Os Vírus da Mente

Richard Dawkins

O porto que todos o memes precisam alcançar é a mente humana, mas uma mente humana é apenas um artefato criado quando memes reestruturam um cérebro humano para fazê-lo um hábitat melhor para memes. Os caminhos para chegada e partida são modificados para ajustar-se às condições locais e reforçados por vários dispositivos artificiais que aumentam a fidelidade e prolixidade da replicação: mentes chinesas nativas diferem dramaticamente de mentes francesas nativas e as mentes alfabetizadas diferem de mentes analfabetas. O que os memes proveem em retorno aos organismos nos quais eles residem é uma quantidade incalculável de vantagens — com alguns cavalos de Troia misturados também…

Daniel Dennett, Consciousness Explained

Forragem de Duplicação

Uma linda criança próxima de mim, com seis anos e a menina dos olhos de seu pai, acredita que Thomas o Motor de Tanque [personagem de uma história infantil] realmente existe. Ela acredita em Papai Noel, e quando ela crescer sua ambição é ser uma fada do dente. Ela e seus amigos de escola acreditam na palavra solene de adultos respeitados de que fadas do dente e o Papai Noel realmente existem. Esta pequena menina está em uma idade de acreditar em tudo que você lhe contar. Se você lhe contar sobre bruxas transformando príncipes em sapos ela acreditará em você. Se você lhe contar que crianças más ardem eternamente no inferno, ela terá pesadelos. Eu descobri há pouco que sem o consentimento do pai dela esta criança de seis anos encantadora, confiante e crédula está sendo enviada, para instrução semanal, a uma freira católica romana. Que chances ela tem?

Uma criança humana é moldada pela evolução para se saturar da cultura de seu povo. Obviamente, ela aprende os essenciais do idioma de seu povo em questão de meses. Um dicionário grande de palavras para falar, uma enciclopédia de informação para falar sobre, regras sintáticas e semânticas complicadas para ordenar a fala são todos transferidos de cérebros mais velhos ao dela antes que ela alcance metade de seu tamanho adulto. Quando você é pré-programado para absorver informação útil a altas taxas, é difícil impedir ao mesmo tempo a entrada de informação perniciosa ou prejudicial. Com tantos bytes mentais para ser assimilados, tantos códons mentais para ser reproduzidos, não é nenhuma surpresa que cérebros de crianças sejam crédulos, abertos a quase qualquer sugestão, vulneráveis à subversão, presas fáceis para Moonies, Cientologistas e freiras. Como pacientes imuno-deficientes, crianças estão amplamente abertas a infecções mentais as quais adultos poderiam repelir sem esforço.

O DNA também inclui código parasitário. A maquinaria celular é extremamente boa em copiar DNA. No que tange o DNA, ele parece ter uma ânsia para copiar, parece ansioso em ser copiado. O núcleo da célula é um paraíso para o DNA, repleto de maquinaria de duplicação sofisticada, rápida e precisa.

A maquinaria celular é tão amigável para a duplicação de DNA que é pouca surpresa que células tornem-se hospedeiras de parasitas de DNA — vírus, viroides, plasmídeos e um refugo de outros camaradas viajantes genéticos. O DNA parasitário até mesmo se torna emendado aos cromossomos de forma quase imperceptível. “Genes saltantes” e extensões de “DNA egoísta” se cortam ou copiam para fora de cromossomos e se colam em outro lugar. Oncogenes mortais são quase impossíveis de distinguir de genes legítimos entre os quais eles estão trançados. No tempo evolutivo, há provavelmente um tráfico ininterrupto de genes “legítimos” para genes “foras-da-lei”, e de volta novamente (Dawkins, 1982). O DNA é só DNA. A única coisa que distingue DNA virótico do DNA hospedeiro é seu método esperado de passar para gerações futuras. DNA hospedeiro “legítimo” é apenas DNA que aspira passar para a próxima geração pela rota ortodoxa de espermatozoide ou óvulo. DNA parasitário “fora-da-lei” é só DNA que busca uma rota mais rápida e menos cooperativa ao futuro, por uma minúscula gotinha ou fragmento de sangue, em lugar de por um espermatozoide ou óvulo.

Para dados em um disquete, um computador é um paraíso da mesma maneira que núcleos de célula têm uma ânsia em duplicar DNA. Computadores e seus leitores de disco e fita associados são projetados com alta-fidelidade em mente. Como com moléculas de DNA, bytes magnetizados não “querem” literalmente ser copiados de forma fiel. Não obstante, você pode escrever um programa de computador que toma medidas para se duplicar. Não apenas duplicar a si mesmo dentro de um computador, mas se espalhar para outros computadores. Computadores são tão bons em copiar bytes, e tão bons em obedecer as instruções contidas nesses bytes fielmente, que são vítimas fáceis para programas autorreprodutores: amplamente abertos à subversão por parasitas de software. Qualquer cínico familiar com a teoria de genes egoístas e memes teria sabido que computadores pessoais modernos, com seu tráfico promíscuo de disquetes e ligações de e-mail, estavam procurando por problemas. A única coisa surpreendente sobre a epidemia atual de vírus de computadores é que demorou tanto para ocorrer.

Vírus de Computador: Um Modelo para uma Epidemiologia Informacional

Vírus de computador são pedaços de código que se enxertam em programas existentes e legítimos e subvertem as ações normais desses programas. Eles podem viajar em disquetes trocados, ou através de redes. Eles são tecnicamente distintos de “worms” [vermes] que são programas inteiros em seu próprio direito, normalmente viajando através de redes. Bastante diferentes são os “cavalos de Troia”, uma terceira categoria de programas destrutivos que não são autorreprodutores, mas dependem de humanos para reproduzi-los por causa de seu conteúdo pornográfico ou atraente de outras formas. Vírus e worms são programas que de fato dizem, em linguagem de computador, “Duplique-me”. Ambos podem fazer outras coisas que fazem sua presença percebida e talvez possam satisfazer a vaidade dos autores deles. Estes efeitos colaterais podem ser “humorísticos” (como o vírus que faz o alto-falante embutido do Macintosh enunciar as palavras “Não entre em pânico”, com o previsível efeito oposto); maliciosos (como os numerosos vírus IBM que apagam o disco rígido depois de um anúncio na tela do desastre iminente); políticos (como os vírus Spanish Telecom e Beijing que protestam sobre custos de telefone e estudantes massacrados respectivamente); ou simplesmente inadvertidos (o programador é incompetente para controlar as chamadas de sistema de baixo nível exigidas para escrever um vírus ou worm efetivo). O famoso Internet Worm que paralisou muito do poder de computação dos Estados Unidos no dia 2 de novembro de 1988 não era projetado (muito) maliciosamente mas ficou fora de controle e, dentro de 24 horas, tinha congestionado 6.000 memórias de computador multiplicando exponencialmente cópias de si mesmo.

