Ateísmo

Michael Martin

Ateísmo é a negação ou a falta da crença na existência de deus(es). O termo ateísmo vem do prefixo grego “a-”, significando “ausência”, e da palavra grega theos, significando “divindade”. A negação da existência de Deus é conhecida como ateísmo “ativo” ou “forte”; a simples descrença é denominada ateísmo “passivo” ou “fraco”. Apesar de o ateísmo ser frequentemente visto como algo distinto do agnosticismo — visão segundo a qual não podemos saber se uma divindade existe ou não, mantendo uma posição neutra sobre o assunto —, ele é compatível com o ateísmo “passivo”.

O ateísmo possui uma vasta quantidade de implicações à condição humana. Com a ausência da crença num deus, as questões éticas devem ser determinadas em função dos objetivos e preocupações humanas, cabendo a nós assumir responsabilidade total pelo nosso destino. A morte, nessa visão, marca o fim da existência de um indivíduo.

Em 1994 estimava-se que havia aproximadamente 240 milhões de ateus no mundo — cerca de 4% do total —, incluindo aqueles que professam o ateísmo, o ceticismo, a descrença ou que opõem-se à religião. A porcentagem estimada aumentou significantemente, sendo atualmente algo em torno de 21% da população mundial (se ateus “passivos” forem incluídos).

O Escopo do Ateísmo

Em tempos antigos, pessoas utilizavam ocasionalmente a palavra “ateísmo” como uma ofensa às posições religiosas de seus opositores. Os primeiros cristãos eram chamados de ateus porque negavam a existência das divindades romanas. Ao longo do tempo muitos mal-entendidos surgiram: que os ateus são imorais, que a moralidade não pode ser justificada sem a crença em um deus, que a vida não tem sentido sem um criador. Apesar dessa visão ser bastante difundida, não há evidências de que ateus são menos morais que os teístas. Muitos sistemas morais foram criados sem pressupor a existência de um ser sobrenatural. O “sentido” da vida humana pode basear-se em objetivos terrenos, como melhoria da humanidade.

Na sociedade ocidental o termo ateísmo foi utilizado mais especificamente para designar a negação do teísmo, particularmente o judaico-cristão, que afirma a existência de um Deus pessoal todo-poderoso, todo-sabedoria e todo-bondade. Esse ser criou o Universo, preocupa-se ativamente com problemas humanos e guia sua criação através da revelação divina. O ateísmo “ativo” rejeita esse Deus e as crenças a ele associadas, como a na vida pós-morte, na predestinação, nas origens sobrenaturais do Universo, nas almas imortais, na revelação da natureza divina através da Bíblia e do Corão e na fundamentação religiosa da moral.

O teísmo, entretanto, não é um componente de todas as religiões. Algumas rejeitam o teísmo, mas não são inteiramente ateias. Apesar do Bhagavad-Gita — escritos sagrados do hinduísmo — ser totalmente fundamentado em tradições teísticas, escritos hindus mais antigos — conhecidos como os Upanishads — ensinam que o Brahman (a realidade última) é algo impessoal. O ateísmo “ativo” rejeita até os aspectos panteístas do hinduísmo, que igualam Deus ao Universo. Várias outras religiões orientais, incluindo o budismo theravada e o jainismo, são comumente vistas como crenças ateísticas, mas essa interpretação, a rigor, não é correta. Tais religiões rejeitam a ideia de um Deus criador do Universo como defendido pelo teísmo, mas admitem numerosos outros deuses inferiores. Na melhor das hipóteses, só podem ser consideradas “ateísticas” no sentido de que não aceitam o teísmo.

História

No mundo intelectual do Ocidente o fenômeno da difusão da descrença em Deus possui uma longa e distinta história. Filósofos da antiguidade, como Lucrécio, eram descrentes. Mesmo na Idade Média (do V ao XV século) havia correntes de pensamento que questionavam as assunções teístas, incluindo o ceticismo — doutrina que alega a impossibilidade de se alcançar o “verdadeiro conhecimento” — e o naturalismo — crença de que apenas forças naturais governam o mundo. Vários pensadores iluministas (1700-1789) eram ateus militantes, incluindo o escritor dinamarquês Baron Holbach e o enciclopedista francês Denis Diderot. Expressões de descrença são também encontradas em clássicos da literatura ocidental, incluindo os escritos de poetas ingleses como Percy Shelley e Lord Byron; do novelista inglês Thomas Hardy; de filósofos franceses como Voltaire e Jean-Paul Sartre; do autor russo Ivan Turgenev e de escritores americanos como Mark Twain e Upton Sinclair. Os ateus e críticos de religião mais articulados e conhecidos do século XIX são os filósofos alemães Ludwig Feuerbach, Karl Marx, Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche. O filósofo britânico Bertrand Russel, o psicanalista austríaco Sigmund Freud e Sartre estão entre os ateus mais influentes do século XX.

