem uma explicação total e definitiva; dar ao homem a tranquilidade e a felicidade, fazendo com que ele não confie senão na vida, e remetendo ao domínio das ilusões as questões dogmáticas, fontes de sua inquietação, de sua intransigência, de sua fantasia, numa palavra, de sua infelicidade?

  • autor: Jean-Paul Dumont
  • tradução: Jaimir Conte
  • fonte: Textos de Interesse Filosófico
  • original: “Scepticism”: Artigo da Encyclopædia Universalis, Paris, s. d., vol. 14, pp. 719-723.