“Memes agora se espalham ao redor do mundo à velocidade da luz, e se reproduzem a taxas que fazem até mesmo a mosca de frutas e células de fermento parecerem glaciais em comparação. Eles saltam promiscuamente de veículo para veículo, e de meio para meio, e estão provando ser virtualmente impossíveis de colocar em quarentena” (Dennett 1990, p.131). Vírus não estão limitados a mídias eletrônicas como discos e linhas de dados. Em seu caminho de um computador para outro, um vírus pode atravessar a tinta de impressão, raios de luz em uma lente humana, impulsos de nervo óticos e contrações de músculos do dedo. Uma revista de aficcionados por computador que imprimiu o texto de um programa de vírus para o interesse de seus leitores foi extensamente condenada. De fato, tal é a atração da ideia de vírus a um certo tipo de mentalidade pueril (o gênero masculino é usado a conselho), que a publicação de qualquer tipo de informação sobre como projetar programas de vírus é vista imediatamente como um ato irresponsável.

Eu não vou publicar nenhum código de vírus. Mas há certos truques de design de vírus efetivos que são conhecidos suficientemente bem, até mesmo óbvios, que não fará nenhum mal mencioná-los, enquanto eu preciso fazer para desenvolver meu tema. Todos eles se originam da necessidade do vírus para escapar de descoberta enquanto estiver se espalhando.

Um vírus que clona a si mesmo de forma excessiva dentro de um computador será descoberto rapidamente porque os sintomas de congestionamento ficarão muito óbvios para ignorar. Por isto muitos programas de vírus checam, antes de infectar um sistema, para ter certeza se eles já não estão naquele sistema. Incidentalmente, isto abre um modo para defesa contra vírus que é análogo à imunização. Nos dias antes que um programa específico de antivírus estivesse disponível, eu mesmo respondi a uma infecção em meu próprio disco rígido por meio de uma primitiva “vacinação”. Em vez de apagar o vírus que tinha descoberto, eu simplesmente incapacitei suas instruções codificadas, deixando a “casca” do vírus com sua “assinatura” externa característica intacta. Teoricamente, os membros subsequentes das mesmas espécies de vírus que chegaram em meu sistema deveriam ter reconhecido a assinatura do seu próprio tipo e se abstido de tentar infectá-lo novamente. Eu não sei se esta imunização realmente funcionou, mas naqueles dias provavelmente valia a pena “destripar” um vírus e deixar sua casca em lugar de simplesmente isolá-lo. Hoje em dia é melhor entregar o problema para um dos programas de antivírus profissionalmente escritos.

Um vírus que é muito virulento será descoberto rapidamente e será eliminado. Um vírus que imediatamente e catastroficamente sabota todo computador no qual se encontra não se achará em muitos computadores. Pode ter um efeito muito agradável em um computador — apagar uma tese de doutorado inteira ou algo igualmente frustrante — mas não se espalhará como uma epidemia.

Então, alguns vírus são projetados para ter um efeito que é pequeno o bastante para ser difícil de detectar, mas que pode mesmo assim ser extremamente danoso. Há um tipo que, em vez de apagar todos os setores de disco, ataca só planilhas eletrônicas, fazendo algumas mudanças aleatórias dentro de quantidades (normalmente financeiras) inseridas em filas e colunas. Outros vírus evadem descoberta sendo ativados probabilisticamente, apagando por exemplo só um em 16 dos discos rígidos infectados. Já outros vírus empregam o princípio de bombas-relógio. A maioria dos computadores modernos está “ciente” da data, e vírus foram ativados para se manifestar ao redor do mundo em uma data particular como uma sexta-feira 13 ou o Dia da Mentira em 1 de abril. Do ponto de vista parasitário, não importa quão catastrófico o ataque eventual é, contanto que o vírus tenha tido bastante oportunidade para se espalhar primeiro (uma analogia perturbadora com a teoria de Medawar/Williams do envelhecimento: nós somos as vítimas de genes letais e subletais que só amadurecem depois que nós tenhamos tido bastante tempo para nos reproduzirmos (Williams, 1957)). Como defesa, algumas companhias grandes vão tão longe a ponto de utilizar um “canário de minerador” entre sua frota de computadores, e avançar o calendário interno deste computador uma semana de forma que qualquer vírus bomba-relógio revele-se prematuramente antes do dia fatídico.

Novamente de maneira previsível, a epidemia de vírus de computador desencadeou uma corrida de esforços. Software antivirótico está movimentando um comércio volumoso. Estes programas antídoto — “Interferon”, “Vaccine”, “Gatekeeper” e outros — empregam um arsenal diverso de truques. Alguns são escritos com vírus específicos em mente, conhecidos e nomeados. Outros interceptam qualquer tentativa de intrometimento em áreas de memória de sistema sensíveis e avisam o usuário.

O princípio do vírus pode, teoricamente, ser usado para propósitos não-maliciosos e até mesmo benéficos. Thimbleby (1991) cunhou o termo “liveware” [live = vivo] para seu uso já implementado do princípio de infecção para manter cópias múltiplas de bancos de dados atualizadas. Toda vez que um disco contendo um banco de dados é conectado a um computador, ele confere se já há outra cópia presente no disco rígido local. Se houver, cada cópia é atualizada à luz da outra. Assim, com um pouco de sorte, não importa que membro de um círculo de colegas insira, digamos, uma citação bibliográfica nova em seu disco pessoal. As informações recentemente inseridas dele infectarão os discos de seus colegas prontamente (porque seus colegas inserem promiscuamente os discos deles nos computadores uns dos outros) e se espalharão como uma epidemia pelo círculo. O liveware de Thimbleby não é inteiramente como um vírus: ele não pode se espalhar para o computador de qualquer pessoa e causar dano. Ele espalha dados apenas a cópias já existentes de seu próprio banco de dados; e você não será infectado pelo liveware a menos que você opte positivamente pela infecção.