Motivos para Rejeitar Deus

Críticas ao Teísmo

Ateus justificam suas posições filosóficas de várias maneiras. Ateus “passivos” tentam fundamentar sua posição através da refutação dos argumentos em favor da existência de Deus, como o ontológico, o da causa primeira, o do design inteligente e o da experiência religiosa. Outros argumentam que qualquer afirmação sobre Deus é vazia, pois atributos como “onisciência” e “onipotência” são incompreensíveis à mente humana. Os que professam o ateísmo “ativo”, em contrapartida, defendem sua posição argumentando que o conceito de Deus é inconsistente. Eles questionam, por exemplo, como um Deus “todo-sabedoria” pode ser ao mesmo tempo “todo-bondade” e como um Deus que não possui corpo físico pode ser “onisciente”.

O Problema do Mal

Alguns ateus “ativos” adotam a posição de que a existência do mal torna Deus algo improvável. Em particular, ateus afirmam que o teísmo não explica adequadamente o porquê da existência de um mal aparentemente sem sentido, como o sofrimento de uma criança inocente. Teístas comumente defendem a existência do mal argumentando que Deus deseja que os humanos possuam liberdade de escolha entre o bem e o mal, ou que a função do mal é construir o caráter humano, lhes proporcionando qualidades como a perseverança. Ateus “ativos” contra-argumentam que as justificativas para o mal dadas pelos teístas em termos de livre-arbítrio deixam de explicar por que, por exemplo, uma criança possui doenças genéticas ou sofre violências e abusos de adultos. Os argumentos de que Deus permite a dor e o sofrimento para construir o caráter humano falham, por sua vez, em explicar por que havia sofrimento entre os animais existentes antes que os humanos evoluíssem e por que o caráter não pode ser desenvolvido com menos sofrimento. Para ateus, uma melhor explicação para a presença do mal no mundo é a inexistência de Deus.

Evidências Históricas

Ateus também criticaram evidências históricas utilizadas para sustentar as crenças das maiores religiões teísticas. Por exemplo, argumentaram que a falta de evidências lança dúvidas sobre importantes doutrinas do cristianismo, como a de que Jesus Cristo nasceu de uma virgem e a de que ressuscitou após ter sido crucificado. Devido a tais eventos representarem milagres, os ateus dizem que evidências extremamente fortes são necessárias para sustentar sua veracidade. As evidências disponíveis para respaldar os supostos milagres — de fontes bíblicas, pagãs e judaicas —, segundo os ateus, são fracas, e por isso devem ser rejeitadas.

A Diversidade no Ateísmo

Ateísmo é, primariamente, uma “reação à” ou uma “rejeição da” crença religiosa, e portanto não é possível determinar quaisquer outros pontos de vista filosóficos a partir dele. O ateísmo, às vezes, é associado às correntes filosóficas materialistas, as quais defendem que apenas a matéria existe; com o comunismo, o qual afirma que a religião impede o progresso da humanidade; e com o racionalismo, que coloca a razão acima de outros métodos de investigação. Entretanto, não há qualquer conexão necessária entre o ateísmo e tais posições filosóficas. Alguns ateus opuseram-se ao comunismo, outros rejeitaram o materialismo. Apesar de praticamente todos os materialistas contemporâneos serem ateus, Epicuro — um materialista grego da Antiguidade — acreditava que os deuses eram feitos de matéria na forma de átomos. Racionalistas como o filósofo francês René Descartes acreditavam em Deus, enquanto Sartre não pode ser considerado um racionalista. O ateísmo foi associado a sistemas de pensamento que rejeitam autoridades, como o anarquismo — teoria política que se opõe a qualquer tipo de governo — e o existencialismo — movimento filosófico que enfatiza absoluta liberdade de escolha que os humanos possuem; também não há, contudo, qualquer relação necessária entre tais posições e o ateísmo. O filósofo britânico A. J. Ayer era um ateu que se opunha ao existencialismo; o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, por sua vez, era um existencialista que aceitava Deus. Marx era um ateu que rejeitava o anarquismo, enquanto que o novelista Leo Tolstoy, um cristão, adotava o anarquismo. Devido ao ateísmo, estritamente falando, consistir meramente numa negação, ele não pode, por si próprio, proporcionar uma cosmovisão ao indivíduo; logo, é impossível deduzir quais outras concepções filosóficas serão adotadas.

Os debates acerca da existência de Deus continuam, especialmente em universidades, grupos de discussão sobre religião e fóruns eletrônicos na internet. Contemporaneamente, o ateísmo tem sido defendido pelos filósofos John Mackie — um britânico —, Michael Martin — um americano —, entre outros. As organizações expoentes na difusão do ateísmo nos Estados Unidos são a “The American Atheists” [Os Ateus Americanos], “The Committee for the Scientific Study of Religion” [O Comitê para Estudo Científico da Religião] e “The Internet Infidels” [Os Infiéis da Internet].

  • autor: Michael Martin
  • tradução: André Cancian