autor: Emil M. Cioran

 
  • A Arrogância da Oração
    Quando se chega ao limite do monólogo, aos confins da solidão, inventa-se — na falta de outro interlocutor — Deus, pretexto supremo de diálogo. Enquanto o nomeias, tua demência está bem disfarçada e... tudo te é permitido. O verdadeiro crente mal se distingue do louco; mas sua loucura é legal, admitida; acabaria em um asilo se suas aberrações estivessem livres de toda fé. Mas Deus ...
  • A gama do vazio
    Vi este perseguir tal meta e aquele tal outra; vi os homens fascinados por objetos díspares, sob o encanto de projetos e de sonhos ao mesmo tempo vis e indefiníveis. Analisando cada caso isoladamente para descobrir as razões de tanto fervor desperdiçado, compreendi o sem-sentido de todo gesto e de todo esforço. Existe uma só vida que não esteja impregnada dos erros que fazem viver? Existe ...
  • À parte das coisas
    É preciso uma considerável dose de inconsciência para entregar-se sem reservas a qualquer coisa. Os crentes, os apaixonados, os discípulos, só percebem uma face de suas deidades, de seus ídolos, de seus mestres. O entusiasta permanece inelutavelmente ingênuo. Há sentimento puro onde a mescla de graça e imbecilidade não se traia, e admiração devota sem eclipse da inteligência? Quem ...
  • Carta Prefácio a Fernando Savater
    Não é mim a quem corresponde, caro amigo, emitir um julgamento sobre um livro do qual sou objeto. Saiba, contudo, que sua tentativa de captar até o âmago de minha maneira ver as coisas iluminou-me sobre numerosos detalhes, sobre numerosas ilusões surgidas do êxtase ou da negação, e que, deste modo, fez-me um pouco mais exterior, um pouco mais estranho a mim mesmo, a qual deveria ser a ...
  • Cioran: O Último Dândi
    P.: Sempre me chamou a atenção que, apesar de teu tom pessimista, teus livros sempre contêm algo parecido com a alegria, o humor, uma espécie de alacridade na demolição. R.: Sabes tu por quê? Porque, para mim, escrever é uma terapia, exatamente isso. Escrevi para curar-me. O primeiro livro de minha vida, Nos Cumes do Desespero (Recentemente apareceu em francês e está em vias se ser ...
  • Genealogia do fanatismo
    Em si mesma toda ideia é neutra ou deveria sê-lo, mas o homem a anima, projeta nela suas paixões e suas demências; impura, transformada em crença, se insere no tempo, adota a forma de acontecimento: o passo da lógica para a epilepsia está consumado... Assim nascem as ideologias, as doutrinas e as farsas sangrentas. Idólatras por instinto tornam incondicionados os objetos de nossos sonhos ...
  • O Antiprofeta
    Em todo homem dorme um profeta, e quando ele acorda há um pouco mais de mal no mundo... A loucura de pregar está tão enraizada em nós que emerge de profundidades desconhecidas ao instinto de conservação. Cada um espera seu momento para propor algo: não importa o quê. Tem uma voz: isto basta. Pagamos caro não ser surdos nem mudos... Dos esfarrapados aos esnobes, todos gastam sua ...
  • O Apocalipse segundo Cioran
    A história universal não é senão uma recorrência de catástrofes em direção a uma catástrofe final.
  • O Autômato
    Respiro por preconceito. E contemplo o espasmo das ideias, enquanto que o Vazio sorri a si mesmo... Não há mais suor no espaço, não há mais vida; a menor vulgaridade a fará reaparecer: basta um segundo de espera. Quando se percebe existir, experimenta-se a sensação de um demente maravilhado que surpreende sua própria loucura e busca inutilmente dar-lhe um nome. O hábito embota nosso ...
  • Os novos deuses
    Nada é mais odioso do que o tom daqueles que defendem uma causa – que se acha comprometida em aparência, mas que de fato é a vencedora; daqueles que não podem ocultar seu deleite ante a ideia do triunfo, nem podem deixar de converter seus verdadeiros terrores em ameaças.
  • Rostos da Decadência
    “Não consigo tirar de minhas pálpebras a fadiga dos povos completamente esquecidos” Hugo von Hofmannsthal Uma civilização começa a decair a partir do momento em que a Vida torna-se sua única obsessão. As épocas de apogeu cultivam os valores por si mesmos: a vida é apenas um meio de realiza-los: o indivíduo não sabe que vive. Ele vive, escravo feliz das formas que engendra, preserva ...