Incidentalmente, Thimbleby, que está muito preocupado com a ameaça dos vírus, aponta que você pode ganhar um pouco de proteção usando sistemas de computador que outras pessoas não usam. A justificativa habitual para comprar o computador numericamente dominante de hoje é simples e unicamente a de que ele é numericamente dominante. Quase toda pessoa entendida concorda que, em termos de qualidade e especialmente facilidade de uso, o sistema rival, minoritário, é superior. Não obstante, a onipresença é celebrada como benéfica por si mesma, suficiente para superar em valor a mera qualidade. Compre o mesmo (embora inferior) computador que seus colegas, como dita o argumento, e você poderá se beneficiar de software compartilhado e de uma circulação geralmente grande de software disponível. A ironia é que, com o advento da praga de vírus, “benefício” não é tudo aquilo que você pode adquirir. Nós não só deveríamos ser muito hesitantes antes de aceitar um disco de um colega. Nós também deveríamos estar atentos que, se nós nos unimos a uma comunidade grande de usuários de uma particular marca computador, nós também estamos nos unindo a uma comunidade grande de vírus — até mesmo, podemos descobrir, desproporcionalmente maior.

Voltando a possíveis usos de vírus para propósitos positivos, há propostas para explorar o princípio “trapaceador vira regulador”, e “usar um ladrão para pegar um ladrão”. Um modo simples seria tomar quaisquer dos programas antiviróticos existentes e carregá-lo como uma “ogiva” em um vírus autorreprodutor inofensivo. De um ponto de vista de “saúde pública”, uma epidemia de propagação de software antivirótico poderia ser especialmente benéfica porque os computadores mais vulneráveis a vírus malignos — aqueles cujos donos são promíscuos na troca de programas pirateados — também serão mais vulneráveis à infecção pelo antivírus curativo. Um antivírus mais penetrante pode — como no sistema imunológico — “aprender” ou “evoluir” uma capacidade melhorada para atacar qualquer vírus que encontrar.

Eu posso imaginar outros usos do princípio de vírus de computador que, se não precisamente altruísticos, sejam pelo menos construtivos o bastante para escapar a acusação de puro vandalismo. Uma companhia de computador poderia desejar fazer pesquisa de mercado nos hábitos de seus clientes, com uma visão para melhorar o projeto de produtos futuros. Os usuários gostam de escolher arquivos através de ícone pictóricos, ou eles optam por exibi-los apenas através de seus nomes textuais? Como as pessoas encadeiam suas pastas (diretórios) uns dentro dos outros? As pessoas se contentam com uma sessão longa com só um programa, digamos um processador de textos, ou eles estão constantemente trocando de um lado para outro, digamos entre programas de redigir e desenhar? As pessoas têm sucesso movendo o ponteiro do mouse diretamente ao objetivo, ou eles vagam ao redor em movimentos que desperdiçam tempo que poderiam ser retificados por uma mudança em design?

A companhia poderia enviar um questionário que faz todas estas perguntas, mas os clientes que responderiam seriam uma amostra parcial e, em todo caso, a própria avaliação deles do seu comportamento de uso do computador poderia ser inexata. Uma solução melhor seria um programa de computador de pesquisa de mercado. Seria requisitado que os clientes carregassem este programa no sistema deles, onde ele funcionaria sem obstrução monitorando silenciosamente e contando as teclas pressionadas e os movimentos de mouse. Ao término de um ano, o cliente seria requisitado a enviar o arquivo de disco contendo todos os dados do programa de pesquisa de mercado. Mas novamente, a maioria das pessoas não se aborreceria em cooperar e alguns poderiam ver isto como uma invasão de privacidade e do espaço de seu disco.

A solução perfeita, do ponto de vista da companhia, seria um vírus. Como qualquer outro vírus, seria autorreprodutor e sutil. Mas não seria destrutivo ou facetado como um vírus ordinário. Junto com seu propulsor autorreprodutor conteria uma ogiva de pesquisa de mercado. O vírus seria liberado sorrateiramente na comunidade de usuários de computador. Como um vírus ordinário ele se espalharia, à medida que as pessoas trocassem disquetes e e-mails ao redor da comunidade. Enquanto o vírus se espalhasse de computador a computador, construiria estatísticas sobre o comportamento de usuários, monitorado secretamente dos bastidores dentro de uma sucessão de sistemas. De vez em quando, uma cópia dos vírus acharia seu caminho de volta a um dos computadores da própria companhia através de tráfico de epidemia normal. Lá seria examinado e seus dados colecionados com dados de outras cópias do vírus que tenham voltado à “casa”.

Olhando para o futuro, não é fantástico imaginar um tempo em que vírus, tanto ruins quanto bons, tornem-se tão onipresentes que nós poderemos falar de uma comunidade ecológica de vírus e programas legítimos que coexistiriam na silicosfera. No momento, o software é anunciado como, digamos, “Compatível com o System 7”. No futuro, produtos podem ser anunciados como “Compatível com todos os vírus registrados no Censo Mundial de Vírus de 1998; imune a todos vírus virulentos listados; toma vantagem completa das instalações oferecidas pelos vírus benignos seguintes se presentes…” Softwares processadores de texto, digamos, podem entregar funções particulares, como contagem de palavras e cadeias, para vírus amigáveis que passem autonomamente pelo texto.

Olhando ainda mais adiante no futuro, sistemas de software integrados inteiros poderiam crescer, não através de design, mas por algo como o crescimento de uma comunidade ecológica como uma floresta tropical. Gangues de vírus mutuamente compatíveis poderiam crescer, da mesma maneira como genomas podem ser considerados como gangues de genes mutuamente compatíveis (Dawkins, 1982). De fato, eu sugeri até mesmo que nossos genomas deveriam ser considerados como colônias gigantescas de vírus (Dawkins, 1976). Genes cooperam uns com os outros em genomas porque a seleção natural favoreceu esses genes que prosperam na presença dos outros genes que eventualmente estão na mesma comunidade de genes. Comunidades de genes diferentes podem evoluir para combinações diferentes de genes mutuamente compatíveis. Eu vejo um tempo quando, da mesma forma, vírus de computador podem evoluir para compatibilidade com outros vírus, para formar comunidades ou gangues. Mas novamente, talvez não! De qualquer modo, eu acho a especulação mais alarmante que excitante.

No momento, vírus de computador não evoluem estritamente. Eles são inventados por programadores humanos, e se eles evoluem eles o fazem no mesmo senso fraco como carros ou aeroplanos evoluem. Projetistas derivam o carro deste ano como uma modificação leve do carro do último ano, e então pode, mais ou menos conscientemente, continuar uma tendência dos últimos anos — achatar ainda mais a grade do radiador ou o que quer que seja. Projetistas de vírus de computador inventam truques cada vez mais intrincados para burlar os programadores de software de antivírus. Mas vírus de computador — até agora — não sofrem mutação e evoluem através de verdadeira seleção natural. Eles podem fazer isso no futuro. Quer eles evoluam através de seleção natural, ou quer a evolução deles seja guiada por projetistas humanos, pode não fazer muita diferença ao desempenho eventual deles. Por qualquer forma de evolução, nós esperamos que eles fiquem melhores em encobrimento e que eles fiquem sutilmente compatíveis com outros vírus que estão prosperando ao mesmo tempo na comunidade de computadores.

Vírus de DNA e vírus de computador se espalham pela mesma razão: um ambiente existe no qual há uma maquinaria bem montada para duplicar e espalhá-los por aí e para obedecer as instruções que os vírus embutem. Estes dois ambientes são, respectivamente, o ambiente da fisiologia celular e o ambiente provido por uma comunidade grande de computadores e maquinaria para lidar com dados. Há qualquer outro ambiente como estes, qualquer outro paraíso de replicação?

A Mente Infectada

Eu já aludi à credulidade programada de uma criança, tão útil para aprender o idioma e sabedoria tradicional, e tão facilmente subvertida pelas freiras, Moonies e sua laia. Mais geralmente, todos nós trocamos informação uns com os outros. Nós não inserimos exatamente disquetes em aberturas nos crânios uns dos outros, mas nós trocamos frases, tanto por nossos ouvidos quanto por nossos olhos. Nós notamos os estilos de mover e vestir uns dos outros e somos influenciados. Nós aceitamos jingles de propaganda, e somos presumivelmente persuadidos por eles, caso contrário os homens de negócios cabeças-dura não gastariam tanto dinheiro poluindo o ambiente com eles.

Pense nas duas qualidades que um vírus, ou qualquer tipo de replicador parasitário, precisa de um meio amigável. As duas qualidades que fazem a maquinaria celular tão amigável para o DNA parasitário, e que faz computadores tão amigáveis para vírus de computador. Estas qualidades são, primeiramente, uma prontidão para reproduzir informação com precisão, talvez com alguns enganos que são reproduzidos subsequentemente com precisão; e, secundariamente, uma prontidão para obedecer a instruções codificadas na informação assim reproduzida.

A maquinaria celular e computadores eletrônicos se destacam em ambas estas qualidades amigáveis aos vírus. Como cérebros humanos se saem nestes aspectos? Como duplicadores fiéis, eles são certamente menos perfeitos que células ou computadores eletrônicos. Não obstante, eles ainda são muito bons, talvez tão confiáveis quanto um vírus de RNA, mas não tão bons quanto um DNA com todas suas medidas elaboradas de revisão contra degradação textual. Uma evidência da fidelidade de cérebros, especialmente cérebros de crianças, como duplicadores de dados é fornecida pela própria linguagem. O Professor Higgins de Shaw era capaz através apenas de ouvido de situar londrinos na rua onde eles cresceram. A ficção não é evidência para nada, mas todo mundo sabe que a habilidade fictícia de Higgins é só um exagero de algo que nós todos podemos fazer. Qualquer americano pode diferenciar o sotaque do Extremo Sul do sotaque do Meio oeste, o de New England do de Hillbilly. Qualquer nova-iorquino pode diferenciar o sotaque Bronx do Brooklyn. Afirmações equivalentes poderiam ser substanciadas para qualquer país. O que este fenômeno significa é que cérebros humanos são capazes de copiar muito precisamente (caso contrário os sotaques de, digamos, Newcastle não seriam estáveis o bastante para ser reconhecidos) mas com alguns enganos (caso contrário a pronúncia não evoluiria, e todos os falantes de um idioma herdariam exatamente os mesmos sotaques dos seus antepassados remotos). A língua evolui, porque tem tanto a grande estabilidade quanto a mutabilidade sutil que são condições prévias para qualquer sistema evolutivo.

A segunda exigência de um ambiente amigável a vírus — que ele deva obedecer a um programa de instruções codificadas — é mais uma vez apenas quantitativamente menos verdade para cérebros que para células ou computadores. Nós às vezes obedecemos ordens uns dos outros, mas também às vezes não o fazemos. Não obstante, é um fato revelador que, por todo o mundo, a vasta maioria das crianças segue a religião de seus pais em lugar de quaisquer das outras religiões disponíveis. Instruções para genuflectir, curvar-se para Meca, para acenar a cabeça ritmicamente perante um muro, de balançar como um louco, para “falar em línguas” [speak in tongues] — a lista de tais padrões motores arbitrários e insensatos oferecida pela religião apenas é extensa — são obedecidas, se não servilmente, pelo menos com uma probabilidade estatística razoavelmente alta.

Menos prejudicial, e novamente especialmente proeminente em crianças, a “moda” é um exemplo notável de comportamento que deve mais à epidemiologia que à escolha racional. Ioiôs, bambolês e pula-pulas, com as atitudes determinadas de comportamento associadas a eles, passam por escolas, e mais esporadicamente saltam de escola a escola, em padrões que não diferem de uma epidemia de sarampo em nenhum aspecto importante em particular. Dez anos atrás, você poderia ter viajado milhares de milhas pelos Estados Unidos e nunca poderia ter visto um boné de beisebol usado virado ao contrário. Hoje, o boné de beisebol virado é onipresente. Eu não sei qual foi precisamente o padrão de expansão geográfica do uso do boné de beisebol virado para trás, mas a epidemiologia está certamente entre as profissões mais qualificadas para estudar isto. Nós não temos que nos enveredar por argumentos sobre “determinismo”; nós não temos que alegar que as crianças são compelidas a imitar as modas de chapéu de seus colegas. É o bastante que o comportamento de usar chapéu delas, de fato, é estatisticamente afetado pelo comportamento de usar chapéu de seus colegas.

Trivial como elas são, modas nos proveem ainda mais evidência circunstancial de que mentes humanas, especialmente talvez as juvenis, têm as qualidades que nós destacamos como desejáveis para um parasita informacional. No mínimo a mente é uma candidata plausível para infecção por algo como um vírus de computador, até mesmo se não for exatamente um ambiente de sonhos para um parasita como um núcleo de célula ou um computador eletrônico.

É intrigante imaginar como seria, do interior, se a mente de uma pessoa fosse vítima de um “vírus”. Este poderia ser um parasita deliberadamente projetado, como um vírus de computador atual. Ou poderia ser um parasita inadvertidamente transformado e inconscientemente evoluído. De qualquer modo, especialmente se o parasita evoluído era o descendente mêmico de uma linha longa de antepassados prósperos, nós somos intitulados a esperar que o vírus da mente “típico” seja muito bom em seu trabalho de reproduzir a si mesmo com sucesso.

Evolução progressiva de parasitas da mente mais efetivos terá dois aspectos. “Mutantes” novos (seja randomicamente ou projetados por humanos) que são melhores em se espalhar se tornarão mais numerosos. E haverá um agrupamento de ideias que florescem na presença umas das outras, ideias que mutuamente apoiam umas às outras da mesma maneira que genes o fazem e como especulei que vírus de computador podem um dia vir a fazer. Nós esperamos que replicadores irão juntos de cérebro para cérebro em gangues mutuamente compatíveis. Estas gangues irão constituir um pacote, que pode ser suficientemente estável para merecer um nome coletivo como Catolicismo Romano ou Vodu. Não importa muito se nós fizermos a analogia do pacote inteiro para um único vírus, ou a cada uma das partes componentes de um único vírus. A analogia não é tão precisa de qualquer maneira, como a distinção entre um vírus de computador e um verme [worm] de computador não é nada para ser considerado. O que importa é que as mentes são ambientes amigáveis para ideias ou informações parasitas, autorreprodutoras, e que mentes são tipicamente infestadas de forma maciça.

Como vírus de computador, vírus da mente de sucesso tenderão a ser difíceis para suas vítimas descobrirem. Se você for a vítima de um, as chances são de que você não saberá disto, e pode até mesmo negar vigorosamente isto. Aceitando que um vírus poderia ser difícil de descobrir em sua própria mente, que sinais indicadores você poderia procurar? Eu responderei imaginando como um livro de medicina poderia descrever os sintomas típicos de um atingido (arbitrariamente assumido como do sexo masculino).

1. O paciente se acha tipicamente impelido por alguma convicção profunda, interna, de que algo é verdade, ou correto, ou virtuoso: uma convicção que não parece dever nada à evidência ou razão, mas que, não obstante, ele sente como totalmente compelidora e convincente. Nós doutores nos referimos a tal convicção como “fé”.

2. Pacientes tipicamente atribuem uma virtude positiva à fé ser forte e inabalável, apesar dela não ser baseada em evidência. De fato, eles podem sentir que quanto menos comprovada, mais virtuosa é a convicção (veja abaixo).

Esta ideia paradoxal de que a falta de evidência é uma virtude positiva no que tange a fé tem parte da qualidade de um programa que é autossustentando, porque é autorreferente (ver o capítulo “On Viral Sentences and Self-Replicating Structures” [Sobre Sentenças Virais e Estruturas Auto-Reprodutoras] em Hofstadter, 1985). Uma vez que a proposição é acreditada, ela automaticamente mina a oposição a si mesma. A ideia de que a “falta de evidência é uma virtude” poderia ser uma sócia admirável, agrupando-se à própria fé em um grupo exclusivo de programas viróticos mutuamente encorajadores.

3. Um sintoma relacionado que um afligido pela fé também pode apresentar é a convicção de que o “mistério”, per se, é uma coisa boa. Não é uma virtude resolver mistérios. Ao contrário, nós deveríamos desfrutá-los, até mesmo nos divertir com sua insolubilidade.

Qualquer impulso para resolver mistérios poderia ser um inimigo sério para a expansão de um vírus da mente. Então, não seria surpreendente se a ideia de que “mistérios são melhores não-resolvidos” fosse um membro favorecido de uma gangue mutuamente apoiadora de vírus. Tome o “Mistério da Transubstanciação”. É fácil e não-misterioso acreditar que em algum senso simbólico ou metafórico o vinho eucarístico se transforme no sangue de Cristo. A doutrina católica romana de transubstanciação, porém, alega muito mais. A “substância inteira” do vinho é convertida no sangue de Cristo; a aparência de vinho que permanece é “meramente acidental”, “não derivando de nenhuma substância” (Kenny, 1986, pág. 72). A transubstanciação é coloquialmente ensinada como significando que o vinho se transforma “literalmente” no sangue de Cristo. Quer em seu Aristotélico obfuscatório ou em sua forma coloquial mais franca, a alegação de transubstanciação só pode ser feita se nós cometermos uma violência séria aos significados normais de palavras como “substância” e “literalmente”. Redefinir palavras não é um pecado, mas se nós usamos palavras como “substância inteira” e “literalmente” para este caso, que palavra vamos usar quando nós realmente e verdadeiramente quisermos dizer que algo aconteceu de fato? Como Anthony Kenny observou de seu próprio questionamento quando era um seminarista jovem, “Até onde podia dizer, minha máquina de escrever poderia ser Benjamim Disraeli transubstanciado…”

Católicos romanos, cuja crença na autoridade infalível os compele a aceitar que o vinho se transforma fisicamente em sangue apesar de todas as aparências, referem-se ao “mistério” da transubstanciação. Chamar isto de um mistério torna tudo certo, entende? Pelo menos, funciona bem para uma mente bem preparada por uma infecção secundária. Exatamente o mesmo truque é realizado no “mistério” da Trindade. Mistérios não foram feitos para ser resolvidos, eles foram feitos para criar fascinação. A ideia de que o “mistério é uma virtude” vem à ajuda do católico, que do contrário acharia intolerável a obrigação de acreditar na tolice óbvia da transubstanciação e do “três-em-um”. Novamente, a convicção de que o “mistério é uma virtude” tem um elo autorreferente. Como Hofstadter poderia dizer, o mesmo mistério da crença move o crente a perpetuar o mistério.

Um sintoma extremo da infecção do “mistério é uma virtude” é o ‘Certum est quia impossibile est’ de Tertullian” (É certo porque é impossível). Desse modo a loucura chega. Uma pessoa pode ficar tentada a citar a Rainha Branca de Lewis Carroll que, em resposta à frase de Alice “Uma pessoa não pode acreditar em coisas impossíveis” disse “eu ouso dizer que você não teve muita prática… Quando eu tinha sua idade, eu sempre fazia isto durante meia-hora por dia. Por que, às vezes eu acreditei em tanto quanto seis coisas impossíveis antes do café da manhã”. Ou o Monge Elétrico de Douglas Adams, um dispositivo poupador de trabalho programado para acreditar por você que era capaz de “acreditar em coisas que eles teriam dificuldade em acreditar em Salt Lake City” e o qual, no momento de ser apresentado ao leitor, acreditava ao contrário de toda a evidência, que tudo no mundo era uma sombra uniforme de cor-de-rosa. Mas as Rainhas Brancas e os Monges Elétricos ficam menos engraçados quando você perceber que estes grandes crentes são na vida real indistinguíveis de teólogos venerados. “É para ser acreditado de todas as formas, porque é absurdo” (Tertullian novamente). Sir Thomas Browne (1635) cita Tertullian com aprovação, e vai mais adiante: “Eu acho que não há impossibilidades o bastante na religião para uma fé ativa?” E “eu desejo exercitar minha fé no ponto mais difícil; já que acreditar nos objetos ordinários e visíveis não é fé, mas persuasão?”

Eu sinto que há algo mais interessante acontecendo aqui que apenas simples insanidade ou nonsense surrealista, algo similar à admiração que nós sentimos quando assistimos um ilusionista em uma corda bamba. É como se o fiel ganhasse mais prestígio por conseguir acreditar em coisas mais impossíveis que seus rivais conseguem acreditar. Será que estas pessoas estão testando — exercitando — seus músculos de acreditar, treinando a si mesmos para acreditar em coisas impossíveis de forma que eles possam encarar facilmente as coisas meramente improváveis que eles são chamados a acreditar ordinariamente?

Enquanto eu estava escrevendo isto, o Guardian (29 de julho de 1991) fortuitamente mostrava um belo exemplo. Ele veio em uma entrevista com um rabino executando a tarefa estranha de atestar pureza kosher de produtos de comida até às últimas origens dos seus minutos ingredientes . Ele estava agonizando atualmente sobre se iria até a China para examinar o mentol que compõe pastilhas para tosse. “Você já tentou verificar mentol chinês… era extremamente difícil, especialmente já que a primeira carta que nós enviamos recebido a resposta no melhor inglês chinês, ‘O produto não contém nenhum kosher’… A China só começou recentemente a se abrir a investigadores kosher. O mentol deve estar certo, mas você nunca pode estar absolutamente seguro a menos que você visite”. Estes investigadores kosher gerenciam uma linha de atendimento por telefone na qual alertas em tempo real de suspeita contra barras de chocolate e óleo de fígado de bacalhau são registradas. O rabino lamenta que a tendência inspirada ecologicamente de distanciamento de cores artificiais e sabores “tornam a vida miserável no campo kosher porque você tem que seguir todas estas coisas até sua origem”. Quando o entrevistador lhe pergunta por que ele se aborrece neste exercício obviamente insensato, ele deixa muito claro que o ponto é precisamente que não nenhum ponto:

Que a maioria das leis Kashrut são ordenações divinas sem razão dada é 100 por cento o ponto. É muito fácil não assassinar as pessoas. Muito fácil. É um pouco mais duro não roubar porque uma pessoa é tentada ocasionalmente. De forma que não é nenhuma grande prova que eu acredito em Deus ou estou cumprindo o Seu desejo. Mas, se Ele me diz que não devo tomar uma xícara de café com leite na minha hora do almoço com minha carne moída, isto é um teste. A única razão para que eu estou esteja fazendo isso é porque me disseram para fazer isso. É algo difícil.

Helena Cronin sugeriu a mim que pode haver uma analogia aqui para a teoria de deficiência de Zahavi de seleção sexual e a evolução de sinais (Zahavi, 1975). Há muito antiquada, até mesmo ridicularizada (Dawkins, 1976), a teoria de Zahavi foi reabilitada recentemente de forma inteligente (Grafen, 1990 a, b) e é considerada agora seriamente por biólogos evolutivos (Dawkins, 1989). Por exemplo, Zahavi sugere que pavões evoluíram suas caudas absurdamente penosas e suas cores ridiculamente notáveis (para predadores), precisamente porque elas são penosas e perigosas, e portanto impressionantes a fêmeas. O pavão está, em efeito, dizendo: “Veja o quão forte e adaptado eu devo ser, já que eu posso levar este rabo absurdamente penoso por aí”.

Para evitar um mal entendido do idioma subjetivo no qual Zahavi gosta de fazer suas observações, eu devo acrescentar que a convenção do biólogo de personificar as ações inconscientes da seleção natural é um pressuposto não mencionado aqui. Grafen traduziu o argumento em um modelo matemático Darwiniano ortodoxo, e ele funciona. Nenhuma reivindicação está sendo feita aqui sobre a intencionalidade ou consciência de pavões e pavoas. Eles podem ser tão involuntários ou intencionais quanto você desejar (Dennett, 1983, 1984). Além disso, a teoria de Zahavi é geral o bastante para não depender de um apoio Darwiniano. Uma flor que anuncia seu néctar a uma abelha “cética” poderia se beneficiar do princípio de Zahavi. Mas assim também poderia um vendedor humano que busca impressionar um cliente.

A premissa da ideia de Zahavi é que a seleção natural favorecerá o ceticismo entre fêmeas (ou entre recipientes de mensagens de anúncio). O único modo de um macho (ou qualquer anunciante) autenticar a sua ostentação de força (qualidade, ou o que for) é provar que ela é verdade ao carregar um fardo verdadeiramente pesado — uma deficiência que só um macho genuinamente forte (de qualidade alta, etc.) poderia aguentar. Pode ser chamado o princípio da autenticação custosa. E agora ao ponto. É possível que algumas doutrinas religiosas não sejam favorecidas apesar de serem ridículas, mas precisamente porque elas sejam ridículas? Qualquer iniciante em religião poderia acreditar que simbolicamente o pão representa o corpo de Cristo, mas é preciso um verdadeiro cristão de sangue para acreditar em algo tão bizarro quanto a transubstanciação. Se você acredita que pode acreditar em qualquer coisa, e (testemunhe a história de Thomas, o cético), estas pessoas são treinadas para ver isto como uma virtude.

Vamos retornar à nossa lista de sintomas que alguém afligido com o vírus mental da fé, e sua gangue acompanhante de infecções secundárias, pode esperar experimentar.

4. O atingido pode se achar comportando-se de forma intolerante a vetores de fés de rivais, em casos extremos até mesmo matando-os ou defendendo suas mortes. Ele pode ser similarmente violento em sua disposição para com apóstatas (as pessoas que uma vez celebraram a fé, mas renunciaram isto); ou para com hereges (as pessoas que defendem uma versão diferente — frequentemente, talvez significativamente, apenas ligeiramente diferente — da fé). Ele também pode se sentir hostil para com outros modos de pensamento que são potencialmente inimigos à sua fé, como o método de razão científica que pode funcionar quase como um software antivirótico.

A ameaça de matar o distinto novelista Salman Rushdie é só o mais recente em uma linha longa de exemplos tristes. No mesmo dia em que eu escrevi isto, o tradutor japonês de Os Versos Satânicos foi encontrado assassinado, uma semana depois de um ataque quase fatal ao tradutor italiano do mesmo livro. A propósito, o sintoma aparentemente oposto de “simpatia” para a “dor” muçulmana, expressada pelo Arcebispo de Canterbury e outros líderes Cristãos (beirando, no caso do Vaticano, a clara cumplicidade criminal) é, claramente, uma manifestação do sintoma que nós discutimos anteriormente: a ilusão de que a fé, por mais danosos que sejam seus resultados, tem que ser respeitada simplesmente porque é fé.

Assassinato é um extremo, é claro. Mas há até mesmo um sintoma mais extremo, e é o suicídio no serviço militante de uma fé. Como uma formiga-soldado programada para sacrificar a vida dela por cópias de genes que fizeram a programação, um árabe ou japonês (??!) jovem é ensinado que morrer em uma guerra santa é o caminho mais rápido para o céu. Se os líderes que o exploram acreditam nisto não diminui o poder brutal que o “vírus de missão suicida” carrega em nome da fé. É claro que o suicídio, como o assassinato, é uma bênção parcial: aqueles que poderiam ser convertidos podem ser repelidos, ou podem tratar com desprezo uma fé que é percebida como insegura o bastante para precisar de tais táticas.

Mais obviamente, se muitos indivíduos se sacrificam a provisão de crentes poderia tornar-se baixa. Isto foi verdade em um exemplo notório de suicídio inspirado pela fé, embora este caso não tenha sido nenhuma morte “kamikaze” em batalha. A seita do Templo do Povo se extinguiu quando seu líder, o Reverendo Jim Jones, conduziu a maior parte dos seguidores dele nos Estados Unidos para a Terra Prometida de “Jonestown” na selva de Guiana, onde ele persuadiu mais de 900 deles, as crianças primeiro, a beber cianeto. O caso macabro foi investigado inteiramente por uma equipe do San Francisco Chronicle (Kilduff e Javers, 1978).

Jones, “o Pai”, tinha chamado seu rebanho a uma reunião e tinha lhes falado que estava na hora de partir para o céu.

“Nós vamos nos encontrar”, ele prometeu, “em outro lugar”.

As palavras continuaram soando nos alto-falantes do acampamento.

“Há grande dignidade em morrer. É uma grande demonstração para todos morrer”.

Incidentalmente, não escapa à mente treinada do sociobiologista alerta que Jones, nos primórdios de sua seita, “proclamou a si mesmo a única pessoa que podia praticar sexo” (presumivelmente suas parceiras também podiam). “Uma secretária organizaria os encontros de Jones. Ela chamaria e diria, ‘O Pai odeia fazer isto, mas ele tem este tremendo desejo e você poderia por favor…?’” Suas vítimas não eram apenas mulheres. Um rapaz de 17 anos, dos dias em que a comunidade de Jones ainda estava em São Francisco, contou como ele foi levado durante fins de semana pervertidos para um hotel onde Jones recebeu “o desconto de um ministro do Rev. Jim Jones e filho”. O mesmo rapaz disse: “Eu realmente o venerava. Ele era mais que um pai. Eu teria matado meus pais por ele”. O que é notável sobre o Reverendo Jim Jones não é seu comportamento voltado a servir ele mesmo, mas a credulidade quase sobre-humana de seus seguidores. Tendo à disposição tal credulidade prodigiosa, que pessoa pode duvidar que as mentes humanas não estão prontas para infecção maligna?

Admitidamente, o Reverendo Jones enganou só alguns milhares de pessoas. Mas o caso dele é um extremo, a ponta de um iceberg. A mesma ânsia de ser enganado por líderes religiosos é difundida. A maioria de nós estaria preparado para apostar que ninguém escaparia ao ir na televisão e dizer, com todas as palavras, “Envie-me seu dinheiro, de forma que eu possa usá-lo para persuadir outros babacas a me enviar seu dinheiro também”. No entanto hoje, em qualquer grande cidade nos Estados Unidos, você pode achar pelo menos um canal evangelista de televisão completamente dedicado para este evidente truque de confiança. E eles escapam disto cheios de dinheiro. Defrontados com esta credulidade burra temerosa, é difícil não sentir uma simpatia invejosa com os vigaristas bem vestidos. Até que você perceba que nem todos os crédulos são ricos, e que é frequentemente das heranças de viúvas que os evangelistas estão enriquecendo. Eu ouvi até mesmo um deles invocando explicitamente o princípio que eu identifico agora com o princípio de Zahavi de autenticação custosa. Deus aprecia realmente uma doação, ele disse com sinceridade apaixonada, somente quando essa doação é tão grande que machuca. Pobres anciãos eram colocados em rodas para testemunhar quanto mais felizes eles se sentiam desde que eles tinham doado todo o pouco que tinham para o Reverendo, quem quer que ele fosse.

5. O paciente pode notar que as convicções particulares que ele mantém, embora não tenham nada a ver com evidência, de fato parecem ter muito ver com a epidemiologia. Por que, ele pode desejar saber, eu mantenho este conjunto convicções em lugar daquele outro? Será porque eu examinei todas as fés do mundo e escolhi aquela cujas alegações pareciam as mais convincentes? Quase certamente não. Se você tiver uma fé, é de forma estatística esmagadoramente provável que seja a mesma fé que seus pais e avós mantinham. Não há nenhuma dúvida de que erguer catedrais, criar música, histórias comoventes e parábolas ajuda um pouco. Mas sem dúvida a variável mais importante que determina sua religião é o acaso do nascimento. As convicções que você mantém tão apaixonadamente teriam sido um conjunto de convicções completamente diferente, e amplamente contraditórias, se você tivesse simplesmente nascido em um lugar diferente. Epidemiologia, não evidência.

6. Se o paciente for uma das exceções raras que seguem uma religião diferente de seus pais, a explicação ainda pode ser epidemiológica. É verdade, é possível que ele tenha examinado desapaixonadamente as fés do mundo e escolheu a mais convincente. Mas é estatisticamente mais provável que ele tenha sido exposto a um agente infeccioso particularmente potente — um John Wesley, um Jim Jones ou um São Paulo. Aqui nós estamos falando sobre transmissão horizontal, como no sarampo. Antes, a epidemiologia era a de transmissão vertical, como a Chorea de Huntington.

7. As sensações internas do paciente podem ser incrivelmente remanescentes àquelas normalmente associadas com o amor sexual. Esta é uma força extremamente potente no cérebro, e não é surpreendente que alguns vírus evoluíram para explorá-la. A famosa visão orgástica de Santa Teresa de Ávila é muito notória para precisar ser citada novamente. Mais seriamente, e em um plano menos cruamente sensual, o filósofo Anthony Kenny provê o testemunho comovente ao puro prazer que espera aqueles que conseguem acreditar no mistério da transubstanciação. Depois de descrever sua ordenação como um padre católico romano, capacitado a celebrar Missa pelo toque de mãos, ele adiciona que recorda vividamente

a exaltação dos primeiros meses durante os quais eu tive o poder para rezar a Missa. Sendo que eu normalmente sou preguiçoso e lento para acordar, eu saltaria cedo para fora da cama, completamente desperto e cheio de excitação ao pensamento do ato momentoso que fui privilegiado para executar. Eu raramente rezava a Missa de Comunidade pública: a maioria dos dias eu celebrei sozinho em um altar lateral com um membro novato do Colégio para servir como o assistente e congregação. Mas isso não fez diferença à solenidade do sacrifício ou à validez da consagração.

Era tocar o corpo de Cristo, a proximidade do padre a Jesus que mais me atraiu. Eu contemplaria o Anfitrião depois das palavras de consagração, com os olhos ternos como um amante que olha nos olhos de sua amada… Esses primeiros dias como um padre permanecem em minha memória como dias de complitude e felicidade trêmula; algo precioso, e ainda muito frágil para durar, como um caso de amor romântico tornado curto pela realidade de um matrimônio mal arranjado. (Kenny, 1986, pp. 101-2)

O doutor Kenny é inclinado a acreditar que parecia a ele, como um padre jovem, como se ele estivesse apaixonado pelo anfitrião consagrado. Que vírus brilhantemente próspero! Na mesma página, incidentalmente, Kenny nos mostra também que o vírus é transmitido de forma contagiosa — se não literalmente então pelo menos em algum senso — da palma da mão do bispo infectado ao topo da cabeça do padre novo:

Se a doutrina católica é verdadeira, todo padre validamente ordenado deriva suas ordens de uma linha ininterrupta de toques de mãos, através do bispo que o ordena de volta a um dos doze Apóstolos… devem haver cadeias registradas de toques de mãos de séculos. Surpreende-me que os padres nunca pareçam se importar em localizar a ascendência espiritual deles deste modo, encontrando quem ordenou o seu bispo, e quem o ordenou, e assim por diante até Júlio II ou Celestina V ou Hildebrando, ou Gregório o Grande, talvez. (Kenny, 1986, pág. 101)

Isso também me surpreende.

A Ciência é um Vírus?

Não. Não a menos que todos os programas de computador sejam vírus. Programas bons, úteis, se espalham porque as pessoas os avaliam, recomendam e repassam. Vírus de computador se espalham somente porque eles embutem as instruções codificadas: “Me espalhe”. Ideias científicas, como todos os memes, estão sujeitas a um tipo de seleção natural, e isto poderia parecer superficialmente como um vírus. Mas as forças seletivas que examinam as ideias científicas não são arbitrárias e caprichosas. Elas são regras de precisão, bem avaliadas, e não favorecem o comportamento egoísta insensato. Elas favorecem todas as virtudes expostas em livros padrão de ensino de metodologia: testabilidade, apoio de evidências, precisão, quantificabilidade, consistência, intersubjectividade, reproducibilidade, universalidade, progressividade, independência do ambiente cultural e assim por diante. A fé se espalha a despeito de uma total falta de qualquer uma destas virtudes.

Você pode achar elementos de epidemiologia na expansão de ideias científicas, mas será epidemiologia largamente descritiva. A expansão rápida de uma boa ideia pela comunidade científica pode até se parecer com a descrição de uma epidemia de sarampo. Mas quando você examina as razões subjacentes você descobre que elas são boas, satisfazendo os padrões exigentes do método científico. Na história da expansão da fé você achará pouco mais que epidemiologia, e ainda mais epidemiologia causal. A razão porque uma pessoa A acredita em uma coisa e uma B acredita em outra é simples e unicamente que A nasceu em um continente e B em outro. Testabilidade, apoio evidencial e tudo mais não é nem mesmo remotamente considerado. Para a crença científica, a epidemiologia vem meramente muito depois e descreve a história de sua aceitação. Para a crença religiosa, a epidemiologia é a causa raiz.

Epílogo

Felizmente, os vírus não ganham sempre. Muitas crianças emergem incólumes do pior que as freiras e mulás podem jogar nelas. A própria história de Anthony Kenny tem um final feliz. Ele eventualmente renunciou suas ordens porque já não podia tolerar as contradições óbvias dentro da crença católica, e ele é agora um estudioso altamente respeitado. Mas uma pessoa não pode deixar de observar que realmente deve ser uma infecção poderosa porque de fato foi preciso a um homem da sabedoria e inteligência dele — o Presidente da Academia britânica, nada menos — três décadas para superar. Sou indevidamente alarmista ao temer pela alma de minha inocente de seis anos?

Agradecimento

Com agradecimentos a Helena Cronin por sugestão detalhada sobre o conteúdo e estilo em cada página.

Referências

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Dawkins, R. (1976) The Selfish Gene. Oxford: Oxford University Press.
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